Cientistas revelam o mapa mais detalhado do cérebro de um mamífero já feito
Em apenas um milímetro cúbico do cérebro de um rato, pesquisadores registraram a anatomia e atividade de 200 mil neurônios.

A partir de uma amostra de tecido cerebral menor que um grão de areia, cientistas atingiram uma marca que parecia inalcançável. Eles mapearam todos os neurônios de um milímetro cúbico do cérebro de um camundongo, criando uma visualização 3D que revela a função e a conexão entre cada um deles.
Depois de sete anos de dedicação de mais de 150 neurocientistas de todo o mundo, o resultado parece um emaranhado colorido. Mas esse diagrama é bem mais do que só bonito: é o registro mais detalhado do cérebro de um mamífero já produzido.
A porção tinha mais de 200 mil neurônios. Se fosse possível conectar os prolongamentos das células responsáveis por transmitir impulsos elétricos e químicos, teríamos uma corrente de cerca de quatro quilômetros. Foram registradas, ainda, 523 milhões de sinapses, que são os pontos de conexão entre os neurônios.
Para chegar nesse resultado, os pesquisadores começaram colocando os camundongos de frente das telas, em que assistiam filmes e vídeos no YouTube. Usando microscópios especializados, registraram a atividade cerebral de uma pequena parte dos cérebros dos animais, de apenas um milímetro cúbico.
Para ter uma noção de como a amostra é pequena, considere que um milímetro cúbico é mil vezes menor do que um centímetro cúbico – um volume que armazena 1 mL de água. É como se a porção estudada do cérebro do camundongo fosse, então, mil vezes menor que 1 mL de água, ou 50 vezes menor que uma gota média.
Essa amostra foi dividida em 25 mil camadas, que foram fotografadas com microscópios eletrônicos de alta resolução. Cada camada era 400 vezes mais fina que um fio de cabelo. Com essas imagens prontas, outra equipe de cientistas utilizou inteligência artificial para reconstruir as células e a conexão em um volume 3D.
Durante a maior parte da história da neurociência, era impensável rastrear a conectividade detalhada e medir a atividade dos neurônios nessa escala. Os neurocientistas geralmente trabalham, por exemplo, com pares únicos de células conectadas.
O rastreamento de diversas conexões é muito trabalhoso e leva tempo para ser feito manualmente. Entretanto, com a revolução da computação e as IAs, agora é possível automatizar a tarefa.
Os resultados foram publicados hoje (9) em dez artigos diferentes, todos vinculados ao projeto principal, que se chama MICrONS (Machine Intelligence from Cortical Networks, Inteligência de máquina de redes corticais, em tradução literal). Os artigos estão disponíveis na revista Nature, que fez uma aba do site especialmente para as visualizações.
O diagrama das conexões cerebrais e seus dados estão disponibilizados gratuitamente por meio do MICrONS Explorer. O arquivo tem 1,6 petabytes – o equivalente a 22 anos de vídeos ininterruptos em HD.
“Dentro dessa minúscula partícula há toda uma arquitetura, como uma floresta requintada”, disse Clay Reid, pesquisador sênior do projeto, em comunicado. “Ela tem todos os tipos de regras de conexões que conhecemos de várias partes da neurociência e, dentro da própria reconstrução, podemos testar as teorias antigas e esperar encontrar coisas novas que ninguém viu antes.”
Os estudos revelaram novos tipos de células, características, princípios organizacionais e funcionais e uma nova maneira de classificar as células. A descoberta de um novo mecanismo de inibição cerebral é um dos destaques.
“Se você tiver um rádio quebrado e tiver o diagrama do circuito, estará em uma posição melhor para consertá-lo”, disse Nuno da Costa, pesquisador do projeto. “Estamos descrevendo uma espécie de mapa do Google ou planta desse grão de areia. No futuro, poderemos usar isso para comparar a estrutura do cérebro em um camundongo saudável com a estrutura do cérebro em um modelo de doença.”