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Faro de morte

Este gato previu a morte de 25 pessoas. Como explicar as habilidades misteriosas dos animais?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h37 - Publicado em 31 ago 2007, 22h00

Texto Paula Scarpin e Ivan Paganotti

Oscar, o gato, não é lá muito amigável com quem ainda tem um pouco de saúde na ala dos pacientes terminais. Geralmente ele fica alheio às pessoas ao seu redor. Passeia pelos corredores e até entra nos quartos, mas nunca fica lá dentro. Ou melhor, quase nunca. Ele se afeiçoa a alguns poucos pacientes – sobe na cama e se enrola perto deles. Ronrona serenamente. Em 4 horas, no mais tardar, o eleito de Oscar já não estará no reino dos vivos. Oscar até hoje não falhou. Foram 25 visitas e 25 mortes.

Parece uma história barata de terror, dessas que se valem de mitos e preconceitos ancestrais para demonizar os pobres felinos. Mas não: os pormenores do caso foram narrados na New England Journal of Medicine, uma das mais conceituadas publicações médicas do mundo. O autor do texto é o geriatra David Dosa, que trabalha na unidade de demência terminal do Hospital Rhode Island, em Providence, EUA. Lá ele teve a oportunidade de observar as andanças infalíveis do gato Oscar.

Do periódico acadêmico, Oscar saltou para as manchetes do mundo todo, algumas sensacionalistas. Antes que a reputação do gato seja arranhada, é preciso deixar claro que Dosa descartou qualquer hipótese sobrenatural e nunca acusou Oscar de causar os óbitos. Morte, aliás, é um evento nada anormal onde o bichano mora. A tal unidade de demência terminal é uma instalação médica que os americanos chamam de hospice: um lugar para onde os idosos são mandados justamente para passar seus últimos dias com conforto e, principalmente, companhia em tempo integral. Cães e gatos são bem-vindos nesse ambiente.

Feita a ressalva, não deixa de ser assombroso o estranho talento de Oscar. “Num ano, ele perdeu só uma morte, mas foi em um caso em que duas pes­soas morreram ao mesmo tempo”, diz Dosa. O próprio médico se diz espantado. “Como cientista, eu creio que existe uma explicação, mas testemunhar esse fenômeno pode ser uma experiência muito espiritual.”

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O etólogo (especialista em comportamento animal) César Ades, da USP, aponta uma razão para esse espanto: “A mente humana tende a estabelecer relações causais a partir de coincidências”. Ele rejeita palavras como previsão, sensitividade ou profecia – não sem uma pitada de reticência. “Eu não nego que animais possam ter premonições, mas ainda não vi nada que me provasse isso.” Vamos, portanto, limitar as especulações à ciência ortodoxa, careta.

A chave dos poderes de Oscar está, provavelmente, nas capacidades sensoriais ainda inexplicadas dos animais. Muitos mitos a respeito dos bichos nascem dessa incompreensão. Veja o caso do morcego, relacionado a forças malignas por voar na escuridão: sua visão é muito inferior à das pessoas, mas ele é dotado de um sistema que o permite emitir e ouvir ultra-sons – sons de freqüências superiores às audíveis pelos humanos – e consegue se orientar espacialmente com essa espécie de sonar. Elefantes, ao contrário, são sensíveis aos infra-sons – o que permite, por exemplo, a um indivíduo desgarrado encontrar a manada mesmo que ela esteja a muitos quilômetros de distância.

Em cães e gatos, o olfato é particularmente desenvolvido. Isso pode vir a explicar o dom de Oscar, na opinião da química Bettina Malnic, da USP. Segundo ela, nossos estados físicos ou emocionais têm uma contrapartida hormonal – o que resulta em odores específicos. “Talvez o homem também perceba isso, mas de forma inconsciente.” David Dosa concorda. “Eu acredito que Oscar possa ser atraído por um certo cheiro emitido por pessoas em processo terminal.”

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Em setembro do ano passado, outra revista científica, a British Medical Journal, publicou os resultados de um estudo sobre a possibilidade de cães detectarem a presença de câncer de bexiga. Como eles fazem isso? Farejando a urina do paciente. Um grupo de cachorros detectou corretamente o câncer em 22 dos 54 casos, o que significa 41% de acerto, quando a probabilidade desse diagnóstico ao acaso seria de apenas 14%.

Os cães pesquisados pelo tenente bombeiro Rodrigo Araújo nunca previram a morte de ninguém, mas são capazes de reconhecer um cadáver até debaixo d’água. Ele estudou os cachorros que trabalham em resgate de afogados, para sua tese de mestrado na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. “O cão é muito sensível aos odores cadavéricos, principalmente dos tecidos que estão em constante oxidação: são mais de 2 000 componentes produzidos pelo corpo que podem ser identificados”, afirma. Na superfície, os animais-bombeiros guiam os barcos aonde o corpo está submerso. “Alguns cães podem até distinguir uma vítima viva de um cadáver – depende do treinamento”, conta Rodrigo. “É o mesmo princípio da detecção de drogas, de bombas ou de compostos incendiários.”

Tá bom, isso é menos impressionante que os feitos de Oscar. Ainda não há estudos específicos sobre a habilidade desse felino. Assim, o doutor David Dosa já se acostumou a ouvir gente chamar o gato de “anjo” ou “anjo da morte”. “Se as enfermeiras encontram Oscar num quarto, elas nos informam. Se ele entra e fica, os parentes do paciente são chamados”, diz o geriatra. E, se a família é religiosa, convoca-se um sacerdote para prestar os últimos ritos. Ele não vai perder a viagem.

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Para saber mais

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A Day in the Life of Oscar, the Cat

Artigo de David Dosa para a New England Journal of Medicine. content.nejm.org/cgi/reprint/357/4/328.pdf

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