Macacos-prego adolescentes sequestram filhotes de outra espécie por puro tédio
A falta de predadores e a abundância de comida pode ter feito com que esses macaquinhos procurassem por fontes (criminosas) de adrenalina.

A Ilha Jicarón, no sul do Panamá, é um pedaço de terra desabitado por humanos. Por lá, a sociedade que prospera é outra: a dos macaquinhos-prego.
Em 2017, pesquisadores instalaram câmeras para acompanhar a vida dos pequenos primatas, como se fosse um reality show. Agora, os vídeos começaram a render um tipo estranho de entretenimento. Isso porque os macacos-prego macho andam sequestrando bebês bugios (também conhecidos como macacos-uivadores) – e ainda não se sabe o motivo.
Entre os anos de 2022 e 2023, pelo menos 11 bebês foram sequestrados. O esquema foi criado e liderado por Joker (“Coringa”, em português), um macaco-prego jovem que ganhou o nome do vilão do Batman pela cicatriz que leva em sua boca – e, ao que tudo indica, pelos crimes cometidos. Em janeiro de 2022, Joker foi visto carregando um filhote de bugio em suas costas.
Joker e seu refém ficaram juntos até fevereiro. No começo, os pesquisadores envolvidos imaginaram se tratar de uma adoção. Um caso parecido já foi registrado aqui no Brasil, diga-se, quando uma macaquinha-prego fêmea adotou e amamentou um filhote órfão de sagui.
Porém, a hipótese logo foi abandonada: Joker é macho e em nenhum dos vídeos registrados ele é visto cuidado do sequestrado. Além disso, em algumas gravações era possível escutar o chamado dos bugios que buscavam pelo bebê e do próprio bugiozinho que chamava por sua mãe. Segundo os autores do estudo, o pequeno provavelmente morreu de fome sem os cuidados necessários.
Nos meses seguintes, Joker coringou pra valer. Ele foi visto com outros três bebês bugios em suas costas, em momentos distintos. Logo depois, os pesquisadores notaram que quatro outros macacos-prego macho foram vistos carregando filhotes de bugio vivos nas costas ou na barriga.
A soma totaliza um total de 11 macaquinhos levados de suas mães pela quadrilha e a taxa de sobrevivência parece ser zero. “Os macacos-prego não faziam mal aos bebês, mas não conseguiam fornecer o leite de que precisam para sobreviver”, afirma a pesquisadora do estudo, Zoë Goldsborough, em um comunicado do Instituto Max Planck de Comportamento Animal. As descobertas foram publicadas na revista Current Biology.

Os macacos-prego carregaram os filhotes por dias com pouca interação: nenhuma brincadeira, agressão mínima e pouco interesse. Pobres bugios.
O efeito manada surpreende os pesquisadores. Para Patrícia Izar, bióloga pela Universidade de São Paulo e responsável pela identificação do caso de adoção entre macaco-prego e sagui, “essa observação é particularmente intrigante porque são raros os exemplos de disseminação social de tais comportamentos sem benefícios aparentes de aptidão em animais que não sejam humanos”, disse à National Geographic.
A questão é que roubo de criancinhas é uma brincadeira comum entre esses macacos, mas que costuma acontecer dentro da própria espécie. Os machos comemoram quando conseguem pegar um bebê de suas mães – são pequenos capetinhas que gostam de pregar peças – e se mantêm com o bebê até que comecem a chorar e estraguem a diversão. Nesse estágio, largam o macaquinho por aí.
Por sorte, as mães costumam estar por perto para recuperar a criança. Além disso, pesquisadores acreditam que os bebês com os quais os sequestradores desenvolvem um relacionamento próximo no início muitas vezes crescem e se tornam aliados com quem eles podem se arriscar em outros grupos para acasalar, uma espécie de síndrome de Estocolmo.
“ [O roubo interespécies] nunca foi observado em nenhum outro lugar, nem nesta ilha nem em nenhuma outra população de macacos-prego”, afirma Goldsborough em comunicado.
“Para mim, parece menos que eles querem ficar com os filhotes de bugios por estarem muito interessados neles e em interagir com eles, mas sim que os carregam como um ‘acessório’ e estão interessados no comportamento de carregar os filhotes”, explicou a autora para o site ScienceAlert. Ainda diz que é possível que os outros macacos quiseram copiar a tendência lançada por Joker.
Sem nada para fazer
Outra hipótese defendida pelos autores é que os sequestros são resultados de um problema maior: o tédio. No continente, os macacos-prego precisam tomar cuidado com predadores. Já na Ilha Jicarón, com poucas ameaças e comida à disposição, os jovens primatas talvez estejam apenas entediados.
“Acreditamos que as condições na ilha, especialmente a ausência de predadores terrestres e a potencial maior quantidade de tempo livre, são muito propícias à inovação e disseminação de comportamentos”, explicou Goldsborough ao ScienceAlert. “Animais que vivem em ilhas sem predadores — ou em zoológicos, onde também estão seguros e bem alimentados — costumam ser mais inovadores e melhores no uso de ferramentas”, disse a pesquisadora à Nat Geo. Vale lembrar que os bichinhos são conhecidos por usarem pedras para resolver problemas.
Em muitos casos, o que os animais entediados podem ser inúteis ou até irritantes, diz Brendan Barrett, também autor da pesquisa, à Nat Geo. “Já vi macacos-prego limpando porcos-espinhos e dando tapinhas no traseiro de vacas. Eles mexem com tudo. Estão constantemente testando e interagindo com o mundo.”
Barrett e Goldsborough esperam que esse comportamento desapareça logo, ou que os bugios se adaptem para proteger melhor seus filhotes. Além disso, dizem que enxergam muito do comportamento humano nas descobertas da pesquisa: “[O estudo] é como um espelho que reflete sobre nós mesmos”, disse Barrett para a CNN, “aparentemente fazendo coisas para outras espécies que podem prejudicá-las e parecem atrozes, sem nenhum propósito real.”