Cientistas criam vacina contra malária que é aplicada por picada de mosquito
Método ainda precisa passar por mais testes, mas os primeiros resultados são promissores: 90% dos participantes ficaram imunizados.
Com as tragédias anuais da epidemia de dengue, os brasileiros aprenderam a desconfiar de todo pernilongo. Mas e se, em vez de transmitir doenças, o mosquito transmitisse imunidade contra elas?
É exatamente isso que uma pesquisa na Holanda acaba de testar: vacinas injetadas por mosquitos contra o parasita da malária, doença que infecta mais de 250 milhões de pessoas por ano. Os primeiros resultados foram promissores, mas o método ainda precisa de mais testes.
A malária é causada por protozoários do gênero Plasmodium, que são transmitidos por picadas das fêmeas dos mosquitos do gênero Anopheles. Já dentro do corpo humano, os parasitas viajam para o fígado e infectam as células vermelhas do sangue. Dentro de 8 a 25 dias, os sintomas (febre, calafrios, dores, fadiga etc.) começam, e podem evoluir para quadros graves e morte.
No novo estudo, os cientistas utilizaram versões modificadas do parasita Plasmodium falciparum, o causador do tipo mais grave de malária. Essas variantes são editadas geneticamente em laboratório e, por isso, não são capazes de causar uma infecção que progrida para a fase da doença sintomática.
E aí começou a parte desagradável da pesquisa: os 23 participantes foram submetidos a uma sessão de 50 picadas de mosquitos transmissores da malária.
Dez deles faziam parte de um grupo que recebeu uma versão que já existia do parasita, chamada GA1. Os parasitas do tipo GA1 foram projetados para pararem de se desenvolver cerca de 24 horas após a infecção em humanos.
Para fins comparativos, a equipe criou uma inédita segunda variação, chamada GA2, em que o parasita foi projetado para parar de se desenvolver cerca de seis dias após a infecção, durante o período crucial em que os parasitas se replicam nas células do fígado humano.
Dez pessoas receberam picadas de mosquitos infectados com parasitas GA1, e dez com parasitas GA2. As três pessoas restantes foram picadas por mosquitos inofensivos, e faziam parte do grupo de controle. Essas sessões ocorreram três vezes, com intervalos de um mês entre elas.
Três semanas depois do fim desse ciclo, os níveis de anticorpos contra a malária tinham aumentado nos dois grupos. Foi a hora da prova final: eles foram então picados por mosquitos transmissores de malária – insetos normais, sem modificações.
Resultado? As sessões de imunização evitaram a infecção em 13% dos participantes do grupo GA1 e 89% dos participantes do grupo GA2. Nenhum efeito colateral sério foi identificado, além da coceira causada pelas picadas.
“Essas descobertas representam um avanço significativo no desenvolvimento da vacina contra a malária”, diz Julius Hafalla, imunologista da London School of Hygiene & Tropical Medicine. “O atual ônus global da malária faz com que o desenvolvimento de vacinas mais eficazes seja uma prioridade crítica.”
Há duas vacinas contra a malária aprovadas. Ambas têm como objetivo proporcionar imunidade de longo prazo por meio da produção de anticorpos que impedem que os parasitas da malária infectem as células do fígado, além de evitar novas infecções. No entanto, as vacinas têm apenas 75% de eficácia e exigem doses de reforço. Portanto, os imunologistas continuam a explorar estratégias alternativas.
“As conclusões desse estudo são limitadas pelo pequeno tamanho da amostra e pelo grande número de análises imunológicas. São necessários mais estudos com um número maior de participantes para entender melhor o perfil de segurança do GA2”, diz um relatório escrito pelos autores do estudo, que foi publicado na revista The New England Journal of Medicine ontem (20).
Eles destacam que o GA2 também precisa ser testado em sua durabilidade e na proteção contra outras cepas de Plasmodium, especialmente em regiões onde a malária é endêmica, como na Amazônia Legal, na África Subsaariana e em alguns países da América Central e do sudeste asiático.