35% do PIB mundial depende da catálise de reações químicas, premiada no Nobel
Da baterias a remédios, setores importantes da indústria precisam acelerar e controlar interações entre moléculas usando catalisadores. Os ganhadores da láurea de Química deste ano revolucionaram a área.
No século 19, a química ainda era uma ciência jovem, recém-separada da alquimia, e muitos conceitos que hoje são conteúdo tedioso de vestibular eram novidades excitantes. Por exemplo: se você colocar peróxido de hidrogênio (H2O2) em um vidro com prata, ele se separa repentinamente em água (H2O) e oxigênio (O2). Com a prata, nada acontece: o metal permanece idêntico.
Em 1835, o químico sueco Jacob Berzelius percebeu que havia um padrão aí. À exemplo da prata, muitas outras substâncias participavam de reações químicas apenas incentivando a transformação de uma coisa na outra. Ao final do processo, elas permaneciam intactas. Berzelius batizou essas substâncias de catalisadores.
Hoje sabemos que o DNA é um livro de receitas para fabricar proteínas, e que uma parte considerável dessas proteínas são enzimas – o nome que se dá aos catalisadores biológicos, que evoluíram por seleção natural.
Enzimas guiam e facilitam quase todas as reações químicas que mantêm seu corpo funcionando. São elas que digerem sua comida, processam sua ressaca no fígado e fazem cópias do seu material genético quando uma célula se multipica.
As indústrias, como os seres vivos, têm muito interesse em acelerar e controlar reações químicas. Imagine, por exemplo, o quanto seria difícil fabricar um remédio em larga escala se não houvesse uma maneira confiável de forçar duas moléculas a reagirem para formar uma terceira?
Por isso, farmacêuticos, engenheiros e muitos outros profissionais usam catalisadores no dia a dia, que podem ser metais ou enzimas. Calcula-se que 35% do PIB da Terra dependa direta ou indiretamente da aceleração artificial de reações químicas (diga isso para aquele seu tio que não vê o propósito de se investir dinheiro público em ciência).
Os ganhadores do Prêmio Nobel de Química de 2021 levaram as láureas por desenvolver um terceiro método de catálise – que não envolve metais (que com frequência são danosos para o meio ambiente, além de exigirem ambientes livres de oxiênio e umidade) nem enzimas (que seu corpo fabrica com facilidade, mas são bem mais difíceis de se gerar artificialmente). Ele foi batizado de organocatálise.
O alemão Benjamin List, que ficou com metade da láurea de 2021, teve a seguinte sacada: uma enzima é uma proteína, e toda proteína é composta de milhares de pequenos tijolos moleculares chamados aminoácidos. Isso torna as proteínas enormes para os padrões microscópicos. Mas e se o segredo da capacidade de catálise estivesse em um aminoácido específico? Um pequeno elo da corrente?
List logo descobriu que um único aminoácido, chamado prolina, não só era um catalisador eficaz como conseguia manipular uma determinada reação química para que ela gerasse com mais frequência um certo tipo de molécula em vez de sua versão espelhada, a chamada catálise assimétrica.
(Explicando: muitas moléculas têm duas versões idênticas porém espelhadas, como ocorre com as nossas mãos direita e esquerda. Esse é um atributo denominado quiralidade. Com frequência, essas moléculas acabam tendo efeitos diferentes, e só uma delas é segura para aplicações farmacêuticas.)
O britânico David MacMillan, que ficou com a outra metade do Nobel, chegou a uma outra forma eficaz e barata de catálise assimétrica por um caminho químico diferente.
O trabalho de ambos revolucionou a indústria farmacêutica, já que evita problemas como o histórico escândalo da talidomida – que todo estudante de biológicas já ouviu pelo menos uma vez em aula: um remédio para enjoo em grávidas só fazia efeito se a molécula do princípio ativo estivesse em uma das orientações possíveis. Sua versão espelhada causava mutações graves nas crianças.