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Biólogo , Paul Ewald

O biólogo americano conhecido como o Darwin do mundo dos germes diz que vírus e bactérias causam ataques cardíacos e câncer

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h54 - Publicado em 31 mar 2002, 22h00

O inventor grego Arquimedes descobriu o princípio da hidrostática numa banheira. Já o biólogo Paul Ewald teve o seu grande insight científico numa privada improvisada num acampamento em Kansas, Estados Unidos, em 1977. Ewald estudava beija-flores quando foi alvo de uma forte diarréia. O desarranjo o levou a pensar sobre como aplicar o princípio da evolução de Darwin ao microorganismo que o estava atacando. Sua pergunta era: a diarréia é uma estratégia do germe para proliferar pela água e contaminar mais gente? Ou uma defesa do corpo para expulsar esse invasor de uma forma pouco confortável?

Suas especulações sobre a evolução dos micróbios foram publicadas num artigo em 1980 e, desde então, ele trocou o estudo de pássaros pelo de vírus e bactérias – o que lhe garantiu a alcunha de “Darwin do mundo dos germes”. Ewald rebate dizendo que Darwin também é o Darwin dos germes. “A seleção natural foi sempre usada apenas para explicar a evolução de animais como zebras e elefantes, como se não fossem válidas para vírus e bactérias”, diz o biólogo. “O irônico é que são os seres microscópicos que mais causam danos ao homem.”

Para Ewald, o estudo da evolução desses seres vai revolucionar a prevenção de doenças infecciosas. “Alterando o ambiente e os meios de propagação desses organismos, podemos fazer com que as espécies menos danosas ao homem prevaleçam”, diz o biólogo. “Isso vai mudar a pesquisa médica no futuro.” No seu mais recente livro, Plague Time (“Tempo de pragas”, inédito no Brasil), ele diz que os principais vilões do câncer e de doenças cardíacas são os vírus e as bactérias. “Há cada vez mais evidências de que as doenças crônicas não são genéticas e sim fruto da ação de microorganismos”, diz Ewald, que falou à Super pelo telefone.

Super – As causas do câncer e de problemas cardíacos são atribuídas aos genes e ao estilo de vida do paciente. Como você pretende provar que vírus e bactérias são os principais vilões dessas doenças?

Várias pesquisas nos últimos dez anos indicam que diversas doenças que eram atribuídas à genética ou ao estilo de vida do paciente são, na verdade, resultado da ação de vírus e bactérias. A úlcera é um bom exemplo. Até há pouco tempo, qualquer médico lhe diria que a principal causa da úlcera era o estresse, a alimentação e outros fatores. Sabe-se hoje que quase a maioria das úlceras no duodeno são causadas pela bactéria Helicobacter pylori – e em 90% dos casos ela pode ser curada, em menos de um mês, com antibióticos. Atualmente, há estudos que relacionam doenças cardíacas à bactéria Chlamydia pneumoniae. O mesmo ocorre com diversos tipos de câncer, como o cervical, que está sendo ligado ao vírus HTL V-1. E quanto mais estudamos, mais aumenta o número de doenças ligadas aos microorganismos.

E por que a medicina ignorou por anos o papel dos germes nessas doenças?

Por várias razões. Uma delas é que as pessoas tendem a esperar sintomas evidentes de doenças causadas por vírus e bactérias. Ou seja: elas associam a ação do microorganismo a uma série de sintomas para identificar e classificar a doença, como na catapora, no sarampo, na rubéola, entre outras. Mas essa classificação não se aplica facilmente às doenças crônicas como, por exemplo, as doenças cardíacas – em que os sintomas podem demorar para aparecer. Esse foi um dos motivos que desencorajaram as pessoas, nas décadas de 1960 e 1970, a tentar ligar essas doenças crônicas à ação de micróbios. Por outro lado, desde 1910 o pesquisador Peyton Rous já havia provado que galinhas infectadas com o vírus conhecido hoje como sarcoma de Rous desenvolviam câncer. De certa forma, acho que a medicina disse ok, isso é válido para os animais, mas o câncer humano tem outras causas. O engraçado é que, hoje, os médicos acham curioso que a principal causa da úlcera tenha permanecido por tanto tempo associada ao estilo de vida, mas continuam resistentes em admitir novos dados que mostram essa relação em outras doenças.

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No momento em que o mapeamento dos genes humanos está praticamente completo, você não se sente nadando contra a corrente…

Não. Até mesmo porque não estou dizendo que os fatores genéticos e ambientais não têm importância e sim que diversas doenças crônicas que hoje são atribuídas a esses fatores são, na verdade, causadas por microorganismos – mesmo que essa relação não seja tão evidente. Esses organismos agem como um pedaço de arame solto no motor de um carro. O automóvel pode andar sem problemas por um tempo, mas o fio de arame está lá causando problemas. Alguns organismos atuam dessa forma em nosso corpo. Eles danificam lentamente nossas células aumentando as chances de câncer e de outras doenças agindo na surdina. Estudando a evolução desses seres, poderemos favorecer as espécies que causam menos danos ao homem e eliminar as mais danosas.

Então, é possível usar Darwin para controlar as doenças?

O princípio da seleção natural de Darwin define como todos os organismos vivem e se modificam com o tempo, seja um elefante ou um vírus. Acho que ninguém discorda disso. Mesmo assim, é surpreendente que até há pouco tempo ninguém tivesse pensado em usar a evolução para controlar doenças. Modificando o ambiente e bloqueando alguns meios de transmissão é possível favorecer algumas espécies em detrimento de outras.

Você tem um exemplo?

Um dos melhores exemplos naturais inclui o Brasil e está ligado ao vibrião do cólera. O cólera chegou ao Peru em 1991 e, em dois meses, se propagou por países vizinhos como Brasil, Chile e Equador. Em um ano, estava em quase toda a América Latina. Mas, dependendo das condições do tratamento de água do local, verificamos que a linhagem do vibrião mudava. No Chile, onde a água era melhor tratada, prevaleciam os de linhagem menos tóxica. No Peru, no Equador e em algumas regiões do Brasil, onde eles podiam se propagar mais facilmente pela água, prevaleciam as linhagens mais danosas.

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Por que isso ocorre?

Há uma crença tradicional de que qualquer organismo tem uma tendência a coexistir pacificamente com o seu hospedeiro – afinal, se um vírus provocar a morte do seu hospedeiro, ele não poderá se reproduzir. Mas isso nem sempre acontece. Os organismos que encontram outros meios para se propagar – seja pela água contaminada seja por um mosquito – não precisam poupar o seu hospedeiro. Ou seja: onde há espaço para eles se espalharem pela água ou por outro meio, como no Peru e no Equador, prevaleceu a linhagem mais tóxica do vibrião do cólera durante a década de 90. No mesmo período, no Chile, onde a água é bem tratada, prevaleceu o tipo menos danoso. As diferenças de linhagem podem ser encontradas também no Brasil, dependendo da qualidade da água em cada Estado – a conclusão é que, se você pode controlar a transmissão pela água, você também pode controlar o grau de periculosidade do organismo.

Esse mesmo raciocínio pode ser usado para combater a Aids?

Acho que não poderemos eliminar a doença, mas certamente poderemos torná-la menos devastadora. As evidências mostram que as variantes do HIV mais nocivas estão nos países onde há mais transmissão por via sexual. No Senegal, onde a potência de transmissão pelo sexo é baixa, prevalece o HIV2, que é mais ameno. Olhando para as diferenças de padrões do HIV ao redor do mundo você encontra suporte para sustentar a idéia de que bloqueando alguns canais de propagação desses organismos você favorece a prevalência das variantes menos nocivas ao homem. Os benefícios de programas do uso de camisinha são maiores do que as pessoas imaginam. Eles não apenas evitam a transmissão da doença como alteram a própria evolução do HIV. No futuro, o estudo desses seres sob o ponto de vista da biologia da evolução deve revolucionar a pesquisa médica.

Frase

“Estudando a evolução de vírus e bactérias poderemos tornar o HIV menos nocivo ao homem”

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