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Como a ciência está metendo o bedelho nos relacionamentos

Um remédio nas farmácias americanas é o novo passo da ciência na busca do amor eterno. E não é só. Especialistas acreditam que já é possível acabar com a traição. Para tudo isso, basta manipular os hormônios e genes certos

Por Felipe van Deursen
Atualizado em 13 fev 2017, 19h06 - Publicado em 19 nov 2012, 22h00

Amor não é uma vontade incontrolável de ficar com seu amante o tempo todo. O nome disso é serotonina. Amor não relaxa o corpo, cria laços e deixa os apaixonados felizes. O nome disso é ocitocina. É dopamina. Biologicamente, paixão é só um jato de hormônios e neurotransmissores disparado pelo cérebro. E que viciam quase como droga – as áreas de prazer e recompensa ativadas são as mesmas. Mas uma hora cansa. Quando a festa hormonal no cérebro acaba, o amor chega ao fim.

Com isso em mente, os neurocientistas Julian Savulescu e Anders Sandberg, da Universidade de Oxford, Reino Unido, iniciaram uma busca pela ciência do amor eterno. Primeiro, eles analisaram dados de divórcio nos Estados Unidos e viram que, todo ano, quase um milhão de casais se divorciam no país – em média, 16 anos depois do casamento. Esse tempo de duração não é à toa, segundo os cientistas. Há milhares de anos, o cérebro criou artimanhas químicas para atrair casais, a fim de estimular a reprodução da espécie. Só que, milhares de anos atrás, os humanos viviam cerca de 25, 30 anos. Ou seja, eles passavam, no máximo, por volta de 15 primaveras juntos com alguém. Justamente como a média de duração dos casamentos hoje nos EUA (e também no Brasil, segundo o IBGE). Ou seja, do ponto de vista evolutivo, não é que os relacionamentos estejam, necessariamente, durando menos. É que estamos vivendo mais. “Nosso cérebro evoluiu há milhares de anos para lidar com relações e problemas que faziam sentido naquele ambiente, em pequenas comunidades de caça e coleta. É um sistema primitivo, com limitações”, diz Brian Earp, psicólogo e professor da Universidade de Oxford, que integra a equipe de Savulescu e Sandberg. Segundo eles, até hoje nosso corpo segue essa regra. A culpa dos casamentos durarem pouco, portanto, é dos hormônios e neurotransmissores. Ou melhor, da falta deles. Afinal, são eles que acionam o sistema de recompensa do cérebro e desencadeiam a sensação de prazer e felicidade do amor correspondido.

Mas se depender desse grupo de cientistas, isso vai mudar. A ideia deles é incentivar a produção de remédios que supram a escassez dessas substâncias. Para isso, estudam o papel delas no amor, a fim de descobrir como sua falta atrapalha os relacionamentos e como seria benéfico aumentar de novo suas doses no corpo. Porém, enquanto eles cuidam da parte teórica, outro grupo já pôs as ideias em prática. O remédio do amor vem em um recipiente de 7,5 ml, com conta-gotas, ou sob a forma de spray nasal. A ocitocina está no ar.

Hormônio da paz

O sistema límbico do cérebro, responsável pelas sensações e sentimentos, produz ocitocina naturalmente, seja em um abraço, seja na hora do orgasmo, amamentação ou durante o parto, estimulando as contrações uterinas. Ela aparece ainda como a substância química responsável pelo sentimento de conexão entre as pessoas. Um estudo da Universidade de Bar-Ilan, de Israel, acompanhou 60 casais e mediu o nível do hormônio no sangue deles. Meses antes de terminar o relacionamento, eles mostravam uma queda na quantidade de ocitocina.

Em 2010,o psiquiatra americano Bryan Post decidiu sintetizar e engarrafar o hormônio, batizando-o de Oxytocin Factor. “Ao longo da minha profissão, vi pessoas tomando remédios para depressão que nem sempre funcionavam. Quando comecei as pesquisas com ocitocina, sabia que poderia ser valioso”, diz. E os riscos? “Não é tóxica, não faz mal e não vira um vício, já que não desperta uma vontade contínua de uso”, diz a neuroendocrinologista e especialista em monogamia Sue Carter. “Mas eu não aconselharia o uso. Faltam estudos”. A ABC Nutriceutical, empresa de Bryan Post que fabrica o produto, cita alguns efeitos colaterais, como alergia, dor de cabeça, convulsão e náuseas. Mas nem 1% dos usuários relatou problemas. Ele já pode ser comprado em farmácias nos EUA e custa cerca de R$ 120.

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O remédio não restaura a paixão. Nem chega perto disso. Mas proporciona uma forte sessão de relaxamento (nós experimentamos. Leia mais abaixo). E isso pode ajudar nos momentos mais tensos de uma relação. Com duas borrifadas no nariz ou seis gotas debaixo da língua, o hormônio corre pelo sistema sanguíneo e aos poucos entra no sistema nervoso central, reduzindo o nível de cortisol (hormônio do estresse) no sangue. Aí é só calmaria.

Como a ciência está metendo o bedelho nos relacionamentos
(iStock | FotografiaBasica)

Em busca do amor eterno

Se Post se contenta com esses resultados, a turma de Oxford quer buscar tratamentos capazes de prolongar a festa do amor eterno. O plano é intensificar os efeitos dessas substâncias no corpo. Além da ocitocina, uma das peças-chave é a dopamina, neurotransmissor que dá a sensação de prazer e bem-estar. “Ainda precisamos descobrir como fazer uma droga que acerte em cheio o alvo, que ajude mesmo a contribuir na sensação de vínculo”, diz Earp. Um remédio assim precisa combinar o efeito calmante da ocitocina sintética com a euforia da dopamina. Aí teríamos algo que realmente emula a sensação de estar apaixonado.

Até a infidelidade está sob a mira da ciência. Segundo pesquisas, um gene ligado à recepção de neurotransmissores de vasopressina pode dizer se alguém é fiel ou não. Você não resiste à tentação, pula a cerca, mas quer parar? Por que não curar esse problema? Em ratos, pelo menos, deu certo. Em um estudo da Universidade Emory, EUA, os cientistas separaram animais da mesma espécie: promíscuos de um lado, monogâmicos de outro. Depois, colocaram os genes fiéis no DNA dos ratos mais malandros. Funcionou. Eles passaram mais tempo com a parceira do que na gaiola de estranhas. Fique esperto, Ricardão. A equipe de Brian Earp não descarta essa solução para humanos.

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Mas ainda não há data para esses tratamentos virarem realidade. Mesmo na teoria científica, o assunto ainda é escasso. A pesquisa dos americanos é uma das primeiras a pensar em drogas voltadas para prolongar os relacionamentos. “A pergunta é: o que vai ser possível nos próximos dez anos? Não sei prever, mas acho que já vamos ter avançado bastante nesse assunto”, diz Earp.

Talvez a pergunta seja outra: até onde o amor eterno é bom? Como ficariam os sambas, os romances, os filmes? Se não houvesse traição, não existiria Odair José nem Beatles. O jovem Werther, de Goethe, não teria tantos sofrimentos. Toda a arte seria outra. E o aprendizado de cada pé na bunda? Sem contar os possíveis riscos. Desde a criação das drogas da felicidade, ficou mais fácil se encaixar em uma doença mental: ansiedade, bipolaridade, déficit de atenção, hiperatividade. Quase 10% dos americanos com mais de seis anos tomam algum tipo de antidepressivo. As drogas do amor talvez entrem nesta mesma onda. Até a ideia de distribuição proposta pela equipe da Universidade de Oxford é parecida: no futuro, com a evolução da droga, ela não deve ser distribuída sem critério, mas apenas com receitas de psiquiatra. A dor de cotovelo, finalmente, teria outro tratamento. Além daquele outro, infalível, mesmo que tantas vezes demorado: o tempo.

Experimentamos a droga do amor

Ela tem sabor de menta. Para fazer efeito, você precisa pingar seis gotas embaixo da língua ou apertar o spray uma vez em cada narina. Após dez minutos, a droga começa a surtir efeito, que dura até quatro horas. Em pouco tempo, o braço amolece e o coração desacelera. Piadas bobas ficam engraçadas. A vontade de defender qualquer assunto beira o zero. Estender uma briga fica muito difícil. De fato, uma discussão acalorada de namorados foi dissolvida no ar quando o spray fez efeito. Por um tempo, tudo é lindo. Sorrisos e abraços ficam fáceis. É bom. Mas basear a tranquilidade do dia a dia ou, pior, sustentar um relacionamento nessas gotas soa um tanto assustador.

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