Cientistas descobrem neandertal com síndrome de Down que viveu até os 6 anos de idade
Análise de fóssil ajuda a mostrar como redes de cuidado, estruturas de paternidade coletiva e compaixão estavam presentes nesta espécie de hominídeo.
Analisando os fragmentos fossilizados de uma orelha, cientistas encontraram algo fascinante: uma criança neandertal com síndrome de Down que sobreviveu, pelo menos, até os seis anos de idade.
Segundo o estudo publicado na última quarta (26) na revista Science Advances, a orelha tinha malformações congênitas severas que se enquadram no que hoje sabemos sobre a síndrome de Down. Essa é uma condição genética caracterizada por três cromossomos 21, em vez de só dois. A trissomia traz um comprometimento cognitivo e pode deixar as pessoas afetadas mais suscetíveis a problemas como alterações da tireoide e doenças autoimunes.
O fóssil foi encontrado em 1989, no sítio arqueológico de Cova Negra, na província de Valência, na Espanha. Ele possui traços associados aos neandertais e estruturas que só são desenvolvidas após os seis anos de idade. A cóclea (uma parte profunda do ouvido) era menor que o normal, e o canal lateral semicircular do ouvido tinha algumas anormalidades. A pessoa provavelmente sofria com uma audição comprometida e vertigem desabilitante.
A única síndrome que poderia ser associada a todas essas características do ouvido é a síndrome de Down, como explicam os autores do estudo.
A descoberta intrigou os pesquisadores. Como essa pessoa sobreviveu até depois dos seis anos, em uma época cuja mortalidade infantil era altíssima? Provavelmente, os neandertais tinham redes de cuidado mais complexas do que imaginávamos.
Compaixão entre neandertais
Há evidências arqueológicas suficientes para se assegurar que os neandertais e outros ancestrais evolutivos dos seres humanos cuidavam de seus doentes. Mas os cientistas se dividem na hora de explicar o porquê dessas práticas antigas de cuidado e cura.
Para alguns especialistas, cuidar dos doentes do grupo é um pacto entre os que podem retribuir esse comportamento. Ou seja: seria uma estratégia egoísta de sobrevivência: se eu cuidar de fulano, ele vai cuidar de mim quando eu precisar.
Não só: nos antigos grupos de hominídeos, onde todos os membros eram, na maior parte das vezes, parentes, cuidar dos outros (em especial, dos mais novos), aumenta as chances de transmitir genes adiante. É claro que ninguém pensa nisso de forma consciente – mas milhões de anos de evolução balizaram nossos instintos em direção ao cuidado com seus semelhantes.
Já para outros estudiosos, o cuidado dos hominídeos nasce do altruísmo, sem nenhuma expectativa de algo em troca.
O estudo sobre a criança neandertal com síndrome de Down ajuda a fortalecer a tese do altruísmo e da compaixão entre os hominídeos. Para sobreviver até os seis anos, essa pessoa precisou da ajuda e de uma rede de cuidado de toda a sua comunidade paleolítica.
Crianças pré-históricas com doenças ou transtornos congênitos não poderiam retribuir o tratamento que recebiam de seus parentes e colegas, e ver um fóssil como esse mostra que essa comunidade de neandertais se preocupou com o cuidado especial que essa criança precisaria para chegar até os seis anos de idade.
Segundo os pesquisadores, a mãe dessa criança provavelmente teria dificuldade de cuidar dela sozinha. Afinal, a vida no Paleolítico, fugindo de predadores e indo atrás de comida, já deveria ocupar boa parte da sua rotina.
É provável que busca e a coleta de alimentos provavelmente vinha junto de um sistema de paternidade colaborativa, onde muitas pessoas da comunidade auxiliavam a cuidar da criança com síndrome de Down.
Estudos como esse ajudam a entender que os neandertais estão longe de serem hominídeos mais violentos e menos inteligentes. Os primos do Homo sapiens eram, basicamente, gente como a gente, apesar de uma separação evolutiva de algumas centenas de milhares de anos. Você pode aprender mais sobre eles (e por que foram extintos) nesta reportagem da Super.