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Entrevista: quem foi o LUCA, o ancestral comum de toda a vida na Terra

O micróbio-avô de todos os seres vivos existentes hoje é um dos assuntos do livro A Evolução é Fato, recém-lançado por um grupo de pesquisadores brasileiros.

Por Eduardo Lima
Atualizado em 26 set 2024, 16h55 - Publicado em 24 set 2024, 10h00

O último ancestral comum de toda a vida na Terra deve ter vivido há, pelo menos, 3,5 bilhões de anos atrás. Esse organismo hipotético foi batizado pelos biólogos de LUCA, sigla em inglês de last universal common ancestor.

Ele é um tataratataratataravô teórico compartilhado por toda a vida que existe na Terra e, por causa disso, sabemos que ele precisava ter certas características em seu material genético que todo ser vivo possui até hoje, de um pinheiro a uma bactéria.

A partir desse ponto em comum, se irradiaram os três principais domínios da vida na Terra: as bactérias, as arqueias e os eucariontes (o grupo em que estamos nós e todas as outras formas de vida macroscópica). Mas como ele era? O que o LUCA tem em comum com todos nós?

Sabemos que ele já tinha alguns conjuntos de reações bioquímicas que fazem parte do nosso metabolismo até hoje, e sabemos que ele era um ser unicelular. Mas a verdade é que sequer faz sentido falar em células unitárias: a vida microscópica troca genes entre si constantemente, borrando as fronteiras da identidade individual.

LUCA não era um organismo singular como nós, apartado de seu entorno por uma barreira de pele. Ele era uma metamorfose ambulante, que absorvia DNA de seu entorno para aumentar seu leque de possibilidades bioquímicas. Ele não era um; era muitos. Era uma população de serezinhos minúsculos que são nossos antepassados remotos.

Para explicar essa e muitas outras dúvidas sobre a evolução por seleção natural, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) organizou o livro A Evolução é Fato, que você pode baixar gratuitamente aqui.

28 dos pesquisadores mais reconhecidos do Brasil se reuniram sob a coordenação do professor Carlos Frederico Martins Menck, da Universidade de São Paulo (USP), para escrever um manual fácil de entender, cheio de imagens e gostoso de ler sobre evolução.

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O livro levou três anos para ficar pronto, sempre com as descobertas científicas mais recentes no horizonte. Vários dos exemplos usados para explicar a origem da vida na Terra, a evolução das plantas e os dinossauros vêm de pesquisas brasileiras.

A Superinteressante vai publicar uma série de entrevistas com alguns dos autores do livro sobre os temas de suas pesquisas. Para começar, conversamos com Menck e Marie-Anne Van Sluys, também da USP, sobre quem foi o LUCA.

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De onde vem a ideia do LUCA?

Menck: Há cerca de 70 anos, foi proposta a estrutura do DNA. A partir daí, as pessoas avaliaram todos os organismos celulares conhecidos, e todos eles tinham material genético. Isso, obviamente, chamou atenção. E como o DNA funciona? Ele produz o RNA, que depois passa para a síntese das proteínas. Para isso acontecer, há uma tradução de código que não é óbvia, transformando uma sequência de nucleotídeos em uma sequência de aminoácidos.

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Quem faz isso são os ribossomos e os RNAs transportadores que estão lá. Todas as células vivas têm isso, o ribossomo extremamente parecido. Na década de 1970, Carl Woese demonstrou a similaridade dos RNAs ribossômicos. Isso pressupõe um ancestral comum.

Marie-Anne: Uma coisa a mais que o Woese fez foi comparar as sequências de nucleotídeos de organismos diferentes. Ele comparou a Escherichia coli, bactéria que mora no nosso intestino, com o fungo Saccharomyces cerevisiae, a levedura da cerveja e do pão, e com uma arqueia. 

Ele alinhou as sequências nucleotídicas dos ribossomos, percebendo várias regiões conservadas em todos os seres. Com isso, ele construiu a primeira árvore da vida molecular, e propôs que a vida se organiza em três grandes linhagens: bactérias, eucariotas e arqueias. Independentemente da grande diversidade de formas, todos eles têm o DNA.

Como era o LUCA?

Menck: Aparentemente, o LUCA já era bem completo.

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Marie-Anne: E complexo.

Menck: É isso mesmo. Algumas vias metabólicas foram encontradas em todos os organismos, então elas já faziam parte do LUCA. Ele provavelmente era uma bactéria, que surgiu já com uma molécula de DNA. 

Uma das coisas que nós discutimos no capítulo [do livro] e que eu acho importante é a transferência genética horizontal. Isso nada mais é do que troca de genes entre os organismos. Aparentemente, isso sempre existiu. 

Por exemplo, uma bactéria sensível a antibiótico. Quando você coloca o antibiótico, você mata ela, certo? Mas as bactérias, para poder sobreviver, têm essa capacidade de captar material genético [do ambiente circundante e de outras bactérias], para em algum momento captar algo que vai permitir que ela sobreviva. Aí ela vira uma bactéria resistente a antibiótico, e o remédio não serve mais. Isso vale para qualquer processo da vida.

Marie-Anne: Tem um aspecto da aleatoriedade. Existem várias informações que as células carregam e que não as beneficiam ou permitem adaptação para uma condição particular. Mas, se a situação crítica se apresenta, esses genes podem conferir uma vantagem adaptativa para aquela condição ambiental.

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Esses organismos unicelulares vivem num ambiente todos misturados. A gente tende a pensar em seres multicelulares, em que a delimitação dos corpos é muito clara. No caso de microrganismos e de organismos unicelulares, a gente tem as células todas misturadas numa poça d’água, por exemplo. Elas têm oportunidade de contato e de trocas de informações genéticas muito maiores que nós, seres multicelulares.

Menck: Acho que a ideia dessa troca é que é mais fácil você pegar alguma coisa pronta do que ter que começar do zero e fazer alguma coisa, né? A evolução funciona assim, provavelmente desde o início. Por causa disso, o LUCA já estava com bastante coisa, várias vias metabólicas.

Como que, de um organismo unicelular, a gente chega em toda a diversidade de vida que temos hoje, com mais de dois milhões de organismos conhecidos?

Menck: Com modificação e adaptação genética.

Marie-Anne: O LUCA era unicelular, mas não era uma célula só. O que a gente tem que ter claro é que o LUCA é uma abstração que a gente faz de uma população, um conjunto potencial de células. 

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As cianobactérias, que fazem fotossíntese, liberam oxigênio no processo de captar a energia luminosa. Isso começou há bilhões de anos, e resultou no acúmulo de oxigênio na nossa atmosfera, que foi a maneira de desenvolvimento dos eucariotos, usando o oxigênio na mitocôndria para produzir energia.

Esse acúmulo tem um impacto sobre as diferentes formas de vida que talvez existissem naquele momento. As células não lidavam bem com o oxigênio, ele é um gás tóxico. Novos organismos, por meio de adaptação genética, foram capazes de usar o oxigênio para gerar energia. Isso que permitiu a evolução dos eucariotos, a linhagem que deu origem às plantas e aos seres humanos.

Dá para saber quando o LUCA existiu?

Menck: O consenso entre todo mundo é 3,5 bilhões de anos. Existem alguns relatos anteriores, há um trabalho de 2024 que fala de 4,2 bilhões de anos.

Marie-Anne: Quando a gente está falando sobre o LUCA, a gente está falando sobre um ancestral universal comum entre a vida na Terra como a gente a conhece hoje. Isso não quer dizer que não tenha havido outros tipos de vida anteriormente, e que não sobreviveram por diferentes razões – como o aumento do oxigênio. A adaptação é um fenômeno de reação a uma mudança do ambiente.

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