Eu acredito em Darwin
O líder da banda Bad Religion, Greg Graffin, é doutor em biologia evolutiva e briga para fazer acadêmicos admitirque a Teoria da Evolução implica a negação de Deus
Mauro Tracco
Em agosto, a super entrevistou Howard Jacobs, um dos biólogos mais renomados da Europa, que em vez de avental usa cabelos moicanos e roupas de couro. Agora, o outro lado da moeda: Greg Graffin é vocalista do Bad Religion, uma das mais importantes bandas punk do mundo, e assim como Jacobs, é apaixonado por biologia. Filho de professores universitários, é formado em geologia e fez doutorado em biologia evolutiva na Universidade Cornell, em Ithaca, Nova York.
Ateu convicto, defendeu em sua tese de doutorado que religião e evolução não se misturam. Graffin enviou questionários para os principais biólogos evolutivos do mundo (272 ao todo, 151 responderam) para descobrir até que ponto ia o ceticismo dos que ambicionam descobrir a origem da vida. Para ele, as implicações lógicas da Teoria da Evolução de Charles Darwin não admitem que a vida tenha surgido por uma causa sobrenatural; logo, quem crê em Darwin não pode crer em Deus ou coisa que o valha.
O que lhe interessou antes? Ciência ou punk rock?
Ciência. Quando eu tinha 13 anos, li um livro sobre a história da cultura, que me inspirou a estudar as origens do homem. O punk foi entrar na minha vida dois anos depois.
Quais são os aspectos comuns entre as duas áreas?
Punk é um modo de vida comprometido a desafiar o status quo e as visões da sociedade. A ciência, por sua vez, tem o compromisso constante de desafiar teorias preconcebidas por meio de experiências. Novos experimentos e descobertas podem destruir completamente os alicerces de uma determinada área da ciência. Nesse sentido, os dois campos são semelhantes.
Você é formado em geologia. Por que resolveu ser doutor em biologia evolutiva?
Tenho muito interesse na história da Terra e de seus habitantes. E acho que a única maneira de ter um bom domínio desse assunto é aprendendo as duas coisas: geologia e biologia.
Você está com 40 anos. Qual é o seu maior interesse nessa idade, a música ou a biologia?
Eu adoro compor álbuns para o Bad Religion e estou empolgado com a idéia de escrever meu primeiro livro no ano que vem. Espero produzir muito ainda nas duas áreas. Hoje em dia, compro mais livros do que discos.
O resultado de seu projeto de doutorado correspondeu às suas expectativas?
Não. Eu esperava que os membros da comunidade de biologia evolutiva rejeitassem em peso a teologia tradicional e acreditassem que religião e evolução sempre estarão em guerra. Mas o que encontrei foi um grande índice de apatia pelo assunto. Poucos biólogos evolutivos estão dispostos a afirmar com veemência que evolução e religião são incompatíveis. A maioria deles acredita que ambas podem coexistir. Eu acho essa descoberta muito estranha.
Como é a teoria da evolução segundo Greg Graffin?
Minha teoria, simplificada, defende que a vida é essencialmente composta por guerras entre populações, que ocorrem constantemente em diversos níveis. Não é uma idéia nova, mas acho que ainda não foi defendida com a convicção necessária.
Você acha que os fãs do Bad Religion realmente entendem as suas letras?
Sei que a maioria dos nossos fãs só quer saber da música rápida e pesada que fazemos. Alguns poucos são atraídos pelas letras e gosto de acreditar que eles aprendem algo de seu conteúdo.
Você não acha que alguns punks são tão cegos quanto fundamentalistas religiosos?
Todos precisam de educação. Há muita gente que encara o ideal punk como um culto religioso. Quanto mais bem informados forem os punks, mais irão perceber a diversidade que existe em seu meio e, principalmente, que se trata de uma filosofia tolerante. A melhor maneira de se informar sobre isso é estudar a cena punk de diferentes países para se dar conta de que é um estilo de vida global. É um erro achar que ele pode ser estereotipado como um fenômeno da classe operária inglesa ou das ruas de Los Angeles.
Qual é a sua opinião sobre a teoria do Design Inteligente, corrente que rejeita o darwinismo e crê que entidades inteligentes são responsáveis pela origem da vida? Seus defensores se dizem “punks da biologia evolutiva”, por supostamente irem contra a maneira dogmática de se fazer ciência.
Eu não vejo nada punk no Design Inteligente. É ridículo. Seus argumentos são idênticos aos da Teologia Natural defendida por William Paley em 1802. Eles basicamente não dizem nada que já não tenha sido dito, e de forma mais eloqüente, há 200 anos. Em 1859, Darwin apresentou uma maneira melhor de entender a natureza e a vida. O Design Inteligente é apenas uma forma de compatibilizar o estudo da natureza com a religião. Na forma como vejo a natureza, não há nada de inteligente em seu design. Em minha dissertação, entrevistei George C. Williams, que diz que, se realmente existiu um designer, ele não foi muito esperto. É fácil pensar em “criações burras”, como o dente do siso, um agente perpétuo de infecção, ou o apêndice, que sempre causa cirurgias de emergência.
Qual é a maior diferença que existe entre você e os outros biólogos evolutivos?
Sou um caso raro, pois não ganho a vida com aulas ou fazendo pesquisa. Isso dá liberdade de atacar questões centrais da evolução que nem sempre estão na agenda mainstream. Não tenho medo de perder o emprego se escrever algo que ofenda a comunidade da biologia evolutiva. A maioria dos cientistas se esquiva do tópico “evolução versus religião” por ser capaz de afetar sua posição na universidade, especialmente quando a instituição tem uma base religiosa.
Quem o influenciou mais, Darwin ou os Ramones?
Darwin, pois até hoje seu trabalho me ajuda a entender o mundo. Os Ramones me ajudaram a atravessar os anos de adolescência e eu serei eternamente grato a eles por isso.
Gregory Graffin
• Gregory Walter Graffin III, 40 anos, nascido em Racine, Wisconsin.
• A mãe de Greg Graffin foi reitora da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e seu pai era professor de inglês.
• Sua dissertação foi publicada em forma de livro e pode ser adquirida pelo site https://www.cornellevolutionproject.org .
• O disco Suffer, de 1987, é tido por muitos como o responsável pela revitalização do punk, que voltou com toda a força nos anos 90.