Atenas-1906: os Jogos Olímpicos esquecidos que salvaram todos os outros
No princípio, as Olimpíadas modernas não eram um evento multimilionário. Até que os gregos reformaram um estádio de mármore da Antiguidade para sediá-las – e fizeram a primeira cerimônia de abertura.
No princípio, as Olimpíadas modernas eram algo bem diferente do megaevento multimilionário e multiplataforma a que nos acostumamos. Paris-1900 e St. Louis-1904, por exemplo, ficaram à sombra das Exposições Universais organizadas, respectivamente, nessas cidades. Se hoje uma Olimpíada é o grande evento no calendário de qualquer país, naquele tempo ela não passava de um punhado de competições realizadas em paralelo com feiras pomposas. Algo tão relevante quanto o rodeio de uma típica exposição agropecuária de uma cidade do interior sem tradição em rodeios.
Essas edições duraram mais de quatro meses e foram um fracasso de público e relevância. Por isso, em 1906, os gregos, dez anos após a bem-sucedida experiência em Atenas, realizaram uma nova edição olímpica. Já era uma ideia antiga do rei Jorge I, que gostaria que a capital fosse sede permanente dos Jogos, tal qual Olímpia na Antiguidade. Mas Pierre de Coubertin, o idealizador das Olimpíadas modernas, queria que as sedes fossem rotativas para que outras cidades pudessem ser, por um tempo, o centro irradiador do espírito dos cinco anéis – ou seja, a discussão sobre a rotatividade de sedes, em voga hoje devido a custos assombrosos de organização e a legados chinfrins, já existia naquela época.
Com o circo olímpico ameaçado pelas edições esvaziadas da virada do século 20, Coubertin e o COI deram o aval para os gregos organizarem um novo ciclo quadrienal de sede fixa. Foi um sucesso. O mítico estádio Panatenaico, um marco da antiguidade ateniense reformado para os Jogos de 1896, sediou a nova edição (e ele também foi usado em 2004). Além da estrutura pronta, o que ajudou a fechar as contas, os atenienses apresentaram inovações que hoje são essenciais, como a cerimônia de abertura com desfile de todos os atletas, separados por delegações representadas em suas cores e bandeiras.
Vinte nações competiram, sendo que o Império Austro-Húngaro foi representado por três delegações distintas: Áustria, Hungria e Boêmia (sim, a Boêmia, na atual República Tcheca, já foi um time olímpico, assim como a Rússia czarista e o Império Otomano, mesmo que sob o nome “Turquia”, o que dá uma dimensão histórica diferente ao que chamamos de “Jogos modernos”). Eram cerca de 850 atletas, sendo seis mulheres, competindo em 13 esportes, segundo a Encyclopedia of the Modern Olympic Movement.
Como realizar um evento internacional sem precisar fazer um novo estádio? Os gregos sabiam, em 1906.
A ideia era que a Olimpíada Intercalada de Atenas, como é (pouco) conhecida, não fosse um evento isolado. Os Jogos deveriam ocorrer novamente em 1910, 1914 e por aí vai, intercalados com as edições que pingam de cidade em cidade. Mas, para variar, naqueles tempos o caldeirão de tretas dos Bálcãs estava transbordando. Gregos e turcos entraram em guerra por Creta em 1907, o Império Turco-Otomano descia ladeira abaixo enquanto os movimentos nacionalistas dos povos da região ainda sob o domínio de Istambul inflava, o que levou às Guerras Balcânicas de 1912 e 1913 e, em seguida, ao assassinato do arquiduque com nome de banda, em 1914. Aí o mundo mergulhou na Grande Guerra e um abraço.
A Grécia não tinha mais condições de sediar os Jogos Intercalados quando a guerra acabou, em 1918. A partir de 1920, a ideia de uma Olimpíada fixa em Atenas deixou de ser mencionada.
Para completar, apesar de apoiar a realização antes, o próprio Coubertin escreveu, ainda em 1906, que não reconhecia os Jogos como oficialmente olímpicos. Para a imprensa mundial da época e o COI, tratavam-se, sim, de Olimpíadas. Hoje, o evento não é listado pelo comitê e sequer é citado no site oficial.
Foram os Jogos mais globalizados, bem organizados e bem sucedidos até então. Eles mantiveram a chama acesa para Londres-1908, essa sim uma edição tida como um sucesso. Quer dizer, não fosse Atenas, os primeiros Jogos na Inglaterra teriam menos destaque na mídia, assim como, possivelmente, os seguintes, Estocolmo-1912. E logo depois veio a guerra, o mundo mudou para sempre e Olimpíadas só em Antuérpia, oito anos depois (quando os brasileiros enfim estrearam). O espírito olímpico deve muito a esses Jogos esquecidos.