Fósseis da nossa época serão escavados em uma camada de plástico
Arqueólogos do futuro encontrarão restos fossilizados dos seres vivos do mundo de hoje; só que misturados com uma generosa quantidade de microplásticos
Depois da Idade da Pedra, do Bronze e do Ferro, a humanidade parece viver a Idade do Plástico: uma era em que a poluição causada pelos polímeros sintéticos é onipresente em todo o planeta e começa a formar uma camada cada vez mais densa de partículas no leito dos oceanos. É a conclusão de uma pesquisa inédita que fez uma avaliação detalhada sobre a evolução da concentração de microplásticos nos sedimentos marinhos.
Pesquisadores do Instituto Scripps de Oceanografia, vinculado à Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA, analisaram uma amostra que contém 36 centímetros de camadas sedimentares, coletada em 2010 a mais de 1,6 quilômetro da costa de Santa Bárbara. Esse material corresponde aos depósitos de minerais acumulados no leito oceânico entre 1834 e 2009. Descobriram que a quantidade de plástico é tão alta que entrou nos registros fósseis.
Isso significa que, daqui a séculos ou milênios, paleontólogos que estiverem escavando o estrato geológico equivalente ao período que estamos vivendo hoje irão encontrar animais fossilizados em meio a uma camada plástica que se torna mais espessa a cada ano. Os cientistas quantificaram esse aumento: a concentração de plástico no fundo do mar dobra a cada 15 anos. De 1945 até os dias de hoje, a escalada foi exponencial.
O estudo publicado na última quarta (4) no periódico Science Advances verificou uma correlação clara entre o crescimento na produção mundial de plástico com o tanto de partículas que acabam sendo depositadas no leito dos oceanos. No gráfico que sobrepõe os dois valores anuais, as linhas andam praticamente juntas.
A medida mais recente realizada pelos pesquisadores foi para o ano de 2010. Com mais de 2,5 milhões de toneladas de plástico produzidas por ano, quase 40 partículas de polímeros artificiais caíam em um quadradinho de 10x10cm de sedimentos do fundo do mar. Mesmo que os indicadores sejam desatualizados, de dez anos atrás, não há nenhum motivo para crer que os padrões de produção, consumo e descarte tenham diminuido. Pelo contrário.
Além de mensurar o tamanho do problema da poluição por microplásticos nos oceanos, os cientistas da Universidade da Califórnia também puderam revelar a origem das partículas. E a constatação foi surpreendente: dois terços delas, a grande maioria, vêm das roupas que vestimos. Tecidos sintéticos como o poliéster e o nylon soltam fibras de plástico que não se biodegradam. Estima-se que uma única lavagem de roupa libere 700 mil desses poluentes.
Sem filtros nas casas nem nas usinas de tratamento, no fim tudo isso deságua no oceano. Outros grandes culpados são as embalagens de produtos, que vão se fragmentando em pedacinhos cada vez menores (um quinto do total de partículas) e o plástico-filme (um décimo). Sabe-se que os seres humanos ingerem dezenas de milhares de microplásticos por ano, que podem emitir toxinas e penetrar em tecidos do organismo.
Mas como destacou Jennifer Brandon, líder do estudo, em entrevista ao jornal inglês Guardian, o fato de que o plástico entrou nos registros fósseis levanta acima de tudo uma questão existencial. “Todos nós aprendemos na escola sobre a Idade da Pedra, do Bronze e do Ferro — será que a nossa será conhecida como a Idade do Plástico? É assustador pensar que nossas gerações serão lembradas por isso.” Bem-vindo ao Antropoceno.