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Big Brother Marte

Seis pessoas passaram 520 dias enfurnadas num tubo. Estavam simulando uma viagem a Marte em tempo real, num experimento para ver como a mente reage ao isolamento de uma viagem interplanetária. E os resultados foram surpreendentes. Vamos dar uma espiadinha.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 26 abr 2012, 22h00

Salvador Nogueira e Alexandre Versignassi

“Salve, salve, tripulantes da nave!” Pedro Bial acertou no bordão. Acabou de acontecer um Big Brother numa nave. Bom, não era exatamente um Big Brother. Nem exatamente uma nave. Mas está valendo: 6 pessoas passaram 520 dias trancafiadas num grande simulador de nave. 520 dias. Um ano e 5 meses fingindo todas as etapas de uma viagem de ida e volta para Marte – hermeticamente fechados e sem ver a luz do sol. Foi um experimento científico: o Mars-500 (de “500 dias”), patrocinado pela Roscosmos (a “Nasa” da Rússia), a ESA (Agência Espacial Europeia) e a CNSA (sua equivalente chinesa). A tripulação, então, tinha 3 russos, um italiano, um francês e um chinês.

O objetivo do experimento era testar a confiabilidade dos principais equipamentos de uma viagem tripulada: os seres humanos. Para tanto, o simulador era vigiado 24 horas por dia pelos psicólogos do Instituto de Problemas Biomédicos, em Moscou, onde a “nave” estava instalada. Basicamente, queriam saber até que ponto era possível suportar os 520 dias de isolamento que uma missão para Marte requer – sem que o cérebro deles pifasse de tédio.

Eles “voltaram” em dezembro de 2011. E o resultado foi bastante festejado. Aparentemente, todo mundo retornou com a cabeça no lugar. Ou quase: numa entrevista concedida já de volta a Pequim, Yue Wang, o tripulante chinês, declarou: “Dentro da nave, eu sentia falta de tudo que havia no mundo exterior. Mas, logo que a missão terminou, não conseguia evitar o sentimento de querer escapar de todo jeito da vida normal”. Todo mundo sabe que isolamento é uma fonte de estresse. Mas o que os russos queriam investigar era como os astronautas lidariam com isso. Bom, se houve brigas a bordo, por exemplo, não temos como saber – os dados do experimento são confidenciais, e nenhuma das “cobaias” relatou algum problema desse tipo. Mas há pistas de que, sim, as mentes foram afetadas. Por exemplo: depois de 6 meses (o tempo necessário para a viagem de ida), metade dos tripulantes entrou no “módulo de pouso” para simular uma visita ao solo marciano (veja no infográfico). Passsaram 11 dias lá, longe dos outros colegas, que ficaram “em órbita” aguardando o retorno deles. O francês Roman Charles, um dos que aguardaram, declarou que esse foi um momento especialmente complicado: “Os módulos principais pareciam grandes e vazios. Eu não experimentava um sentimento assim desde que era pequeno, quando meus irmãos mais velhos saíam de férias e me deixavam sozinho em casa com os meus pais”, disse à revista americana Wired.

Depressão para quem fica, euforia para quem sai. Diego Urbina, o membro italiano da equipe, foi um dos 3 que caminharam no simulacro do solo marciano – basicamente um monte de areia vermelha sob uma mega-tenda de lona preta salpicada de leds (que faziam as vezes de estrelas); qualquer um precisaria de muita boa vontade para achar um troço desses comparável a Marte. Mas Urbina não. Ao que parece, ele entrou na onda: “Foi uma grande experiência!”, disse à SUPER. “Senti como se tivéssemos aberto uma janela para o futuro, experimentando quase a mesma coisa que a primeira tripulação em Marte sentiria, representando a humanidade!” Ok. Não dá para saber se o italiano estava só sendo diplomático com os Boninhos desse Big Brother Marte. Mas convenhamos: dar uma volta num ambiente novo depois de 6 meses trancado num tubo de 72 metros quadrados com mais 5 marmanjos pode, sim, causar euforia. É o que os psicólogos chamam de “senso de variedade”. Quando ele diminui (seja numa rotina chata, seja na cadeia, seja no Mars-500), vem a depressão. Quando ele aumenta, é euforia na certa.

Sem conversa
Além do tempo de confinamento, simularam outro incômodo. Numa missão real, a nave se afasta da Terra. Com isso, o tempo para o sinal de rádio ir do controle da missão até a tripulação aumenta com o passar dos meses. No Mars-500, então, levava até 20 minutos para uma transmissão sair de lá e chegar “à Terra”. E outros 20 minutos para a resposta chegar.

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Era impossível conversar em tempo real com a base. “Esta missão foi a primeira a implementar um atraso de sinal”, diz Elena Feichtinger, gerente do Mars-500 na ESA. “Tivemos de contar muito mais com a autonomia da tripulação e nossa principal descoberta foi a de que é possível trabalhar bem nessas condições. Claro, isso significou também um impacto grande no nível de isolamento da tripulação. E aí havia uma grande diferença entre uma missão real e uma simulada – no segundo caso, os tripulantes podem desistir a qualquer momento. Durante os dias trancafiados, alguém pensou nisso? “Tínhamos permissão para sair, mas foi uma opção que nunca consideramos”, diz Urbina. “Mesmo assim, sofri com a falta de variedade social. Estamos acostumados a ter muito mais pessoas em volta.”

Com um detalhe: como nas antigas naus, havia um tabu sobre ter mulheres a bordo. Os russos, a despeito de terem sido os primeiros a enviar uma mulher ao espaço, em 1963, sempre acharam complicado misturar pessoas dos dois sexos em missões longas. Eles acreditam que, com o passar do tempo a bordo, homens e mulheres acabem se comportando menos com a frieza do profissionalismo e mais como… bem, como pessoas normais. Um affair no meio da viagem, convenhamos, poderia desestabilizar completamente uma tripulação, com acusações de protecionismo, favorecimento, parcialidade, ciúme… Show de realidade!

Embora esse não seja o entendimento que prevalece em outros programas espaciais, como o americano ou o europeu, os russos fizeram as coisas do seu jeito na simulação – daí os 6 homens a bordo. Aparentemente, eles se deram bem uns com os outros, a despeito das diferenças culturais: “Tínhamos duas línguas oficiais, russo e inglês, mas a comunicação entre os tripulantes era uma mistura de ambas, dependendo da proficiência das duas pessoas se comunicando”, conta Urbina.

O experimento, enfim, demonstrou que a cabeça, embora abalada em alguns momentos, pode resistir intacta a uma missão longa. Como resultado científico, isso não tem precedentes. O recorde de permanência no espaço, por exemplo, é quase cem dias menor: pertence a Valeri Polyakov, que passou 437 dias na Mir, a estação russa, entre 1994 e 1995.

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Ainda assim, o Mars-500 foi só um começo tímido na preparação de uma missão real a Marte. Há diversos problemas que não tinham como ser investigados, caso do efeito da radiação espacial sobre a saúde dos astronautas numa viagem interplanetária. Sabe-se que, longe do campo magnético da Terra, o impacto de raios nocivos vindos do Sol e de outras estrelas à vida humana não pode ser negligenciado. Os astronautas das missões Apollo, entre 1968 e 1972, tiveram de lidar com isso – mas por menos de duas semanas. No caso de uma visita a Marte, estamos falando de meses e meses…

“O Mars-500 estava focado em investigações psicológicas e operacionais. E certamente as lições que aprendemos deixaram mais perto de uma missão real até Marte. Só que foram só os primeiros passos”, diz Elena. Mas os russos já começaram a planejar os próximos passos: querem reencenar o Mars-500 na Estação Espacial Internacional. Desse jeito, a sensação de ausência de peso poderia ser incorporada ao teste. Só tem um problema: se uma missão tripulada a Marte já era algo distante, agora, com a crise financeira, está mais longe ainda.
As missões com robôs devem continuar sendo as únicas nas próximas décadas. E tudo o que a humanidade poderá fazer em relação a Marte é o que ela já faz desde 1976, quando a sonda Viking pousou lá com suas câmeras de vídeo: dar uma espiadinha.

Confessionário
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O tripulante italiano Diego Urbina, 29, conta um pouco do que sentiu ao longo de sua “viagem para marte”

SUPER – Vocês passaram 520 dias fingindo fazer uma viagem até Marte. Em algum momento a coisa ficou tão realista a ponto de você se esquecer de que nunca saiu do chão?

Urbina – Embora não tivéssemos algumas condições da viagem de verdade, como por exemplo a falta de gravidade, em alguns momentos, especialmente quando estávamos envolvidos em operações perto de Marte ou na superfície, tínhamos uma sensação maior de estarmos longe, sem poder contar com ninguém, em um planeta alienígena.

SUPER – O foco dos estudos era identificar as dificuldades que humanos isolados enfrentam. Mas e quanto aos benefícios? O que foi mais legal lá?

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Urbina – Ser capaz de inspirar as novas gerações e fazê-las mais entusiásticas sobre a exploração de outros mundos

SUPER – Depois do experimento, você tem a convicção de que, ao menos do ponto de vista psicológico, uma viagem a Marte é possível?

Urbina – Humanos certamente podem tolerar uma viagem como esta, se a tripulação for bem escolhida e tiver a mentalidade certa. Há alguns fatores que só experimentaremos quando fizermos a coisa para valer, mas estou confiante de que eles podem ser tolerados também.

SUPER – Você toparia passar outra temporada no Mars-500?
Urbina – Eu ganhei com a simulação o conhecimento que eu queria ter, então não repetiria algo assim, uma vez que envolve um considerável sacrifício pessoal. Mas eu tomaria parte numa viagem de verdade até Marte sem pestanejar.

A “casa”
Por dentro da nave de mentira
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Pocket Marte
O módulo de pouso levava a “Marte” – um galpão forrado com lona preta salpicado de leds (as “estrelas”). Os astronautas tiveram acesso a esse módulo por 11 dos 520 dias – o equivalente ao que teriam numa missão real.

Espaço gourmet
Na despensa só cabia comida sólida para metade da “viagem”. No resto do tempo, se viraram com comida em pó, que ocupa menos espaço.

Puxadinho
A enfermaria era um anexo de 38 m2 equipado com parafernália hospitalar. Como ninguém ficou doente, o puxadinho virou um escritório extra.

Apê
O módulo de habitação era o apartamento do pessoal, com 6 camas, banheiro e sala de estar com videogame (Guitar Hero era o preferido dos astronautas). Tudo apinhado em 72 m2 – ou seja: 12 m2 por pessoa.

Aconchego
As paredes internas eram revestidas de madeira, para dar um toque de familiaridade terrestre. Fica a dica para uma issão de verdade!

Para saber mais

https://mars500.imbp.ru
Site oficial do experimento, com dados, imagens e tour virtual pelo simulador.

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