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Micróbios construíram o 1º reator de fissão nuclear há 1,7 bilhão de anos

Conheça a história de Oklo, no Gabão, onde condições geológicas únicas permitiram que uma usina nuclear de humildes 100 kW se formasse naturalmente.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 fev 2024, 14h55 - Publicado em 16 fev 2024, 14h47

Alguns átomos são grandes demais para o próprio bem. Seus núcleos são um grande fuzuê de prótons e nêutrons configurados de uma maneira instável. É o caso, por exemplo, do isotópo 235 do urânio.

Quando esses átomos se quebram em átomos menores seja de maneira natural e espontânea, seja porque foram induzidos pelo ser humano a fazer isso –, temos um processo conhecido como fissão nuclear, que libera um bocado de energia. 

A fissão de um único átomo de urânio pode emitir nêutrons avulsos que vão colidir com outros átomos ao redor e quebrá-los também. Essa reação em cadeia de fissões, que está por trás das bombas nucleares, libera milhões de vezes mais energia que qualquer explosão de origem química.

Em uma usina nuclear civil, os reatores são estruturas projetadas para permitir que o processo de fissão se desenrola de maneira controlada, liberando energia aos poucos para a rede elétrica das cidades abastecidas.

O que nos leva ao tema do post: alguns lugares podem se tornar reatores de fissão naturais unicamente em virtude da geologia local, sem nenhuma intervenção humana. Isso aconteceu há 1,7 bilhão de anos onde hoje se localiza a mina de Oklo, no país africano do Gabão.

(Nessa época, não só não existiam pessoas como sequer existiam animais – ou qualquer outro ser macroscópico. Toda a vida na Terra era microbiana.)

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Estima-se que esse processo de fissão espontânea tenha se mantido por algumas centenas de milhares de anos, e que o calor liberado fosse da ordem de 100 kW. Essa taxa é suficiente para abastecer de forma contínua dezenas de casas, 225 computadores ou mil lâmpadas comuns.

Vamos explicar resumidamente o que aconteceu por lá.

Tudo começou graças a um solo de argila com pequenas concentrações de urânio. Átomos de urânio estão por todas as partes na natureza e vêm essencialmente em dois tipos: o urânio-238 (que é o mais comum e relativamente inofensivo, uns 99% do total) e o urânio-235 (que o mais instável, usado em usinas, e também o mais raro: 0,7% do total).

A porcentagem de urânio do tipo perigoso, na Terra, está sempre caindo ao longo do tempo, porque esses átomos instáveis vão se desfazendo naturalmente. A concentração atual, de 0,72%, sequer é suficiente para fazer uma bomba ou abastecer uma usina (e por isso que se realiza o tal “enriquecimento de urânio”: o objeto é aumentar artificialmente a concentração do isótopo 235).

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Quando a Terra se formou, a concentração de urânio-235 era de 17%. E quando os reatores de Oklo se formaram, 3%. Essa porcentagem é suficiente para dar início a uma reação em cadeia sem nenhum enriquecimento. Eis aí o sonho de uma noite de verão dos cientistas nucleares.

Voltemos ao solo de argila. Quando chovia em Oklo, a água atravessava o solo e acabava levando consigo um pouco desses átomos de urânio. E assim eles iam se acumulando em poços subterrâneos.

Nesses poços, havia micróbios (mais precisamente, minúsculas algas fotossintetizantes) que, como qualquer ser vivo, consomem água. Conforme eles absorviam água, o urânio se acumulava em seus corpinhos. E quando eles morriam, seus cadáveres iam se acumulando no fundo dos poços.

Isso ia criando uma concentração cada vez maior de urânio no leito, até a reação de fissão se iniciar naturalmente. Com um requinte de sofisticação: essas reações só acontecem mesmo dentro da água, já que o líquido desacelera os nêutrons na velocidade necessária para desencadear o efeito dominó.

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Outra característica única do lugar é que a fissão só ocorre satisfatoriamente se houver oxigênio diluído na água, algo que é regra na Terra atual, mas não era no planeta de antigamente, quando ainda não havia seres fotossintetizantes aos montes injetando o gás na atmosfera. Pode trazer mais um prêmio de engenharia para as algas.

Por fim, há o fato de que o calor gerado pelo urânio evaporava a água e secava os poços de tempos em tempos, interrompendo a reação de fissão até que líquido suficiente se acumulasse de novo para reiniciar o processo. Ou seja: o sistema é tão engenhoso que tinha até um botão de liga-e-desliga natural.

Esses micróbrios pioneiros da engenharia nuclear, vale dizer, causaram um bocado de dor de cabeça para os humanos de um passado recente.

Em 1972, quando pesquisadores franceses descobriram Oklo (o Gabão era uma colônia francesa), eles ficaram com medo de que terroristas ou países inimigos houvessem roubado urânio-235 da região, já que a concentração estava bem abaixo da verificada normalmente. Quem diria: o material mais precioso da Guerra Fria já havia ido embora muito antes disso.

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