Assine SUPER por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Brasil: Ciência, tecnologia e outras coisas

Artigo do físico Cylon Gonçalves da Silva sobre a posição do Brasil em ciência e tecnologia.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 Maio 1992, 22h00

Cylon Gonçalves da Silva

Um empresário moderno sequioso de tornar-se competitivo, resolveu contratar um cientista para sua empresa. Na manhã que este começou a trabalhar, o empresário chamou seu vice-presidente por volta das 10 e meia, e o convidou para ir ver o que o cientista já teria inventado. O vice-presidente com a moderação de todo vice, ponderou que, tendo o cientista começado a trabalhar às 8, era ainda um pouco cedo e sugeriu: “Vamos dar ao pobre-diabo até o meio-dia, sr.presidente”.

Da ciência e tecnologia hoje, no Brasil, espera-se o mesmo que do Nescafé: que seja instantânea. De fato, ela está mais para leite em pó: desmanchando sem bater. Um dos grandes problemas de nosso país é que, à custa de queremos sempre soluções de tiro único, não aprendemos a incorporar o longo prazo em nosso planejamento e a pensar nas próximas gerações. A isto vem se somar uma profunda ignorância sobre o processo de montagem de um sistema de Ciência e Tecnologia, integrado no sistema produtivo. Voltemos ao pragmático presidente que contratou um cientista. Como bom pai, ele sustenta seus filhos, paga-lhes a escola, alimentação, vestuário, diversões, sem se preocupar com que eles lhe restituam, com juros, as despesas feitas. Ele sabe que o pagamento será feito pelo sustento que seus filhos darão a seus netos, da mesma maneira que, ao manter seus filhos, ele está retornando o recibo de seus próprios pais. Políticos e empresários, em suas vidas privadas, sabem que os investimentos que sustentam a sociedade no longo prazo, de geração, para geração, são precisamente aqueles que não terão para si mesmos outro retorno, sujeito a todas as intempéries da vida, do que morrer cercados por netos bem alimentados e vem educados. No entanto, são poucos os que percebem que um forte componente do investimento em ciência e tecnologia tem a mesma natureza de riscos e respostas. O ruim do longo prazo é que, como já dizia Lord Keynes, estaremos todos mortos.

“Da ciência e tecnologia, hoje no Brasil, espera-se o mesmo que o do Nescafé: que seja instantânea”

Quando a relação de causa e efeito é imediata e transparente, como, por exemplo, o fogo que faz ferver a água, o senso comum pode aceita-lá facilmente. Quando, porém, ela é difusa, complexa e dilatada no tempo, fica difícil aceitar que exista. Ninguém até hoje conseguiu provar rigorosamente que há uma relação de causa e efeito entre investimentos em ciência e tecnologia e bem-estar social. Basta, contudo, uma analise superficial para perceber que o conhecimento; agrega valor aos produtos das economias mais avançadas e que todos os países desenvolvidos possuem um sistema educacional e de pesquisa de alta qualidade.

Continua após a publicidade

A base científica e tecnológica dia sistema produtivo de um país é fruto de um processo cumula¬tivo, interdependente e competitivo. Um proces¬so cumulativo segue a famosa curva de crescimento em S. O começo é lento, difícil e, muitas vezes, gerado pela oportunidade e pelo acaso. Depois, vem o crescimento exponencial, fase em que quan¬to mais se tem, mais rapidamente se cresce. Final¬mente, vem a fase de saturação, quando se atin¬gem os limites naturais do processa de crescimen¬to. A interdependência tem múltiplas ramificações.

Para ficar em apenas duas delas, o avanço será tanto mais rápido quanto mais sólidas forem as bases educacionais e a capacidade de intercâmbio do país; é essencial, também, a existência de múltiplas conexões dentro do sistema, entre em¬presas produtoras de insumos e empresas consu¬midoras, entre indústrias de diferentes ramos, mas que crescem com avanços paralelos, como por exemplo, as indústrias de aviação e de micro-eletrônica. Em um processo competitivo, como em Alice no País das Maravilhas, é preciso correr muito para ficar no mesmo lugar. A liderança só se alcança e, sobretudo, só se mantém, à custa de estorço permanente. No Brasil, estamos no co¬meço do processo em muitas áreas. As múltiplas conexões intra e intersetoriais, que garantem os ciclos de realimentação positiva do processo, para todos os efeitos práticos, inexistem. Quanto á competição, é preciso rodar muito para chegar a este estágio.

O pouco que temos de sólido em ciência e tecnologia resulta dos investimentos que vêm sendo feitas principalmente há quase uma geração. Eles permitiram a criação de uma base incipiente de competência que, a par do esforço de industrialização nacional, poderia levar, em algu¬mas décadas, a um sistema auto-sustentado e eficiente de produção e distribuição de riquezas. A crise econômica, a ignorância de nossos econo¬mistas pós-modernos e o processo de desmonte da economia nacional a que se assiste hoje são incompatíveis com a implantação de um sistema que depende de estabilidade de longo prazo para se fortalecer. A visão de curto prazo, que prega a interação com um mítico setor produtivo que deseja resultados antes do meio-dia, terá como conseqüência o esvaziamento progressivo dos avanços já alcançados.

Cyclon Gonçalves da Silva é físico, diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncroton e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.