O bicho homem (Homo sapiens sapiens) é mesmo muito peculiar. Há poucos meses, o sofrimento de três espécimes de outra ordem de mamíferos (Eschrichtius gibbosus) fez com que ele montasse – com o talento especial que tem para esse tipo de coisa e o gosto pelo espetáculo que o acompanha desde os tempos mais antigos – uma formidável e afinal bem-sucedida operação de socorro. Durante duas semanas, as tentativas de abrir caminho no oceano Ártico para as baleias-cinzentas aprisionadas no gelo foram servidas a domicílio pela TV nos quatro cantos do mundo, com tudo a que o público tem direito nessas ocasiões – as descrições dramáticas de repórteres de voz emocionada, as imagens de agasalhadíssimos hominídeos esburacando as águas congeladas; e, acima de tudo, o som pungente da respiração agoniada dos cetáceos. De uma forma ou de outra, meio milhar de pessoas envolveu-se na operação, que custou algo como 1 milhão de dólares.
O episódio deixou lições interessantes sobre o modo de ser deste gênero de primata que manda no mundo: com uma dose de show business para acender os ânimos, é capaz de maravilhas de solidariedade, principalmente quando o alvo da ação é um punhado de indivíduos definidos,
que podem até ser chamados pelos nomes. Para a ordem natural das coisas neste machucado planeta, pouca diferença faz o destino de três cinzentas baleias. Muita diferença faz, isso sim, a implacável rotina predatória do homem, da qual as baleias figuram entre as principais vítimas. Resta torcer para que o autêntico Holiday on Ice apresentado no Ártico sirva para fazer do comportamento humano habitual em relação à natureza um espetáculo menos selvagem.