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Existe uma substância tão ácida que tem o pH negativo?

Até existe. Mas é preciso descrevê-la com base em algo chamado "função de acidez de Hammett", criada para lidar com ácidos extremamente fortes.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 23 out 2020, 17h31 - Publicado em 23 out 2020, 16h40

Existe. Embora a maior parte dos livros didáticos represente a escala de pH contida entre 1 e 14, podem existir substâncias tão básicas que atingem pH 15 ou 16 – e substâncias tão ácidas que passam do zero e atingem valores negativos.

Por exemplo: uma solução de ácido clorídrico com 37% de concentração tem pH -1,1. Fontes de água quente próximas ao vulcão Ebeko, no extremo leste da Rússia, contém ácido clorídrico (HCl) e ácido sulfúrico (H2SO4), e atingem um pH estimado em -1,7. Os dados foram extraídos deste artigo.

Para calcular esses valores, porém, precisamos de algo chamado função de acidez de Hammett, que é um passo além da química do ensino médio. Vamos começar dando um passo atrás e explicando a definição (ou melhor, às definições) de acidez e basicidade. 

O que são acidos e bases? 

Tudo começa com um átomo de hidrogênio, que é algo modesto: consiste em uma partícula de carga elétrica positiva chamada próton, acompanhada de seu fiel escudeiro: um elétron, que é uma partícula menor, de carga elétrica negativa.⠀

O hidrogênio adora fazer parcerias por aí. Muitas vezes, ele encontra um átomo de um elemento mais gordo, tipo um cloro, que precisa muito de um elétron. Como o hidrogênio também está em busca de um elétron para fazer par com seu elétron solitário, ele une forças ao cloro e eles formam uma molécula. No caso, um ácido clorídrico (HCl). ⠀

(É isso que dá liga a toda molécula: o compartilhamento de elétrons entre átomos. Essa vontade de se juntar é tão irrefreável que, na falta de outro elemento, o hidrogênio gruda até em si próprio. Na atmosfera, é encontrado na forma H2: dois hidrogênios compartilhando seus elétrons solitários, como filhos únicos que se unem para compensar a falta de irmãos.) ⠀

Bonito. Pena que a ligação não é esse mar de rosas todo. A molécula de ácido clorídrico é ácida justamente porque o cloro tem uma certa tendência a mandar o hidrogênio embora e roubar o elétron dele. Divórcio sem separação de bens. ⠀

O hidrogênio, então, vira apenas um próton solitário. Com carga elétrica positiva. Você pode chamá-lo de “H positivo”, ou “H⁺”. Esse próton sai por aí enfurecido, procurando alguém com quem se ligar para afogar as mágoas e ter um elétron de volta. É isso que torna o ácido clorídrico um ácido: a vontade de doar um próton. Todo ácido doa prótons, na definição de Brønsted e Lowry. Grosso modo, quanto maior é a média de prótons enxotados por uma molécula, menor é seu pH. Ou seja: mais forte é o ácido. ⠀

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Se o ácido clorídrico estiver diluído em água, boas notícias! A água é uma substância anfótera, ou seja: ela é um ácido e base ao mesmo tempo. A molécula de H2O, graças a um processo chamado autoionização, chuta um de seus prótons espontaneamente (o que a torna, por definição, um ácido).⠀

Mas o que sobra quando um H2O chuta fora um H é só um OH. E esse OH roubou um elétron do H, lembra? O que lhe deixa com carga elétrica negativa. Um OH negativo. E adivinha qual é a definição de base? Pois é: uma substância que doa um OH negativo, ou OH. (Essa é a definição de um químico chamado Arrhenius, que é mais tradicional, e diferente da de Brønsted e Lowry.) 

Repetindo, só para reforçar: a água é duas caras. Quando ela se quebra, ela fornece, ao mesmo tempo, um OH negativo, que permite classificá-la como base, e um H positivo – isto é, um próton solitário –, o que permite classificá-la como ácido. É por isso que o pH dá água é neutro.⠀

O próton expulso pelo cloro (que é um H positivo) logo encontra um OH negativo dissociado da molécula de água à qual costumava pertencer. E aí os dois se juntam e formam o que? Pois é, uma água de novo. Ah, como são bonitos os ciclos. Mas vamos voltar da divagação.

O que é a escala pH?

Quando falamos em pH, o primeiro passo é partir da premissa de que estamos falando de um ácido diluído em água. O que o pH faz é nos dizer o número de prótons que esse ácido soltou na água. Mais precisamente, um pH igual à zero equivale a dizer que há 600000000000000000000000 prótons livres. Esse número enorme, um seis seguido de 23 zeros, é o famoso mol. Um mol de hidrogênios abandonados sem lenço, documento nem elétron. Trata-se de uma solução muito ácida.

A escala pH é logaritmica. Em português claro, isso significa que, conforme o valor aumenta, a concentração de prótons cai dez vezes. Uma solução com pH 1 tem dez vezes menos prótons que uma de pH 0. Uma solução de pH 2 tem dez vezes menos prótons que uma de pH 1 (e, por consequência, cem vezes menos que uma de pH 0). Quanto mais baixo o pH, mais ácida é a solução. A escala está ao contrário. É por isso que um ácido de pH 0 é muito mais forte que um de pH 5.

Para obter um pH negativo, portanto, basta arranjar uma solução que tem mais do que um mol de prótons. Acidos extremamente fortes são difíceis de descrever, para isso existe a função de acidez de Hammett, que é química em nível universitário. Em laboratório, já se obteve ácidos com pH inferior a -20. Evidentemente eles não estavam diluídos em água: estamos falando de química extremamente avançada. Um estímulo divertido para quem está achando as aulas do ensino médio sonolentas demais. 

 

 

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