Descoberta célula que permite que polvos sintam sabor usando os tentáculos
Mecanismo permite que os moluscos procurem por comida com mais eficiência. É o que mostrou um novo estudo.
Os oitos tentáculos de um polvo são muitos mais do que membros que o permitem se locomover e caçar – cada um deles abriga um “mini cérebro” extra que, somado ao cérebro central, dá nove órgãos nervosos para o bicho. Cada um desses “cérebros” é, em grande parte, independente, tomando decisões por si próprio. Mas não é só isso: por incrível que pareça, polvos conseguem sentir o gosto das presas através de seus tentáculos, como se fossem grandes e compridas línguas.
Agora, pela primeira vez, cientistas conseguiram decifrar como esses bichos sentem sabores através do tato. É mais uma para a lista de bizarrices envolvendo os povos – entre outras curiosidades, eles têm três corações, sangue azul e há indícios de que eles consigam reconhecer e diferenciar seres humanos.
A habilidade de usar os tentáculos para explorar o sabor de presas antes de comê-las não é exatamente uma novidade: pesquisadores já sabiam que polvos usavam esse artifício para encontrar comida mais facilmente ao caçar em meio a fendas de corais e pedras, por exemplo, e evitar ingerir presas que poderiam ser potencialmente venenosas ou tóxicas a eles. Mas as bases biológicas desse superpoder eram, até então, desconhecidas.
Em um novo estudo, publicado na revista Cell, pesquisadores da Universidade Harvard descrevem a descoberta de células nervosas exclusivas dos polvos que conseguem sentir o “sabor” das coisas através do toque. Essas células ficam nas ventosas de seus tentáculos e são repletas de receptores quimiotáticos, que respondem a substâncias na água como uma língua humana responde a sabores.
É claro que nos tentáculos também há células que existem em outros animais, responsáveis pelo tato da maneira como conhecemos. Ou seja: os tentáculos de um polvo seriam como uma mistura de nossos membros e nossa língua, capaz de usar o tato e paladar ao mesmo tempo.
A descoberta foi feita analisando células de dois polvos-da-Califórnia (Octopus bimaculoides), que foram isoladas e testadas em laboratório. No estudo, os pesquisadores perceberam que os receptores se ativavam na presença de várias substâncias diferentes responsáveis por gerar odores e sabores, como extrato de peixe. Essas células então enviam estímulos nervosos aos cérebros independentes de cada tentáculo, que interpreta o sinal como um sabor.
Como o sinal não precisa ir ao cérebro central, isso significa que cada tentáculo pode, por conta própria, interpretar sabores diferentes. Isso dá uma vantagem e tanto para o animal na hora de buscar comida em um cenário lotado de elementos, segundos os pesquisadores.
“As estratégias que esses animais desenvolveram para resolver problemas em seu ambiente são exclusivas deles, e isso atrai um grande interesse de cientistas e não cientistas”, disse, em comunicado, Peter Kilian, um dos autores do estudo. “As pessoas são atraídas por polvos e outros cefalópodes porque eles são totalmente diferentes da maioria dos outros animais.”
O estudo também identificou que as células receptoras respondiam melhor a substâncias não tão solúveis em água – que são exatamente as mais comuns em suas presas. Substâncias que se dissolveram facilmente no mar, como o sal, não geraram respostas significativas, o que ajuda a não confundir uma pedra com uma comida, por exemplo.
Agora, a equipe diz que novas pesquisas deverão ser feitas para entender a extensão desse super poder, já que não se sabe quantas e quais substâncias são capazes de ativar os receptores. Além disso, é possível que outras espécies de cefalópodes, como lulas e sépias, possuem os mesmos tipos celulares especiais.
Vale lembrar que polvos também têm uma estrutura em suas bocas que lembra uma língua, chamada “rádula”; mas ela é usada para cortar e raspar o alimento, e não possui (até onde sabemos) receptores de sabor como nossa língua. Ou seja, apesar de parecer uma língua, ela funciona mais como um dente.