Assine SUPER por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Humor no laboratório

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 mar 2004, 22h00

Gabriel Pillar Grossi

Ciência, está no dicionário, é “conhecimento aprofundado de alguma coisa; noção precisa; processo racional usado pelo homem para se relacionar com a natureza e obter resultados que lhe sejam úteis; corpo de conhecimentos sistematizados que, adquiridos via observação e pesquisa, são formulados metódica e racionalmente”. Maluco, por sua vez, é “doido; dado a esquisitices e extravagâncias; excêntrico; inconseqüente; sem juízo; fora dos padrões considerados normais”. O que acontece quando esses dois conceitos se juntam? Pura diversão. Ciência maluca é a capacidade do ser humano de usar método (precisão, saber) para fazer coisas esquisitas e engraçadas.

Muita gente não gosta de ciência – ou não a entende. Porque acha que ela é muito séria, importante e, em muitos casos, distante da realidade. Coisa de cientista, sabe? Cientista, essa gente estudiosa, dedicada, estranha, esquisita… maluca. Não é à toa que o cientista maluco é um dos personagens preferidos de adultos e crianças de todas as idades. O professor Pardal e suas invenções tão estapafúrdias quanto geniais. O doutor Frankenstein e sua obsessão por criar a vida. Tantos aventureiros (na nossa fantasia, eles estão sempre de jaleco branco) que lutaram e ainda lutam para provar que é possível voltar no tempo e reescrever nossa história.

Uns tantos mal-humorados acham que a ciência é, de fato, muito importante para que alguém possa rir dela. Não é o caso dos cientistas retratados nestas páginas. Para eles, a ciência é humana, charmosa, divertida e envolvente. Serve para entender melhor o mundo à nossa volta – e não importa se isso significa estudar o cosmos ou se o pão cai mesmo com a manteiga para baixo. Tudo é uma questão de levar o objeto de estudo a sério. Sem ser chato. As histórias selecionadas para esta edição mostram como os pesquisadores são pessoas comuns, preocupadas com temas comuns, próximos do dia-a-dia de todos nós.

Continua após a publicidade

Nos Estados Unidos, por exemplo, dois temas dominam as mentes dos cientistas: universo e comida. Tanto que alguns conseguiram juntar os dois. É o caso dos trabalhos “O Efeito da Manteiga de Amendoim na Rotação da Terra” (nenhum, segundo os autores do artigo), “A Aerodinâmica das Batatas Chips” (cujos autores são funcionários da NASA que se dedicam a entender por que as batatinhas não têm boa autonomia de vôo) e “A Raclete a Laser” (que explica como usar caríssimos equipamentos de laboratório para preparar um lanchinho delicioso, o tradicional queijo derretido da culinária suíça).

É nos Estados Unidos também que trabalha o professor John W. Trinkaus, provavelmente o mais prolífico autor de estudos sem nexo do planeta. Sua especialidade são as pesquisas de comportamento. Em duas décadas de trabalho, ele já produziu teses para explicar por que os jovens gostam de usar bonés com a aba virada para trás, como as pessoas fazem para falar ao celular e dirigir ao mesmo tempo, por que as pessoas vão (ou não) à igreja. Para saber mais sobre a exuberante produção desse cientista nada convencional, que bem poderia ser eleito o padrinho desta edição especial da SUPER, leia o quadro abaixo.

É bem provável que muitos dos cientistas retratados nesta edição não tenham feito seus estudos pensando só em divertir, como o professor Trinkaus. Mas, em todos os casos, o resultado foi tão bom quanto. Alguns, de tão engraçados, já mereceram até um troféu por suas conquistas inusitadas: o Ig Nobel. Criado por Marc Abrahams, professor de Matemática de Harvard, o prêmio é uma espécie de oposição bem humorada ao Nobel. “Enquanto um consagra as melhores cabeças do planeta, o outro…”, diz Abrahams. O que não quer dizer que ele esteja aí para desmerecer a ciência. Nada disso. “O Ig quer mostrar que a ciência é muito humana, muito divertida e muito importante para não rir dela. É muito bom poder rir com os próprios cientistas enquanto eles riem do universo e de si próprios.”As engraçadíssimas histórias do Ig Nobel estão na próxima reportagem, nas páginas 16 e 17.

Continua após a publicidade

Depois dela, você vai conhecer algumas das fantásticas criações do artista plástico paulistano Guto Lacaz. Desde criança, ele adorava desmontar brinquedos e objetos para descobrir como funcionam. Estudou Eletrônica Industrial no colegial e Arquitetura na universidade. Apaixonado por ciência, considera-se um físico amador. Seu negócio é divertir (e divertir-se). “Basta liberar a imaginação para construir coisas novas usando outras, que já existem”, afirma. Na verdade, Guto vai muito além disso. Usando conceitos de Física, como óptica, movimento e energia, ele monta objetos ao mesmo tempo práticos e surreais, funcionais e absurdos. É, à sua maneira, um cientista maluco. “Muita gente acha que arte e ciência não combinam, que uma só quer a contemplação enquanto a outra busca coisas práticas. Mas um foguete também é uma escultura. Eu não vejo grande distinção entre a arte que faço e um trabalho científico. Nos dois casos, é preciso partir da intuição para chegar a um resultado, o que exige muitas horas de dedicação.”

É exatamente esse o ponto. Para criar uma máquina que coloca a cereja na taça de sorvete, como se pode ver na ilustração da página anterior, é preciso muito trabalho. Tanto quanto foi empregado pelos pesquisadores para descobrir quantos tipos de feijão existem dentro de uma lata de sopa (leia na página 45), o que acontece com ratos que ouvem música clássica ou tecno (página 27), como se constrói uma cama capaz de se movimentar só para evitar que o dono comece a roncar (página 37). Tudo pode parecer muito doido (e de fato é), mas quem garante que tais estudos não se tornarão “comuns” ou “relevantes” em alguns anos?

A penicilina, o teflon, os Raios-X, o princípio das vacinas e até as leis da gravitação universal (entre tantas outras conquistas) foram descobertos por acaso – e, certamente, ninguém teve condições de avaliar seu real alcance num primeiro momento. Não basta ter rigor, precisão e confiabilidade. É preciso também deixar o improviso ocupar seu espaço. Desatinos científicos que nos fazem rir podem apontar rumos para futuras investigações e abrir portas que pareciam fechadas.

Continua após a publicidade

Não é porque uma pesquisa é engraçada que ela é má ciência. Ao contrário. As histórias publicadas aqui são engraçadas e boa ciência. Leva todos os procedimentos a sério e, por isso, é muito importante. Nos faz rir, mas logo nos deixa pensativos. Como saber, por exemplo, se o Barney é apenas um boneco roxo que aparece na televisão ou é mesmo um dinossauro? Foi essa dúvida que levou um grupo de pesquisadores a classificar o bicho conforme as técnicas básicas da Biologia. No artigo “A Taxonomia de Barney”, eles comparam (usando todos os métodos científicos conhecidos) as características do bichinho com as de dinossauros, mamíferos (baleias e homens), pássaros e peixes. Quer coisa mais científica e, ao mesmo tempo, mais divertida?

O que dizer, então, da pesquisa realizada pelo inglês Robert Matthews? Intrigado com essa tal Lei de Murphy, segundo a qual o que pode dar errado… vai dar errado, ele resolveu investigar se o pão cai mesmo com a manteiga para o lado de baixo. Os resultados foram publicados na prestigiada Revista Européia de Física. “Como a massa da manteiga (cerca de 4 gramas) é pequena em comparação à massa do pão (cerca de 35 gramas), sua contribuição para a inércia do pão e, em conseqüência, seu efeito na rotação do alimento, é nula.” Nem por isso o professor desprezou o experimento. Com a ajuda de estudantes voluntários, ele derrubou 9821 fatias devidamente lambuzadas de manteiga de cima de uma mesa. No total, 6101 de fato caíram com a manteiga para baixo. O porcentual, de 62%, é bem acima dos 50% esperados para uma experiência desse tipo, o que levou Matthews a concluir que a Lei de Murphy tem, sim, validade. Na conclusão, o cientista sugere que as pessoas passem a manteiga na parte de baixo do pão, evitando sujar o piso em caso de acidente. O trabalho é pura Física – temperada com enormes doses de bom humor. São histórias como essa que você vai encontrar nas próximas páginas. Histórias que provam que a ciência, quando se deixa levar por seu lado maluco, fica muito interessante. Divirta-se.

Curiosidade insaciável

Nada escapa ao professor John W. Trinkaus, da Universidade da Cidade de Nova York. Sua especialidade são os temas de comportamento. Em duas décadas e meia, ele já publicou mais de 100 trabalhos, batizados de “Um Olhar Informal”.

Continua após a publicidade

A estréia foi em 1978, com um texto sobre jurados. Depois de dezenas de entrevistas, ele concluiu que existem pessoas que querem e outras que não querem participar de julgamentos.

Nos anos 1980, Trinkaus escreveu “Um Olhar Informal” sobre quantos carros passam no sinal vermelho. Revelou que, sim, muita gente não respeita a sinalização.

De tão fascinante, o tema rendeu mais tarde quatro novos artigos: “Um Outro Olhar”, “Um Olhar Mais Aprofundado”, “Uma Revisão” e “Último Olhar”.

Continua após a publicidade

O professor descobriu ainda que, nos trens e metrôs, a maioria das pessoas prefere sair por uma porta que já esteja aberta – em vez de abrir outra. Dentro da estação, ele aproveitou para aprender mais sobre o comportamento humano. E mostrou que 34% das mulheres e 7% dos homens usam tênis. O mais incrível é que 79% desse homens e 34% dessas mulheres preferem tênis brancos. O estudo, porém, não explica se as pessoas realmente preferem essa cor ou se a porcentagem reflete apenas a oferta das lojas.

No supermercado, Trinkaus observou ainda o comportamento das pessoas na fila do caixa rápido. E provou que apenas 15% delas respeitam o número limite de itens dentro do carrinho. Em 1994, nova pesquisa demonstrou que, nas escolas dos bairros centrais, 40% dos jovens que usam boné preferiam deixar a aba para trás, enquanto apenas 10% faziam o mesmo na periferia. Dois anos mais tarde, a surpreendente revelação: a moda tinha se espalhado para os bairros.

Por fim, uma análise lingüística. Em junho de 1997, cada vez menos nova-iorquinos usavam “sim” – em 59,4% dos casos, as pessoas falaram “absolutamente”; em 27,9% das perguntas, “exatamente”; e em apenas 12,6% dos testes, o bom e velho “sim”. Dá vontade de ficar pensando quais serão os novos temas de estudo do professor Trinkaus. Melhor é deixá-lo nos surpreender com sua curiosidade insaciável.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.