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Em busca da antimatéria

Em avançados centros de pesquisa, na Europa e nos Estados Unidos, cientistas fazem experiências com uma rara e estranha espécie de partículas atômicas, que parecem a imagem espelha da matéria conhecida e podem vir a ser uma fantástica fonte de energia.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 31 dez 1987, 22h00

Paul Davies

Em um depósito, em Genebra, na Suíça, está guardada uma pequena e terrível massa, cuja força explosiva é 100 vezes maior que a do urânio com o qual se preparam as bombas atômicas. Ela é utilizada em experiências mediante as quais se tenta esclarecer alguns grandes mistérios científicos, como, por exemplo, a origem do Universo. É chamada antimatéria e, pelo menos por enquanto, não oferece perigo, por ser usada em quantidades insignificantes. É certo, todavia, que grandes quantidades de antimatéria representarão para a humanidade uma fonte de energia ainda impossível de calcular.

Mas o que é antimatéria? A idéia de que pudesse existir algo assim surgiu no final dos anos 20 e seu pai foi o físico inglês Paul Dirac (1902-1984). Já havia sido divulgada há algum tempo a Teoria da Relatividade, pela qual Albert Einstein ensinou que matéria e energia são intercambiáveis, ou seja, podem se transformar uma na outra. Dirac começou investigando as partículas do átomo, entre elas os elétrons, à luz da Teoria da Relatividade e da Mecânica Quântica (SUPERINTERESSANTE nº 2 e 3). Seu objetivo, sem dúvida ambicioso, era descobrir em um denominador comum a ambas. Nesse trabalho conseguiu desenvolver fórmulas e equações matemáticas que, efetivamente, são úteis tanto no campo da Relatividade quanto no da Mecânica Quântica.

Dirac verificou que uma dessas equações não descrevia apenas o comportamento dos elétrons, como ele esperava, mas também oferecia soluções que não se acomodavam às regras da Física comum. Afinal Dirac descobriu o nó da questão – as partículas com as quais estava trabalhando não eram elétrons normais: sua massa era exatamente a de um elétron comum, mas sua carga elétrica era positiva, em vez de negativa. Parecia, em suma, uma imagem refletida no espelho, um elétron ao contrário. Um antielétron.

As experiências de Dirac eram puramente teóricas. Algum tempo depois o físico norte-americano Carl Anderson, quando fazia experiências com radiação cósmica, conseguiu demonstrar que os antielétrons existiam de fato. Tais partículas receberam, então, o nome de pósitrons – e Anderson, por isso, ganhou um prêmio Nobel em 1936. O passo seguinte foi descobrir que todas as partículas têm sua correspondente antipartícula.

Ou seja, existem os antiprótons, antinêutrons etc. São eles que formam a antimatéria. Atualmente já é possível produzir antipartículas em laboratório, em condições controladas. O Centro Europeu de Investigação Nuclear (CERN), em Genebra, produz antiprótons, conservados em campos magnéticos para dedicadas experiências.

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As perspectivas são muito estimulantes: hoje tem-se a certeza de que estas antipartículas podem se juntar para formar antiátomos. E é até possível que existam no Universo antiestrelas, antiplanetas – e anti-homens, como explicou o próprio Dirac, no discurso ao receber o prêmio Nobel, em 1933. Para ele, é mera casualidade o fato de que até a Terra tenha sido formada de matéria e não antimatéria, “e é absolutamente possível que ocorra exatamente o contrário com outros corpos celestes”. Para fazer uma afirmação tão atrevida Dirac se baseou na profunda simetria da natureza.

Para que se forme um pósitron é preciso concentrar certa quantidade de energia em um único ponto. Se houver condições adequadas, aparecerá não uma partícula mas um par delas, ambas formadas diretamente da energia; uma será sempre um pósitron, outra um elétron. Ou seja, partículas e antipartículas se formam sempre aos pares. Uma equilibra a outra. O processo inverso também é verdadeiro: se um elétron colide com pósitron, ambos se aniquilam mutuamente, e suas massas combinadas se liberam como energia, em forma de raios gama.

Se da energia pode-se produzir matéria, cria-se a grande esperança de que, enfim, será possível esclarecer a origem do Universo. No passado os astrônomos acreditavam que o Universo se formara a partir de uma reserva básica de massa, existente desde o princípio. Agora tem-se explicação mais satisfatória: supomos que a massa se formou, pouco a pouco, por meio de processos físicos. Não é necessário muita fantasia para imaginar que, logo após o Big Bang, a grande explosão que deu origem ao Universo, havia energia mais do que suficiente para produzir toda a massa hoje conhecida.

Uma conclusão se impõe: se é certo que, quando se cria matéria a partir da energia, sempre se cria uma quantidade igual de antimatéria, então o universo deve ser composto de ambas em quantidades iguais. Foi o que levou Dirac a fazer sua especulação sobre a existência de antiestrelas. A simetria entre matéria e antimatéria sugere que uma antiestrela ou uma antigaláxia teriam exatamente o mesmo aspecto que uma estrela ou uma galáxia comum. Ou seja, é perfeitamente possível que a nebulosa de Andrômeda, por exemplo, seja constituída de matéria ou antimatéria.

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Em todo caso, a realidade mostra que as coisas não são assim tão simples. A partir dos anos 60, os cientistas começaram a entender melhor os acontecimentos relacionados com o Big Bang – e logo se deram conta de uma grande contradição. A fase inicial do Universo se caracterizou por um calor colossal e uma surpreendente uniformidade. O calor tornou possível o aparecimento de pares de partículas e antipartículas, que se juntaram formando uma espécie de sopa homogênea. Enquanto o Universo se dilatava e esfriava a grande velocidade, só havia um destino possível para esses pares de partículas e antipartículas: a mútua a destruição. Os pósitrons colidiram com os elétrons, os prótons com os antiprótons e os nêutrons com os antinêutrons. Sempre, o resultado foi uma explosão destruidora. Nessas circunstâncias, não poderia ter sobrevivido muita matéria, nem o Universo estaria cheio de átomos, mas de raios gama.

No entanto, não é assim: a matéria existe e os átomos estão em toda parte. Os pesquisadores trataram, então, de descobrir o mecanismo da natureza responsável pela separação de matéria e antimatéria, evitando aquela orgia de destruição. Nada conseguiram, mas os primeiros radio telescópios instalados a bordo de satélites artificiais permitiram descobrir que no Universo não há tantos raios gama como se imaginava.

Foram feitos, então, cálculos teóricos para saber quanta antimatéria poderia haver na Via Láctea que ainda não tivesse sido descoberta. Os pesquisadores partiram do fato de que também no vasto Universo objetos colidem ocasionalmente e que não existe espaço vazio, mas enormes quantidades de partículas de gás e pó. Sendo assim, ainda que só uma parte de nossa galáxia fosse constituída de antimatéria, haveria um constante cintilar de raios gama. Os resultados obtidos até agora não indicam que a Via Láctea possa ter mais do que uma milionésima parte de sua massa constituída de antimatéria.

Algo parecido ocorre nas demais galáxias: quando se chocam umas com as outras, verifica-se que são formadas de matéria e não de antimatéria. Se realmente existe, a simetria entre elas deverá aparecer num campo espacial maior do que o Universo conhecido. Neste, a antimatéria é uma raridade. Fica a pergunta: será que em algum lugar existe a antimatéria em grande quantidade? Por meio de sondas enviadas às camadas mais altas da atmosfera se descobriu que a Terra está exposta a um contínuo bombardeio de antiprótons, que chegam do Universo e formam parte da radiação cósmica geral. Mas eles não são indício de que existam antiestrelas, por exemplo. Como acontece nas refinadas instalações do acelerador de partículas do CERN, os antiprótons podem se formar, no Universo, a partir de partículas comuns, desde que ocorram entre elas choques muito violentos. Como os raios cósmicos são ricos em energia, devem produzi-los com facilidade quando atravessam o gás interestelar.

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Para determinar a quantidade de antimatéria que há no Universo precisamos buscar núcleos de anti-hélio. Depois do hidrogênio, o hélio é a substância mais comum do espaço cósmico. Um único núcleo de anti hélio seria indício importante da existência de antiestrelas; formado por dois antiprótons e dois antinêutrons, trata-se de uma estrutura que não se constitui ao acaso.

Na busca de melhores resultados, os pesquisadores norte-americanos pretendem colocar em órbita, na próxima década, o Astromagi. Esse instrumento, a bordo de uma estação espacial, será equipado com ímãs supercondutores muito potentes e, por isso, capazes de desviar a trajetória das partículas super-rápidas. Assim, uma barreira de detectores será capaz de distinguir se determinado núcleo é formado de hélio ou anti-hélio: se os ímãs desviarem as partículas de hélio para a esquerda, desviarão as de anti-hélio para a direita.

Se a proposta for positiva e pudermos então dar como certa a existência de antiestrelas, também será certa a existência de antiplanetas, anticometas e anti tudo o mais. Podemos perguntar, a partir daí: o que aconteceria se um corpo com mais substância que um núcleo de anti-hélio penetra-se no Universo conhecido a altíssima velocidade? É provável que ao colidir com os corpúsculos de matéria produziria raios de energia e novos corpusculos, estes de antimatéria. Alguns deles poderiam chegar à Terra. O choque da antimatéria com o planeta produziria uma explosão equivalente à de uma bomba atômica. Teria sido isso que aconteceu no começo do século na região siberiana de Tunguska, de cuja destruição tanto se falou, sem que se pudesse descobrir o que realmente ocorreu? Teria sido esta a causa do desaparecimento dos dinossauros ou dos periódicos cataclismos que castigam a Terra?

Pesquisas recentes demonstraram que partículas microscópicas, procedentes do espaço, estão constantemente entrando na atmosfera terrestre. As que são suficientemente pequenas conseguem escapar da destruição, porque as forças de atração produzidas entre os átomos normais acabam formando uma barreira de proteção em torno da antimatéria. Supõe-se que essas antipartículas estejam carregadas eletricamente por ionização e assim fiquem expostas aos campos elétricos da atmosfera terrestre (por exemplo, os que se formam durante as tempestades).

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Seriam as tormentas que acenderiam o pavio da explosão responsável pela destruição das antipartículas. A energia assim liberada tem o aspecto de uma bola vermelha e incandescente, que dura pouquíssimos segundos. Há muitas descrições dessas bolas que aparecem no meio de uma tempestade e desaparecem repentinamente, com um forte estampido. O fenômeno chama-se raio globular e é um mistério para os cientistas: ninguém até agora conseguiu reproduzi-lo em laboratório. É possível que no futuro se consiga relacioná-lo com a antimatéria.

Enfim, é muito pouco, quase nada, o que sabemos sobre a antimatéria – embora já possamos fabricá-la. Seguramente será mais prático produzir a antimatéria no espaço, pois ali existe o vazio necessário, e a gravidade não provoca problemas. A antimatéria é útil quando se precisa armazenar grandes quantidades de energia, com peso e volume ínfimos. Poderia ser utilizada para impulsionar veículos interplanetários, por exemplo. E poderia, sem dúvida, ser utilizada para a guerra. O Instituto de Investigação da Rand Corporation, nos Estados Unidos, já concluiu um estudo onde registra a possível aplicação da antimatéria em foguetes, armas lançadoras de raios e na alimentação de lasers de raios X. O estudo afirma que a tecnologia para isso poderia ser desenvolvida em cinco anos. Outros estudos patrocinados pela Força Aérea dos Estados Unidos, estão em curso, sob protestos da comunidade científica internacional.

Mas a investigação em torno da antimatéria, nos laboratórios civis, também avança rapidamente. Logo entrará em funcionamento, no CERN de Genebra, um novo sistema de conservação dos antiprótons que permitirá estudá-los com muito mais precisão. Até agora produziam-se antiprótons mediante choques de alta energia, o que os levava a se deslocar quase à velocidade da luz (300.000 quilômetros por segundo). Agora eles são submetidos a um aparelho chamado LEAR (sigla em inglês de Light Energy Antiproton Ring ou Anel de Antiprótons de Baixa Energia), que reduz consideravelmente essa velocidade. Domesticados, o antiprótons caem na chamada Armadilha de Penning, onde são continuamente atirados para a frente e para trás, por meio de campos magnéticos que evitam que eles se choquem com paredes.

É ali que se pode fazer experiências com eles. Por exemplo, comparar sua massa com a dos prótons, verificar se e como são afetados pela gravidade. Enfim, verificar se realmente matéria e antimatéria são simétricas, como sempre se acreditou. Já se passaram mais de 50 anos desde que o físico Paul Dirac apresentou ao mundo científico suas equações, mas as investigações sobre a antimatéria estão apenas começando.

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