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Como a lógica, por si só, pode provar que o tempo não existe

Em 1908, o filósofo J.M.E. McTaggart publicou um raciocínio que, até hoje, dá um nó na cabeça dos filósofos da física. Conheça seu trabalho.

Por Matyáš Moravec
Atualizado em 7 Maio 2024, 16h02 - Publicado em 28 abr 2024, 19h00

Matyáš Moravec é bolsista de pós-doutorado Gifford em Filosofia na University de St. Andrews. O texto abaixo saiu originalmente no site The Conversation, que publica artigos escritos por pesquisadores. Vale a visita.

A física moderna sugere que o tempo pode ser uma ilusão. A teoria da relatividade de Einstein, por exemplo, afirma que o universo é um bloco quadridimensional estático que contém todo o espaço e o tempo simultaneamente – sem um “agora” especial. O que é o futuro para um observador, é o passado para outro.

Isso significa que o tempo não flui do passado para o futuro, conforme nossa experiência. No entanto, isso entra em conflito com a forma como o tempo é conceitualizado em outras áreas da física, como a mecânica quântica. Então, o tempo é uma ilusão ou não?

Uma abordagem para descobrir isso seria tentar provar que o tempo é irreal usando apenas a lógica. Em 1908, J.M.E. McTaggart, um filósofo inglês, publicou um artigo argumentando que poderíamos ser capazes de descobrir a irrealidade do tempo usando apenas o pensamento lógico.

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Imagine que alguém lhe deu uma caixa de cartas, cada uma representando um evento. Uma carta descreve o ano de 2024, outra a morte da Rainha Vitória e outra o eclipse solar em 2026. As cartas foram misturadas. Você foi instruído a organizar essas cartas de uma forma que represente o tempo. Como você faria isso?

A primeira maneira é usar o que McTaggart chama de “série B”. Você escolhe uma carta e a coloca no chão. Em seguida, você pega outra da caixa e a compara com a que já está no chão. Se for anterior, você a coloca à esquerda dela. Se for posterior, você a coloca à direita.

Por exemplo, a morte da Rainha Vitória está à esquerda do eclipse solar de 2026. O ano de 2024 fica à esquerda do eclipse solar de 2026, mas à direita da morte da Rainha Vitória. Continue repetindo isso até obter uma linha de cartas, das quais duas quaisquer estão relacionadas usando a relação anterior-posterior.

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Ao sentar-se e olhar para o arranjo finalizado, você percebe que algo está faltando. A linha de cartas é estática. Uma vez que as cartas tenham sido colocadas no lugar, nada muda em sua ordem. Mas, como insiste McTaggart, não é possível ter tempo sem mudança.

Em última análise, o tempo é uma medida de mudança, mesmo de acordo com a física. Ele é frequentemente identificado como um aumento na desordem entropia de um sistema fechado. Tome como exemplo uma xícara de café quente. À medida que ele esfria, a entropia aumenta. E é possível saber aproximadamente há quanto tempo uma xícara de café está parada por sua temperatura. Qualquer dispositivo que meça o tempo, como um relógio, depende de alterações (ticks).

Lembre-se de que sua tarefa original era organizar as cartas de uma forma que representasse o tempo. Mas você acabou com algo que não muda. Seria estranho dizer que o tempo não muda. Portanto, a série B não pode capturar o tempo.

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No entanto, há outra opção. Você pode começar novamente e tentar organizar as cartas usando o que McTaggart chama de “série A”. Você cria três pilhas organizadas à esquerda ficam todas as cartas que descrevem eventos que aconteceram no passado, como a morte da Rainha Vitória. No meio, ficam as que estão acontecendo no presente, como o ano de 2024. E, à direita, as que acontecerão no futuro, como o eclipse solar de 2026.

Ao contrário da série B, esse arranjo não é estático. Com o passar do tempo, você precisa mover as cartas da pilha da direita (futuro) para a pilha do meio (presente), e as da pilha do meio (presente) para a pilha da esquerda (passado), onde ficam para sempre. Portanto, há claramente uma mudança acontecendo aqui. Isso significa que a série A descreve o tempo?

De acordo com McTaggart, a série A é circular. Sua mão movendo as cartas da pilha da esquerda para a pilha do meio e depois para a pilha da direita é um processo que já acontece no tempo.

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Você precisa estar no tempo para poder realizar esse arranjo. Mas o tempo é exatamente o que você está tentando capturar. Em outras palavras, você já precisa ter tempo para poder descrever o tempo. Isso é circular, e a circularidade viola a lógica.

Vamos resumir. O arranjo da série B não pode descrever o tempo, porque nada muda nele. E a mudança é necessária para o tempo. Portanto, a série B não funciona. A série A muda, mas, infelizmente, é circular. Portanto, ela também não funciona. Como nenhuma delas funciona, McTaggart conclui que o tempo não pode ser real.

Cem anos depois

Mais de cem anos depois, os filósofos ainda estão buscando uma solução. Alguns, chamados “A-theorists” tentam definir a série A de uma forma que não seja circular.

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Outros, chamados “B-theorists”, aceitam que a série B descreve a realidade e dizem que McTaggart estava errado ao exigir que a série mudasse. Talvez tudo o que exista no tempo seja apenas uma linha de eventos.

Há também “C-theorists” que vão além e dizem que a linha de cartas nem mesmo tem uma direção de mais cedo para mais tarde.

O ano de 2024 fica entre a morte da Rainha Vitória e o eclipse solar de 2026. Mas o fato de estarmos acostumados a pensar na morte da Rainha Vitória antes do eclipse solar de 2026, e não o contrário, talvez seja apenas uma questão de hábito. É como numerar as tábuas em uma cerca: você pode começar do lado que quiser. A cerca em si não tem direção.

Ainda não estou convencido de que qualquer uma delas esteja certa, talvez haja maneiras diferentes de pensar sobre o tempo. Em última análise, o tempo dirá.

E, independentemente de quem esteja certo, o que é notável é que McTaggart foi capaz de fazer o argumento avançar sem nenhuma descoberta da ciência, mas apenas pensando logicamente sobre o problema.The Conversation

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

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