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Equações de terceiro grau e a vocação de Marc Kac.

Matemático polonês conta como sua vocação foi favorecida apesar dos maus professores.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 31 dez 1989, 22h00

Existe uma idéia preconcebida de que países do Terceiro Mundo, como o Brasil, produzem poucos cientistas e quando o fazem duvida-se de sua qualidade. Não raro me perguntam a razão disso. É claro que não sou o mais indicado para responder a essa questão e nem mesmo sei se a afirmação contida na pergunta é verdadeira. Ao que parece, admitir tal pressuposto tem servido a interesses tais como: justificar as críticas ao sistema escolar; garantir ou destruir grupos que se intitulam guardiães do saber nacional e alterar para mais ou para menos, segundo as conveniências do momento, as dotações para ensino e pesquisa.

Uma coisa, porém, é verdade: existem providências que, se tomadas adequadamente, podem minorar esse problema – caso ele exista – ou melhorar a situação nacional – se ele não existir. Folheando uma antiga publicação americana deparei com um artigo atribuído ao matemático polonês radicado nos Estados Unidos Mark Kac (1914-1984), em que ele narra sua trajetória e mostra, entre outras coisas, como medidas aparentemente simples tomadas pela sociedade podem favorecer a emergência de vocações – como a dele próprio. Mark conta que durante o verão de 1930 já sabia resolver equações de segundo grau e até conhecia um processo para as equações de terceiro grau. O que ele não sabia era como chegar a esse processo.

Na Polônia da década de 30, como no Brasil dos anos 80, se um curioso aluno do segundo grau perguntar ao professor sobre equações do terceiro grau, por certo ouvirá que isso lhe será ensinado mais tarde, na universidade. O problema é que uma resposta assim, no Brasil, talvez mate uma vocação. Mas na Polônia daquele tempo, talvez pelo próprio sofrimento do povo, forjou-se uma juventude bastante determinada. Com base no lema “Não existe professor ruim, vou aprender apesar dele”, Mark foi para as bibliotecas. Mas o livro que escolheu para estudar as equações começava com algo mais ou menos assim: x = u+v. É claro que tal começo foi pouco ou quase nada encorajador.
Ao ler isso, lembrei-me de um professor que tive, que mais com ar de mágico que de mestre nos dizia, a propósito da resolução de equações de segundo grau, para multiplicar tudo por 4a. Imediatamente me vinha a pergunta: por que não por 137b?

Esquecidos do mal-estar que explicações artificiais já lhes causaram um dia, muitos professores as repetem aos alunos e ainda se surpreendem quando eles as rejeitam. Com uma vontade rara, Kac atravessou aquele verão decidido a encontrar um caminho mais racional que o levasse à fórmula da resolução de equação de terceiro grau, cuja solução, que foi atribuída a Geralamo Cardano (1501-1576), data de 1545.

Seu esforço foi recompensado. Certa manhã, lá estava a fórmula de Cardano. Mark gastou o dia inteiro para organizar o raciocínio naqueles papéis que resumiu num manuscrito de três ou quatro páginas. Então, levou-o à apreciação de seu professor. Este, demonstrando disposição e sabedoria, leu atentamente. A seguir enviou o manuscrito ao periódico polonês O jovem matemático.

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Até os editores se certificarem de que se tratava de uma nova derivação e não da redescoberta de uma das muitas leis já existentes da fórmula de Cardano, passou-se um ano. Mas, finalmente, o trabalho foi publicado. A partir daí, a vida de Mark mudou. Em vez de estudar Engenharia como queria a mãe, ele resolveu ser matemático. Em 1939, quando a Segunda Guerra começava, Mark estava nos Estados Unidos, estudando na Johns Hopkins University, graças à bolsa de estudos que ganhara. Se tivesse permanecido na Polônia, seu destino teria sido igual ao de milhares de jovens judeus poloneses: os campos de concentração e as câmaras de gás.

Nesse caso, pode-se dizer que, mais que modificar sua vida, a Matemática a salvou. Não chego ao exagero de prever que a opção pelas ciências venha a salvar vidas de jovens brasileiros, mas atrevo-me a prever que, quando a sociedade devotar mais atenção aos jovens e estes virem premiadas a determinação e a fé na condição humana, poderemos não ter um número maior de cientistas, mas certamente teremos uma juventude mais feliz e um país mais respeitado.

 

 

Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

 

 


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