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Nobel de Física reconhece pioneiros no estudo das mudanças climáticas

Prêmio homenageia paizões da área de sistemas complexos, um ramo pouquíssimo pop da física que está por trás da meteorologia e permite as simulações da atmosfera que embasam o relatório IPCC.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 5 out 2021, 17h48 - Publicado em 5 out 2021, 12h36

Os físicos já conseguem prever o futuro. Desde que seja um futuro muito comportado, que se desenrole dentro de parâmetros cuidadosos. Pegue o lançamento de um foguete, por exemplo. Se um grande tubo de metal for impulsionado para cima com uma certa força, em um certo horário, em uma certa latitude, onde ele estará daqui alguns dias?

A maior parte das missões espaciais, tripuladas ou não, passa a maior parte do trajeto sem qualquer piloto, seja automático ou manual. A nave se move na direção desejada simplesmente porque os físicos calcularam que ela faria isso sozinha desde que fosse lançada do jeito ideal.

Mais complicado é prever o futuro de coisas caóticas, como as moléculas de gás que compõem a atmosfera da Terra. Não é à toa que a previsão do tempo não é 100% confiável.

Estamos falando de uma quantidade de partículas de oxigênio, nitrogênio e dióxido de carbono bem maior que o número de estrelas do Universo visível, interagindo umas com as outras para fazer chuva, vento, neve ou um céu azulzinho. Eis um exemplo típico do que se chama, em várias áreas das ciências naturais, de “sistema complexo”.

O Prêmio Nobel de Física de 2021 foi divido entre três pesquisadores que contribuíram massivamente com a tarefa de domar sistemas complexos com a matemática, tornando-os mais previsíveis. O primeiro deles é o meteorologista japonês Syukuro Manabe, hoje com 9o anos, que publicou seus primeiros trabalhos importantes em 1967 quando trabalhava para o governo dos EUA.

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Manabe criou modelos que permitiam prever como a atmosfera da Terra reagiria a um aumento na concentração de gás carbônico. Também foi o primeiro a integrar oceano e atmosfera nesses modelos – uma dobradinha que aumenta muito a complexidade de um sistema já complexo. Seu trabalho está nos alicerces de todas as pesquisas contemporâneas sobre aquecimento global e mudanças climáticas.

O alemão Klaus Hasselmann, por sua vez, foi responsável por demonstrar como variações de curto prazo na atmosfera (o que chamamos de tempo) estão ligadas ao comportamento mais cíclico e previsível de longo prazo (o clima). Graças a seu trabalho, hoje sabemos que um dia de frio anormal, por exemplo, não invalida a tendência geral de aquecimento do planeta.

Seu trabalho também foi essencial para determinar que as emissões de gases de efeito estufa por seres humanos são as principais responsáveis pelas mudanças climáticas.

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O italiano Giorgio Parisi, o terceiro laureado, não trabalhou diretamente com o clima, e tem uma pesquisa um tanto mais abstrata, que floresceu na década de 1980. Seu trabalho envolve basicamente a detecção de padrões ocultos em situações que, à primeira vista, parecem caóticas.

Não é algo que se possa explicar bem sem apelar para matemática cabeluda, mas as aplicações em áreas como biologia, neurociência ou machine learning atestam a amplitude do trabalho de Parisi: ele já analisou até o movimento de revoadas de pássaros.

Após um Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina que ignorou o combate à Covid-19, o Nobel de Física deu os holofotes a uma área que não tem nada de pop, mas está no cerne de um dos grandes acontecimentos do ano: a publicação do relatório IPCC pela ONU, com um prognóstico sombrio sobre o futuro da Terra sob um grosso cobertor de CO2.

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Também deixou claro que o modelo de premiação do Nobel não é mais adequado ao funcionamento da ciência contemporânea. Embora nosso imaginário seja povoado por gênios solitários como Einstein ou Newton, os trabalhos mais relevantes da física deste século, como a verificação da existência do Bóson de Higgs ou a detecção de ondas gravitacionais, foram fruto da colaboração de milhares de profissionais.

A montanha de artigos sobre o aquecimento global que permite a realização de um relatório como o IPCC é um esforço coletivo similar e descentralizado. Por mais que seja respeitoso homenagear os pioneiros de pesquisas nessa área, talvez seja hora da Academia Sueca expandir para outras áreas a estratégia que já adota no Nobel da Paz: premiar grupos e instituições quando o trabalho coletivo ofusca o crédito individual.

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