Lesma marinha decapita a própria cabeça e cria um corpo novo a partir dela
Molusco consegue recuperar seu tamanho completo em 20 dias. E enquanto isso, usa a cabeça para vagar a procura de alimento – veja vídeo.
No reino animal, perder um pedaço do corpo não necessariamente significa ter que abandonar para sempre a parte faltante. Certos anfíbios e répteis, por exemplo, são craques em repor membros perdidos: salamandras, lagartixas e lagartos sabem fazer crescer pedaços de cauda decepados – e, mais recentemente, cientistas descobriram que jacarés também compartilham a habilidade.
Mas, por mais esforçados que esses vertebrados sejam, eles ainda ficam bem atrás de seres mais simples, como platelmintos (vermes de corpo achatado). Para esses, perder mais da metade do corpo – ou precisar recriá-lo por completo a partir da cabeça – é nada além de uma segunda-feira agitada. Platelmintos podem ser reduzidos a pedacinhos minúsculos e, ainda assim, recuperarem seu tamanho original.
Agora, cientistas encontraram evidências inéditas de um molusco que consegue funcionar da mesma maneira. A lesma marinha Elysia cf. marginata é capaz de “decepar” sua própria cabeça e, enquanto vive semanas a fio apenas com ela, produzir um corpo novo do zero. Olhando apenas para o peso, é possível estimar que a cabeça represente apenas 20% do total. Isso quer dizer que a tal lesma-fênix recria 80% de sua massa corporal. Mas, diferentemente dos platelmintos, que não têm que se preocupar com órgãos internos, a tarefa das Elysia cf. marginata é bem mais complexa.
“Nós pensávamos que elas morreriam logo sem o coração e outros órgãos importantes, mas nos surpreendemos novamente ao descobrir que elas regeneraram o corpo inteiro”, disse Sayaka Mitoh, pesquisadora da Universidade das Mulheres de Nara, do Japão, que assina o estudo. Você pode ler o artigo, que foi publicado na revista científica Cell Biology, clicando aqui.
Separar uma parte do restante do corpo, ainda que seja um movimento contra-intuitivo, é comum entre uma série de espécies. Trata-se de um comportamento que os cientistas chamam de “autonomia”, e pode ser usado em situações em que os animais se sintam ameaçados – e julguem que a melhor saída seja viver com uma parte menor do corpo. É o caso de infestações de parasitas, por exemplo, onde abandonar a parte mais comprometida pode ser mais negócio do que lidar com a infecção.
Cinco das 15 lesmas analisadas pelos pesquisadores apresentaram esse comportamento. As lesmas marinhas bem sucedidas eram as mais jovens e, horas depois de ficarem apenas com sua cabeça, já conseguiam arrastá-la para se alimentar. Você pode assistir a um vídeo que mostra a cabeça autônoma abaixo. Spoiler: é tão bizarro quanto possa parecer.
Em uma semana, as cobaias recriaram um coração funcional e, ao fim de 20 dias, o corpo inteiro estava novinho em folha. Os restos abandonados dos corpos não tinham a mesma sorte, e acabavam morrendo em poucos dias.
Os pesquisadores contam que, no experimento, a idade dos bichos pareceu ser crucial. Enquanto as cabeças de lesmas mais velhas eram capazes de se locomover sozinhas e comer algas, as mais velhas não conseguiam se alimentar.
Mas de onde as lesmas conseguem tirar forças para fazer seu corpo crescer de novo? A hipótese dos cientistas é que, quando elas comem as algas, conseguem absorver estruturas chamadas de cloroplastos – partes de células vegetais que as plantas utilizam para capturar a luz solar na fotossíntese. As lesmas podem manter os cloroplastos vivos por semanas, e usá-los para obter a energia necessária para a substituição gradual do organismo. Lesmas mais velhas, no entanto, não compartilham dessa mesma habilidade.
E como as cobaias permanecem vivas mesmo sem vários órgãos durante quase um mês? Bem, isso permanece sendo um mistério. O fato é que, quando o assunto são as lesmas Elysia, sempre dá para ficar mais estranho.