Fotos de células: Retratos do corpo humano
Fotografias de células tiradas pelo cientista italiano Pietro Motta.
O ângulo é insólito – o lado de dentro do organismo. Em primeiro plano, às vezes aparecem estruturas com milionésimos de milímetro. Trata-se de fotos magníficas do cientista italiano Pietro Motta, especialista em flagrar as paisagens criadas pelas células
O trabalho do fotógrafo é meticuloso. Antes de posar diante das lentes, o objeto – no caso, uma amostra de tecido humano – deve ser preparado. Ou seja, é preciso passar pelo processo de fixação, retirando toda a água no interior das células. Feito isso, a imagem congela, isto é, nada sai do lugar. Resta cobrir a superfície com uma finíssima camada de ouro, e disparar a máquina fotográfica, acoplada a um potente microscópio eletrônico de varredura ou scanner. Caso contrário, o feixe de elétrons, emitido pelo aparelho, pode queimar o tecido exposto. Todos esses cuidados são tomados pelo professor Pietro Motta, antes de uma sessão de fotos. “Vale a pena, pelas paisagens que conseguimos captar”, diz ele, um dos pioneiros nessa modalidade de Microscopia, diretor do Instituto de Anatomia de Roma, na Itália.
Motta começou a trabalhar com o microscópio de varredura há 25 anos, quando se formava em Medicina na Universidade de Messina, na Sicília, sul do país. Desde então, não largou mais esse instrumento de pesquisa. Ao contrário das ondas luminosas, os feixes de elétrons não penetram nas células. Com isso, não apontam organelas internas, como o núcleo; que guarda os genes ou as mitocôndrias, produtoras de energia. Em compensação, no ziguezague de bater na superfície e voltar, o feixe de elétrons do microscópio de varredura – até por ser muito mais fino do que a onda luminosa – acaba mostrando detalhes do relevo celular.
Como cor tem a ver com luz, infelizmente o mundo revelado pelos elétrons é sempre em preto e branco. Mas no departamento de Motta trabalham artistas plásticos que colorem foto por foto a mão. Boa parte desse trabalho, publicado nos catorze livros do anatomista italiano, poderá ser vista, no Brasil, durante o XVIII Congresso Luso-Brasileiro de Anatomia, entre os dias 11 e 15 de julho, na Escola Paulista de Medicina. “O avanço da microscopia de varredura tem um enorme impacto para a ciência”, opina o médico Aldo Junqueira Rodrigues Júnior, professor de Anatomia da Universidade de São Paulo. “Ao conseguir enxergar particularidades das células, a gente fica sabendo mais sobre a maneira como funcionam.”
De fato, o formato de qualquer estrutura do corpo sempre expressa a sua função. Ao observar pela primeira vez uma célula, em 1663, o biólogo inglês Robert Hooke (1635-1703) não fazia idéia de que ela podia apresentar milhares de formas diferentes. No organismo humano há cerca de 250 tipos celulares, cada um com aparência própria. Essa variedade não é capricho da natureza: o perfil achatado do glóbulo vermelho, por exemplo, facilita a captação de moléculas de oxigênio. O cérebro, por sua vez, não associaria tantas idéias se suas células não se comunicassem tão bem, graças aos axônios, ramificações que interligam os neurônios.
Já o óvulo se destaca pelo tamanho, cerca de 100 vezes maior do que a média das células. Faz sentido: ele precisa armazenar uma porção de nutrientes, que vão alimentar o embrião nos primeiros dias de vida, quando ainda não está formada a placenta. Os adipócitos são os campeões da elasticidade, pois guardam a gordura acumulada: enchem ou esvaziam, conforme a pessoa engorda ou emagrece. Essa variedade cria seis espécies básicas de tecidos: o sangue; o germinativo, encarregado da reprodução; o epitelial, que reveste todos os órgãos: o conjuntivo, que serve de forro às estruturas do corpo humano; o contrátil, representado pelos músculos; o nervoso, do cérebro e dos nervos. “No microscópio, eles parecem regiões completamente diferentes, de um planeta desconhecido”, compara Motta.
Uma viagem sobre o relevo acidentado dos órgãos
Na superfície da língua, há valas com cerca de 1 milímetro de diâmetro, em que os alimentos costumam cair (à direita). São as papilas gustativas, revestidas de sensores de sabor – a da foto é especialista em captar o gosto amargo. A parede do estômago, por sua vez, parece ser coberta por vulcões (acima). As células estomacais formam morros ao redor de crateras. No fundo desses buracos, ficam as glândulas que expelem o suco gástrico. Em amarelo na foto, porém, o que se vê são restos de comida. Na traquéia, as células ciliadas lembram algas (esverdeadas, na imagem), cujos movimentos varrem eventuais partículas de sujeira do ar, para que não entrem nos pulmões; a limpeza é facilitada pelo muco, produzido pelas glândulas entre os cl1ios (em amarelo).
Na junção do intestino delgado (em azul) com o grosso (em amarelo), há uma mudança abrupta de mucosa. A segunda é mais espremida, com mais reentrâncias, porque o intestino grosso precisa de uma superfíce maior, para absorver toda a água dos alimentos e formar as fezes
No ouvido interno, corre um rio de fluido (amarelo, acima). As ondas sonoras agitam esse líquido, o que faz vibrar três camadas de células ciliadas, em forma de V rebuliço, por sua vez, estimula a camada única de células no fundo (a última, avermelhada), capaz de transmitir os sinais auditivos ao cérebro
No interior dos rins, membranas extremamente porosas formam verdadeiros ramos, para envolver os microvasos sangüíneos como polvos. Graças a esse contato estreito, conseguem filtrar cerca de 100 litros de sangue por hora.