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A revolução das plantas: o que raízes e folhas podem ensinar ao ser humano

De robôs dos Jetsons ao aparato burocrático do Estado, organizamos o mundo à nossa imagem e semelhança: com um cérebro centralizador e uma hierarquia obediente. Em novo livro, biólogo italiano propõe abandonar a referência do corpo animal – e encontrar soluções para o século 21 no jeitinho vegetal de fazer as coisas.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
24 out 2019, 20h13

Animais e plantas são opostos complementares. Os animais se movem, as plantas ficam enraizadas. Os animais liberam gás carbônico, as plantas o absorvem. Os animais precisam buscar comida, as plantas fabricam a própria comida. Os animais têm órgãos especializados em cada atividade necessária à vida, as plantas são construídas de maneira modular. Os animais são indivíduos – no sentido de que não podem ser divididos –, as plantas se reproduzem por brotamento. Corte um animal ao meio e ele morre – a exceção honrosa são as planárias –, corte uma planta ao meio e, em muitos casos, ele se tornará duas.

Graças a essas diferenças, delegamos às plantas um papel paralelo na hierarquia da vida. Não necessariamente inferior, veja bem. Paralelo. Um naturalista comum do século 19 considerava um rato menos evoluído porque seu cérebro tem uma capacidade de raciocínio e armazenamento de memórias menor que a nossa, ou porque seus dedos não são capazes de movimentos tão finos. As plantas, por outro lado, não possuem cérebro ou músculos. Não possuem sequer estruturas comparáveis à cabeça ou às mãos. Elas são outra coisa – simples assim.

Por sermos incapazes de estabelecer uma relação anatômica entre os corpos das plantas e os nossos corpos, nos tornamos incapazes de pressupor que elas tenham capacidades parecidas com as nossas. Que elas possam manifestar formas particulares de memória, por exemplo.

Estamos acostumados a pensar na memória não só pelo que ela é – a capacidade de reter dados sobre passado para guiar ações no futuro –, mas pelo seu suporte: um bolo de neurônios chamado cérebro. Se não rola no cérebro, não é memória. Tanto é que os botânicos forjaram meia dúzia de termos para as manifestações de memória das plantas: aclimatação, priming, condicionamento etc. Esse palavreado todo demonstra ser inconcebível, para nós, que um vegetal possa aprender com a experiência.

Mesmo assim, plantas da espécie Mimosa pudica – que fecham suas folhinhas imediatamente após serem expostas a um estímulo estressante, como serem transportadas em uma rua esburacada – aprendem que o estímulo não é ameaçador após algum tempo. E lembram disso por até 40 dias: coloque-as no carro de novo e elas se manterão abertas. Se isso não é memória, o que é?

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Existe uma famosa ilusão de ótica, chamada cubo de Necker e publicada em 1832, em que a face do cubo que parece estar para frente muda conforme o observador pisca. Uma figura bidimensional única assume diferentes interpretações tridimensionais (veja abaixo). Em Revolução das Plantas, de Stefano Mancuso – lançado recentemente no Brasil pela editora Ubu – o biólogo italiano revela que o reino Plantae sempre foi um cubo de Necker. E que nós só precisávamos piscar para vê-lo de outro ângulo.

No livro, Mancuso relata detalhadamente dezenas de experimentos surpreendentes com plantas – o caso da Mimosa, narrado resumidamente ali em cima, é só um aperitivo. A obra já seria boa o suficiente se parasse por aí – eu nunca mais olhei uma alface do mesmo jeito depois de ler –, mas o autor vai além: faz de sua defesa das plantas um manifesto por um mundo inspirado na maneira como elas fazem as coisas.

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Um mundo em que a arquitetura de locais áridos se inspire nas duas folhas da Welwitschia mirabilis – a planta que vive mil anos no árido deserto da Namíbia. Em que robôs “plantoides”, em vez de humanoides, deem os primeiros passos na colonização de outros planetas – da mesma forma que as verdinhas terráqueas foram as pioneiras na transição da água para a terra firme. Em que sistemas de governança corporativa (ou até o próprio aparato burocrático do Estado) sejam descentralizados como uma árvore, e não dependentes de uma hierarquia com cabeça, ombro, joelho e pé. 

Um mundo mais sustentável, em resumo, não é só um mundo com mais plantas. É um mundo feito a sua imagem e semelhança. Dá próxima vez que você se deparar com um problema, pense em como uma planta o resolveria. Elas podem dar insights inéditos para Homo sapiens narcisistas.

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