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Fungo sem mecanismos de reparo de DNA acelera atuação da seleção natural

O Hanseniaspora não corrige suas próprias mutações genéticas – e se reproduz aos trancos e barrancos, com cada vez mais "erros de digitação" em seu código.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
22 Maio 2019, 14h45

O material genético de um ser vivo qualquer – seja uma árvore, um cãozinho ou uma bactéria – sofre mutações a uma taxa mais ou menos constante. Essas mutações, na grande maioria dos casos, são neutras – isto é, não tornam seus possuidores nem mais nem menos aptos a sobreviver, pois não têm nenhum impacto na construção ou no funcionamento de seus organismos.

Para entender por quê, é preciso entender exatamente qual é a função do DNA.

O DNA armazena instruções para produzir proteínas. As proteínas são as moléculas que fazem tudo no nosso corpo. Seus músculos são feitos de proteínas (actina e miosina). Suas unhas (queratina) também. São proteínas que digerem os carboidratos que você come (amilase) no momento em que eles tocam a saliva. Na verdade, a função do DNA é armazenar instruções para a fabricação das nossas 92 mil proteínas. 

As proteínas são cadeias de moléculas menores chamadas aminoácidos. São 20 aminoácidos ao todo, que podem ser encadeados em qualquer quantidade e ordem – da mesma maneira que um artesão hippie pode montar um colar com um sem número de combinações de miçangas diferentes. É a sequência de aminoácidos que determina qual será a função da proteína, e o que o DNA faz é armazenar essa sequência.

Cada conjunto de três letrinhas de DNA corresponde a um aminoácido. O problema é que, como há 64 combinações de letras possíveis, mas só 20 aminoácidos, acaba existindo mais de uma sequência para cada aminoácido: TTA, TTG, CTT, CTC e CTA correspondem todos ao aminoácido leucina, por exemplo.

Esse é um mecanismo de segurança, um safe switch contra aberrações: se uma mutação trocar TTA por TTG, a nova sequência de letras continua codificando o mesmo aminoácido, e a proteína sai inalterada. Esse é um dos jeitos de uma mutação ser neutra: ela altera as letras de um trecho de DNA, mas essa alteração não se reflete na sequência de aminoácidos da proteína produzida por este trecho de DNA.

Acontece que o DNA não pode ser completamente imune a mudanças. Ele também precisa ser maleável o bastante para sofrer mutações sutis às vezes – afinal, sem mutações, não há variação, e sem variação, não há evolução. Por isso, o DNA foi calibrado pela seleção natural para sofrer mutações a uma taxa ideal: nem 8, nem 80.

“Uma população precisa de variação para se adaptar ao ambiente, mas a maioria das mutações é prejudicial”, explica o geneticista Nelson Fagundes, da UFRGS. “O que é melhor? Um sistema que gera menos mutações, mas engessa a evolução? Ou um sistema que cause mais problemas a curto prazo, mas dê mais potencial evolutivo?”

A maior parte dos seres vivos é parcimonioso nesse aspecto, e conta com complexos mecanismos de reparo de DNA, que entram em ação toda vez que uma célula vai se dividir – seja para gerar uma outra célula do próprio ser vivo (isto é, uma mitose) ou para gerar um gameta que dará origem a um novo ser vivo (isto é, uma meiose).

Agora, pesquisadores das universidades Wisconsin-Madison e Vanderbilt descobriram um fungo que optou pela segunda saída – e perdeu a maior parte dos mecanismos de reparo de DNA. No gênero Hanseniaspora, as mutações comem soltas – o que acelera a atuação da seleção natural, pois permite o nascimento de indivíduos com mais variações inatas em sua aptidão para sobreviver.

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“A velocidade com que os genomas dessas leveduras sofrerem mutações não tem precedentes. A divisão celular deles é extremamente rápida, mas também errante. Eles preferem quantidade em vez de qualidade, por assim dizer”, explicou em comunicado oficial Antonis Rokas, chefe do laboratório em que foi realizado o estudo.

Os Hanseniaspora têm diversas cicatrizes genéticas, causadas tanto por processos de desgaste naturais (como a oxidação) quanto por fatores externos (como exposição à radiação solar UV). Ao contrário do que ocorreria em seres vivos com os mecanismos de reparo de DNA em dia, essas mutações deletérias se acumulam sem receber nenhuma correção. Em seres humanos, um acúmulo similar aumentaria drasticamente as chances de desenvolver tumores. 

“Nós estamos animados para continuar estudando o Hanseniaspora”, diz Jacob Steenwyk, aluno de Rokas. “Há muito que nós podemos aprender sobre os processos básicos da vida com essas leveduras tão humildes.”

 

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