Einstein caiu do cavalo?
Os neutrinos que teriam ultrapassado a velocidade da luz em setembro podem ter derrubado a teoria mais brilhante da história da humanidade? Não. Mas eles talvez façam bem mais do que isso.
Alexandre Versignassi
Até outro dia, a velocidade da luz era o limite. Nada no Universo poderia ir mais rápido que 1,08 bilhão de km/h. Agora não, pelo menos para alguns cientistas do Cern, um dos melhores centros de pesquisa do mundo. No dia 22 de setembro, eles anunciaram que a luz pode ter perdido o trono. Tinham mandado um feixe de neutrinos do laboratório do Cern, na Suíça, para outro, na Itália. Foi uma viagem de 732 quilômetros por baixo da terra, o que não é problema: neutrinos atravessam pedra do mesmo jeito que uma bala de revólver passa por neblina. Os neutrinos foram de Genebra até Roma em 2,43 milésimos de segundo. Chegaram 60 bilionésimos de segundo antes do que se tivessem viajado à velocidade da luz. Mas… e daí? Qual é o problema de a luz ter perdido a “liderança” do ranking de coisas mais rápidas?
Tem um baita problema. A velocidade da luz não é como a velocidade de qualquer outra coisa. Ela é a base da Teoria da Relatividade, que em última instância explica como o mundo funciona. Vejamos então como funciona o mundo.
Einstein formulou a Relatividade em 1905 porque estava diante de um desafio à lógica. Os físicos do século 19 tinham verificado um fenômeno além da imaginação: raios de luz pareciam fugir de quem se atrevesse a persegui-los. Se você ligar uma lanterna, estará lançando um feixe de luz a 1,08 bilhão de km/h. Com isso em mente, imagine outro cenário: você com a lanterna de um lado e o Sebastian Vettel com o F-1 dele do outro. Lanterna e Vettel alinhados no grid para uma corrida numa reta sem fim. E é dada a largada.
Vettel chega a 300 km/h numa piscada. Pouco para os 1,08 bilhão de km/h da luz que sai da sua lanterna. Mas vamos dar uma colher de chá e dizer que, aqui, o Red Bull do rapaz chegue a 1 bilhão de km/h. Sebastian acelera, acelera e vê o velocímetro marcar 1,0799 km/h. Ele está quase emparelhado com o raio de luz. Então resolve dar uma olhadinha para o lado só para conferir. O que o alemão enxerga?
Pelo senso comum, ele veria o raio quase parado. Mas não. Vettel observaria a luz rasgando o espaço a 1,08 bilhão de km/h. Como se sua Red Bull estivesse parada… Não faz sentido. Mas é a verdade.
Os físicos do século 19 sabiam disso. E os estudantes mais aplicados também. Era o caso de Albert Einstein. Aos 16 anos, em 1895, ele se imaginou na mesma posição em que Vettel estava neste texto – como alguém disputando um racha contra um raio de luz. Einstein sabia que o raio se comportaria como se estivesse fugindo. Mas por quê? Por quê?
Dez anos depois ele encontrou a explicação: quanto mais rápido você corre, mais devagar o tempo passa dentro do seu corpo – e mais rápido fora do seu corpo. Quando se aproximasse da velocidade da luz, você veria o mundo à sua volta acontecer em fast forward, em câmera acelerada. Isso, grosso modo, ajuda a explicar por que a luz sempre parece estar a 1,08 bilhão de km/h para o nosso Vettel. Mas por que, então, nem o Vettel imaginário tem como ultrapassar a velocidade da luz? Por causa daquela regra, a de que quanto mais rápido você corre, mais lentamente o tempo passa. Os cálculos de Einstein sobre a desaceleração do tempo mostram que, se você chegar à velocidade da luz, o tempo deixa de passar. Zera. É como se o tempo fosse a gasolina da velocidade. E essa gasolina acaba no momento em que você atinge 1,08 bilhão de km/h. Ponto. Mas e os neutrinos? Segundo as medições do Cern eles conseguiram o que o nosso Vettel jamais conseguiria: ultrapassaram a velocidade da luz. Einstein estava errado, então? Dificilmente. A Relatividade tem quase 100 anos de comprovações experimentais nas costas. É mais fácil que errado esteja o pessoal do Cern mesmo (outros cientistas vão repetir o experimento). Mas e se a comprovação vier?
Tudo bem: uma das possibilidades é que isso prove outra teoria: a de que existem mais dimensões além das 3 que a gente conhece. Os neutrinos poderiam ter pego um “atalho” numa delas – coisa que permitiria chegar à Itália mais rápido que um raio de luz, mas sem ultrapassar a velocidade da luz. Isso não violaria nenhum princípio da Relatividade – da mesma forma que as teorias de Einstein não violaram as de Newton, só aprimoraram. É assim que a ciência anda.
Seja como for, uma comprovação da supervelocidade dos neutrinos traria um problema novo e inesperado para a ciência. Um desafio à lógica tão grande quanto aquele que inspirou o Einstein adolescente. Um desafio que talvez só teremos como resolver com a ajuda de um novo Einstein. As vagas estão abertas.