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A seleção natural tirou as patinhas desse lagarto – e depois as devolveu

Bichos com patas são bons em percorrer solos úmidos; bichos rastejantes se dão melhor na areia. Nos últimos 60 milhões de anos, a alternância entre esses ambientes criou um gênero de lagartos indecisos no quesito bracinhos.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 14 nov 2020, 13h31 - Publicado em 14 nov 2020, 11h26

Nas florestas das Filipinas, os lagartos do gênero Brachymeles, com 8 cm, trabalham duro para não acabar na boca de um predador. Algumas espécies desse grupo conseguem usar seus bracinhos e perninhas para correr rápido das ameaças – outras, que não têm membros, rastejam como cobras e se enterram no chão para encontrar abrigo.

Originalmente, todos os Brachymeles tinham membros. Depois, a seleção natural tirou seus bracinhos e perninhas. Então, algumas espécies do gênero recuperaram as extremidades perdidas. Outras continuam sem elas até hoje. Essa indecisão é um caso raro: perder membros é algo até comum ao longo das eras geológicas; recuperá-los é outra história – bem mais complicada.

Em um artigo no periódico especializado Proceedings of the Royal Society B, biólogos propõem uma sequência de mudanças climáticas que poderia ter levado a seleção natural a essa indecisão.

Os Brachymeles modernos surgiram no Sudeste Asiático, inicialmente com quatro patas. Estudos com fósseis já haviam mostrado que, há cerca de 62 milhões de anos, as espécies do grupo perderam seus membros e assumiram o formato cilíndrico e alongado típico de cobras.

Há 40 milhões de anos, porém, algumas espécies começaram a desenvolver bracinhos de novo. Atualmente, algumas têm membros minúsculos e com poucos dedos – enquanto outras possuem patas totalmente desenvolvidas, com cinco ou seis dedos.

Perder membros não é algo incomum. Existem outros lagartos com o formato de cobras, como os Pygopodidae e Dibamidae. Tudo isso depende, é claro, das diferentes pressões a que cada espécie é submetida em seu habitat; em alguns casos, um corpo menos complexo pode ser mais favorável para a sobrevivência.

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Por outro lado, desenvolver novamente uma característica morfológica complexa perdida é algo muito mais raro. O paleontólogo francês Louis Dollo propôs em 1893 a chamada Lei da Irreversibilidade de Dollo – que diz que um organismo que passa por transformações dificilmente evolui de volta ao estado original, mesmo que seu ambiente volte a ser idêntico.

Os biólogos ainda debatem essa ideia. O consenso atual parece ser o seguinte: o problema não é evoluir braços de novo. Isso é perfeitamente possível, com as pressões evolutivas certas. O difícil é evoluir exatamente os mesmos braços. A evolução funciona por meio da seleção de mutações aleatórias. E do ponto vista estatístico, é irrisória – para não dizer nula – a chance de que a mesma sequência de mutações apareça e depois seja selecionada em uma ordem idêntica.

Para entender melhor o que aconteceu com os Brachymeles, a equipe do biólogo Philip Bergmann explicou ao New York Times que eles fizeram um experimento divertido: corrida de lagartos. A equipe coletou cerca de 150 representantes de várias espécies do gênero nas selvas da Filipinas e da Tailândia. Havia espécimes com e sem patas.

Os bichinhos foram postos em diferentes ambientes: areia, terra úmida, pedras, etc. Seus movimentos foram gravados por câmeras de alta definição.

Os resultados mostraram que os lagartos com perninhas se movimentavam muito melhor em ambientes de terra úmida e compacta, e eram capaz de cavar esse solo com facilidade. Já os rastejantes se deram melhor em ambientes mais secos, nos quais o solo tem um aspecto mais arenoso – o que permite abrir caminho por entre os grãos de areia com a cabeça, e enterrar seus corpos finos sem fazer força.

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Sabendo o ambiente ideal para cada um, bastou cruzar essa informação com o que os paleoclimatologistas sabem sobre a história do clima da região. Bingo: quando os Brachymeles perderam os membros, há 60 milhões de anos, o clima da região era bem mais seco e árido do que é hoje.

20 milhões de anos depois, o local se tornou mais úmido e quente – processo que veio acompanhado, evidentemente, de uma mudança na textura do solo. Essas transformações catalisaram o reaparecimento de membros adaptados à terra compacta e molhada.

Sabemos das transformações apenas no nível morfológico: entender que chavinhas genéticas foram acionadas ou desligadas ao longo desse processo é outra história. Mesmo assim, a descoberta é uma das ilustrações mais claras já encontradas do poder e das limitações da seleção natural.

Há registro de episódios parecidos: alguns lagartos que haviam evoluído de ovíparos (animais que botam ovos) para vivíparos (animais que desenvolvem os filhotes dentro do corpo) voltaram a botar ovos quando as condições ambientais mudaram.

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