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Entrevista: o mundo secreto que os fósseis nos revelam

Pássaros são répteis? Veja essa e outras respostas sobre fósseis com Alexander Kellner, paleontólogo e um dos autores do livro "A Evolução é Fato".

Por Bela Lobato
12 out 2024, 19h00

Por todo o mundo, o chão guarda segredos: os fósseis, registros excepcionais de seres vivos do passado.

Muitas culturas antigas ou tradicionais já conheciam e representavam seus fósseis, com mitologias e explicações próprias. Eles eram utilizados como amuletos, adornos e medicamentos, ou interpretados como partes de seres mitológicos, como dragões.

Foi só no século 17 que eles passaram a chamar a atenção da ciência europeia, que percebeu que a análise dos fósseis pode revelar muito sobre o passado da Terra. Juntamente com o estudo das camadas do solo, eles ajudaram a compreender que o planeta é muito, mas muito antigo.

A mitologia tradicional cristã, por exemplo, acredita que a Terra tem cerca de seis mil anos. A ciência tem diversas evidências que provam que a linha do tempo é muito mais antiga. No século 18, o geólogo escocês James Hutton cunhou uma clássica frase sobre a idade da Terra:  “nenhum vestígio de começo e nenhuma perspectiva de fim”.

Para se ter uma ideia geral, tenha em mente que a Terra tem 4,5 bilhões de anos de idade. A vida surgiu há 3,5 bilhões de anos, e tem se modificado e evoluído desde então. 

Há 230 milhões de anos, os primeiros dinossauros surgiram onde é hoje o sul da América do Sul. Eles foram (quase todos) extintos há 66 milhões de anos, mas outros animais sobreviveram ao impacto do meteoro que os matou. Eles continuaram evoluindo independentemente, ocupando todos os nichos e cantos do planeta. 

O último ancestral comum entre os chimpanzés e os humanos viveu entre 6 milhões e 7 milhões de anos atrás na África. Muitos tipos de hominídeos existiram até o surgimento do Homo sapiens (a espécie à qual eu e você pertencemos), há 200 mil anos.

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Só sabemos de tudo isso por causa dos fósseis que encontramos em todo o mundo. Para nos contar sobre como eles são formados, onde são encontrados e como são datados, conversamos com o paleontólogo e diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner. 

Juntamente da também paleontóloga Marina Bento Soares, ele escreveu um dos capítulos do livro A Evolução é Fato, que conta com a participação de 28 pesquisadores brasileiros. Você pode baixá-lo gratuitamente aqui

A obra aborda diferentes fases da evolução na Terra, de um jeito simples e fácil de ler. O livro levou três anos para ficar pronto e foi organizado pela Academia Brasileira de Ciência (ABC).

A maior parte das explicações inclui exemplos brasileiros – o que, aliás, não faltam quando falamos de fósseis. A entrevista a seguir faz parte de uma série de entrevistas que a Super irá publicar com os autores dos textos. 

O que é necessário para que um fóssil se forme?

Kellner: Fósseis são vestígios da existência da vida no passado biológico. Existe uma gama tremenda de diversidade de formas de  formação de um fóssil: aquilo que preserva uma pegada não necessariamente preserva uma pena ou um osso.

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De maneira bem geral, é preciso ter condições onde o animal ou o organismo sofra decomposição (é claro que isso não se aplica para rastros e pegadas). Em linhas gerais, o que a gente precisa é impedir a decomposição, que é feita por processos diversos, sobretudo vinculados ao oxigênio e também aos animais e organismos que se alimentam de matéria orgânica. Esse é o princípio básico. 

Onde ocorre isso? Em áreas aquosas, como no fundo de um lago, fundo de um rio, de uma parte mais meandrante, onde há águas mais calmas, e o fundo do mar. 

Mas não são todos os lugares que possuem fósseis, não é? A Amazônia, por exemplo.

Kellner: Justamente, o lugar tem que favorecer. O tipo do solo faz muita diferença. Áreas de florestas são complexas, e a questão aí não é a biodiversidade. A biodiversidade, na verdade, devia favorecer isso – quanto mais organismos, maior a chance de se preservar.

Qual é o ponto da Amazônia? O ponto não é a preservação do fósforo em si. A Amazônia tem um monte de fósseis, e até dinossauros já foram encontrados lá. O problema é que, para encontrar os fósseis, você tem que ter, de preferência, uma área descoberta de vegetação.

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Uma boa área, por exemplo, são desertos, áreas áridas. Você anda por lá até que acha uma pontinha de alguma coisa que pode ser um fóssil, e aí você inicia uma escavação. Ou seja, a condição de preservação não é igual ou paralela à condição do encontro do fóssil. São coisas diferentes. 

Por exemplo: se o processo de desmatamento que tem acontecido continuar, o Mato Grosso vai ser riquíssimo em fósseis também, pode ter certeza.

E como dá para saber a idade precisa desses fósseis?

Kellner: Existem três maneiras de datar rochas, das quais a principal é a radiométrica, em que você mede a decomposição de certos minerais em outros. São os isótopos. É como se você tivesse um copo de suco de tangerina, que inicialmente está uniforme. Ao decorrer do tempo, em cima fica mais viscoso, e embaixo você fica com uma parte mais amarelada. O princípio como comparativo é semelhante a esse. 

Você tem um mineral que se decompõe por radioatividade, é uma coisa que você não consegue impedir. Então ele vai mudando, mas ele não muda totalmente de minerais. O que muda são isótopos, uma variedade dentro dos mineiras? Como há uma certa constância na natureza, é possível medir.

Mas é um estudo complexo, fundamental. Tem técnicas, tem erros. Às vezes você não consegue medir porque o mineral já foi intemperizado, porque estava ao relento de alguma forma… Não é tão simples.

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Mudando de assunto para algo que o senhor fala no capítulo: aves são consideradas répteis? Por que ainda aprendemos como grupos separados na escola?

Kellner: Nós humanos, em toda nossa sapiência, precisamos classificar a natureza, senão a gente não entende. Hoje em dia, você tem uma maneira de classificar os organismos, para tentar entender, para tentar reproduzir esse quadro evolutivo. Nós colocamos em caixinhas.

Em um dado momento se acreditava que havia essas grandes categorias estanques, répteis de um lado e aves do outro. Na verdade, todos nós somos amebas, inclusive você, com todo respeito. Porque nós somos descendentes de um ancestral recente mais comum.

As aves são descendentes de dinossauros, tanto é que a designação que usamos divide os dinossauros em não-avianos e avianos. 

Por que isso é ensinado de uma forma diferente na escola? Boa pergunta. Isso é algo que temos que trabalhar melhor. Mas não tem nenhum problema separar das aves, ensinar as aves separadamente, nenhum problema. Como não tem problema você ensinar dos dinossauros não-avianos e avianos. O importante é o entendimento dessa questão evolutiva, do quadro evolutivo. 

E é por isso que é tão importante que esse livro tenha sido publicado. Hoje em dia, com as notícias falsas, avanço de terraplanistas, negacionistas, é importante que a gente fale sobre os processos evolutivos.

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