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Cuidado, olha a cobra…

Em geral, quando chega esse aviso já é tarde. Alertada por seus sofisticados aparatos de detecção, a serpente localiza o intruso que a incomoda e reage de forma fulminante. Se não for socorrida imediatamente, a vítima vai morrer.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 31 out 1987, 22h00

Roberto Muylaert Tinoco

Com o corpo ainda entorpecido e enrodilhado na posição de descanso, a jararaca pressente a aproximação de alguma coisa. Seu sistema nervoso entra em posição de alerta. Sua língua bífida, ou seja, de duas pontas, projeta-se várias vezes para fora da boca, colhendo moléculas ao seu redor, que serão levadas para análise em pequenos computadores olfativos situados no céu da boca. E o sistema nervoso começa a programar a ação de defesa, enquanto a cabeça se move em todas as direções para localizar, precisamente, o motivo de todo esse alarme.

Quando a folhagem se abre, com a passagem de um grande vulto que parece projetar-se sobre ela, a jararaca recebe o estímulo, através de um par de furinhos situados entre as narinas e os olhos, na verdade dois possantes radares térmicos que detectam a onda de calor que emana do intruso. Sua musculatura se distende, projetando contra o alvo a boca escancarada, com as presas em riste. A boca fecha-se sobre uma superfície macia. As glândulas salivares se comprimem e deixam sair, pelos pequenos canais das duas presas dianteiras, uma substância tóxica.

Esse mortífero mecanismo biológico, destinado ao mesmo tempo à obtenção do alimento indispensável à sobrevivência e à defesa contra possíveis atacantes e predadores, desenvolveu-se, ao longo do tempo, em algumas espécies de cobras venenosas ou serpentes. Trata-se de um sofisticado aparato sensorial, distribuído por todo o corpo do réptil, que faz convergir para o cérebro um conjunto de estímulos e informações e que, por sua eficiência e precisão, enche de inveja técnicos e cientistas empenhados em construir aparelhagem do mesmo porte para os humanos.

Estímulos e informações que a serpente reúne rapidamente no cérebro, em geral, produzem uma reação fulminante: o bote, de que raramente o agressor – o suposto agressor – consegue escapar. A não ser, é claro, quando tenha tomado prévios cuidados. No caso do homem por exemplo, o uso de botas e luvas protetoras, se não fizer assim, corre o risco de um envenenamento fatal. Mas é preciso registrar que o bote da serpente é sempre uma ação defensiva – ou, pelo menos, uma represália a um ataque, ou o que ela imagina que seja um ataque.

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Essa perigosa e altamente eficiente engrenagem de defesa desenvolveu-se entre alguns grupos de serpentes ao longo de um período de 130 milhões de anos. É apenas uma, entre muitas outras, das adaptações que, pouco a pouco, possibilitaram a sobrevivência dessas cobras, a partir de seus remotos ancestrais, possivelmente cegos e indefesos répteis subterrâneos. A maioria dos herpetologistas, que são os cientistas que estudam os répteis, vê, atualmente. as serpentes como um grupo de répteis, que. em certa época, sofreu profundas modificações anatômicas, adaptando-se à vida subterrânea.

Ao perderem aquela sua antiga aparência de lagartos primitivos, as serpentes sofreram uma completa atrofia das patas, dos olhos e dos ouvidos. Mais tarde, quando os descendentes retomaram os hábitos anteriores, voltando a viver na superfície da Terra, as serpentes contaram com um novo sistema de visão, mas permaneceram desprovidas das patas e dos ouvidos Daí terem desenvolvido aquele sofisticado sistema de detecção dos inimigos e possíveis agressores.

Ainda assim, atualmente a visão que elas conseguiram desenvolver outra vez não é uma grande aliada das serpentes na sua luta diária pela sobrevivência. A maioria enxerga muito mal qualquer objeto a mais de trinta centímetros de distancia. Desprovidas de patas, suas únicas armas são algumas dezenas de dentes que, para alcançarem a vitima, dependem da velocidade, nada extraordinária, por sinal, do bote. As serpentes mais rápidas conseguem arremessar a cabeça, durante o bote, a uma velocidade de cerca de 3,5 metros por segundo, muito inferior ao desempenho de um homem comum, dando um soco ou um pontapé.

A ausência de um ouvido capaz de detectar os ruidos propagados pelo ar é compensada, em parte, pela percepção de alguns sons de baixa freqüência, através dos pulmões, e também por uma aguçadíssima sensibilidade às vibrações conduzidas pelo solo. O leve caminhar de um camundongo, por exemplo, é suficiente para pôr uma serpente em estado de excitação; as vibrações produzidas por uma pessoa caminhando, naturalmente, provocam um alerta geral. Felizmente para nós, na maioria das vezes em que isso acontece, a serpente se assusta e foge. Mas nem sempre é assim – e por isso acabam acontecendo os acidentes.

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O grupo das cobras venenosas a que pertence a jararaca desenvolveu um um sistema de comunicação entre as glândulas salivares e o par de presas dianteiras. O conteúdo tóxico do líquido segregado por essas glândulas, ao penetrar no corpo dos animais que servem de alimento à serpente produz o envenenamento, que os leva a morte, e também já inicia uma pré-digestão que começa a destruir os tecidos da vítima. Isso porque as cobras, apesar de possuirem tantos dentes, não são capazes de mastigar seus os dentes, ao contrário do que ocorre com outros animais carnívoros, servem apenas para segurar a vitima e ajudar a introduzi-la na goela, em direção ao tubo digestivo. Na execução desse trabalho, os dentes das cobras agem como ganchos, voltados para trás e são auxiliados por movimentos alternados das mandíbulas. Com todo esse poder de reação, é claro que as serpentes venenosas raramente sofrem ataques de predadores. Elas. também, raramente atacam —sobretudo os homens—, a não ser que se sintam agredidas, Ou fiquem sem possibilidade de fugir. As conseqüências da picada de uma cobra venenosa no homem são sempre graves. O destino da vitima dependerá de uma série de fatores: a quantidade de veneno inoculado no sangue. a sensibilidade do organismo àquele tipo de veneno, seu estado geral de saúde e o desenvolvimento físico (adultos suportam melhor o veneno do que crianças). Se todos esses fatores forem favoráveis, poderá sobreviver: caso contrário, sem uso adequado e sem tempo do medicamento próprio a morte é quase certa.

De modo geral, três horas após a picada o veneno já se espalhou pelo organismo da vitima. A essa altura, sua composição inicial já se alterou, desdobrando-se em várias substâncias tóxicas que atuam em pontos diferentes. As toxinas produzidas pelas ser pentes venenosas são muito complexas quimicamente. Mas quatro componentes são fundamentais e estão presentes em maior ou menor quantidade. conforme a espécie da cobra.

Um desses componentes principais age sobre o sistema nervoso, causando uma série de paralisias e falta de coordenação motora. Outro atinge os músculos cardíacos provocando a pa rada do coração. Um terceiro especializa-se em desfazer os tecidos do corpo. O quarto. finalmente. age no sangue, de forma até contraditório de modo geral. torna-o incapaz c coagulação. mas em certas circunstâncias provoca a coagulação em diferentes partes do organismo. Complicado, como se vê.

De acordo com o tipo de veneno que produzem, as serpentes encontradas no Brasil são divididas em três grupos distintos. Para cada um desses venenos existem grupos distintos. Para cada um desses venenos existe um soro específico; mesmo que a vítima não seja capaz de reconhecer o animal que a atacou, os sintomas que logo começam a ser produzidos pelo veneno inoculado, permitem uma perfeita identificação. O primeiro grupo é o das Bothrops, e o mais numeroso; no Brasil, responsável por cerca de 80% dos acidentes ocorridos no país. Pertencem a ele a jararaca, a caissaca, a urutu, a jararaca-verde, a cotiara, a ilhoa, a jararacuçu e a jararaca-pintada. Elas vivem nas regiões de mata úmida, seu veneno age sobre o sangue e provoca destruição dos tecidos do corpo.

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No segundo grupo, estão as Crotalus, ou cascavéis, das quais há 4 tipos no Brasil. Vivem principalmente na região dos serrados, e nunca são encontradas à beira-mar, por exemplo, ou dentro das matas fechadas. Seu veveno atua simultaneamente sobre o sistema nervoso, provocando paralisias e falta de coordenação motora e sobre o sangue, provocando destruição dos glóbulos vermelhos

O último, é o das Micrurus, ou corais, das quais há também 4 tipos. Seu veneno é, de certa forma, o mais violento e rápido, atingindo diretamente o sistema nervoso. Em compensação, a coral é a menos agressiva das serpentes – praticamente só ataca quando tocada diretamente em seu corpo.

Para saber mais:

Sob o signo do escorpião

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(SUPER número 5, ano 2)

Só o soro cura picada de cobra

Ninguém sabe direito quantas pessoas morrem. anualmente. na Amazônia, vitimas de picadas de cobra. Certamente são muitas mais do que registram as estatísticas, pois lá a maioria das pessoas não está ligando muito para essas coisas – cobras e estatísticas. Na falta de recursos e conhecimentos, elas criam seus remédios próprios para os venenos dos ofídios, e acreditam que são infalíveis; quando alguém morre, apesar de tudo, debita-se na conta de Deus.

Em Alenquer e Santarém, dois municípios paraenses que somam pouco mais de trinta mil habitantes, cura-se picada de cobra com o muito famoso Pau X, uma beberagem preparada à base de ervas, através de uma fórmula mantida em segredo por seu proprietário, Raimundo de Souza Assis, que a recebeu do avô, um negro angolano “que sabia das coisas”. Outros remédios milagrosos, menos ofensivos, são preparados com infusões dos corpos das jararacas e surucucus em querosene e álcool. É claro que não funciona: contra veneno de cobra, o remédio é o soro, preparado à base do próprio veneno.

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Veneno federal, soro estadual

No Brasil, todos os anos setenta mil pessoas são vitimas de picadas de cobras venenosas, conforme estatísticas que não são muito confiáveis. Ainda assim, o número é assustador, principalmente tendo em vista que a esmagadora maioria está no interior do pais. em regiões de difícil acesso, o que dificulta o atendimento rápido que esses casos exigem. Se as pessoas que transitam pelos locais de incidência de cobras venenosas tomassem o cuidado elementar de calçar botas, cairia muito aquela estatística, pois setenta por cento das picadas atingem as pernas, abaixo do joelho.

Considerando que essas pessoas em geral não calçam sequer sandálias havaianas, não porque lhes falte gosto por proteger os pés, mas porque falta dinheiro para comprar a proteção mais cara das botas, é fácil concluir que o problema tem de ser atacado por outro lado. Especialistas da área já definiram como mazelas principais, que fazem da questão ofídica um problema tão grave, as seguintes:

1 – O estado de abandono das instituições de pesquisa e produção do soro. Salários inadequados não atraem os técnicos e provocam o êxodo dos que lá estão;

2 – O soro é estadual, mas o veneno que ele vai combater é federal. Ou seja, uma instituição como o Instituto Butantã sobrevive com verbas estaduais, mas precisa atender a pelo menos oitenta por cento das necessidades do país. Os outros vinte por cento são cobertos pela Fundação Vital Brasil. do Rio de Janeiro, e Fundação Ezequiel Dias, de Minas.

3 – Distribuição inadequada do soro. As ampolas são solicitadas pelas Secretarias de Saúde dos Estados, pelos fornecedores de cobras ou pelas Forças Armadas. Ficam, assim, estocadas nas capitais, em uma ou outra fazenda e nos quartéis.

4 – Mau preparo dos médicos para atender esses acidentes.As escolas de medicina não os preparam para essa tarefa.

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