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Miniarquiteto: o beija-flor e seu ninho

Características do beija-flor, uma das aves mais versáteis da natureza, capaz de desacelerar o próprio metabolismo para poupar energia, ou de ficar imóvel no ar como um helicóptero. A construção de seu ninho é uma verdadeira obra de engenharia.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 31 mar 1994, 22h00

Januária Cristina Alves

A área construída, geralmente circular, com um raio de 3 ou 4 centímetros, poucas vezes alcança 10 centímetros quadrados. E a construção é tão frágil quanto poderia ser — amarrada com fios de teia de aranha, coletados com paciência nos jardins ou nas matas, e colados com saliva sobre materiais quase tão leves como o ar. Os mais comuns são chumaços de paina, fiapos de musgos e líquens, e lascas tiradas da raiz ou da casca de diversas plantas. Esse é o material exigido pelos cinco projetos de ninho, idealizados pelos beija-flores. A classificação foi feita pelo naturalista capixaba Augusto Ruschi — especialista em beija-flores, mais conhecido por sua morte trágica, intoxicado por uma rã venenosa, em 1986.

Basicamente, os ninhos seguem duas fórmulas. Alguns, empregados por mais de vinte espécies no Brasil, têm a forma de um cone, como um chapéu de bruxa de ponta para baixo. O segundo tipo, mais comum, lembra uma pequena tigela de porcelana. A forma, no entanto, não é tudo. Os ninhos não são meros depósitos de ovos — são habitações. Por isso, com o tempo, diferentes aves aprenderam a construí-los com as adaptações necessárias ao seu modo de vida e ao ambiente em que residem. Os ninhos de estilo cônico, por exemplo, catalogados por Ruschi em duas categorias, refletem uma adaptação ao clima.

Na primeira categoria estão os ninhos de regiões quentes. Feitos apenas com finas raízes e fibras vegetais, exibem um trançado de rede que deixa o cone bem ventilado, a ponto de se verem os ovos pelo lado de fora. Já na segunda categoria, usam-se materiais macios e espessos, tais como a paina, que não deixam frestas, desnecessárias em clima mais ameno. Nos dois casos, os ninhos balançam-se o mínimo possível, equilibrando-se com admirável precisão sobre a folha. Esta ainda lhes dá proteção, seja porque os recobre, em parte, ou porque se confunde com eles, servindo de camuflagem contra os predadores.

Os três tipos de ninho em forma de tigela não têm problema de equílibrio. Alguns são montados na parte superior de uma folha rígida, e ficam como que a cavalo sobre ela, sempre na horizontal. Os dois outros tipos, em lugar de uma folha grande, são apoiados em ramos ou em raízes finas. Em média, a construção de qualquer ninho dura de cinco a dez dias e é responsabilidade exclusiva da fêmea. “Acredita-se que em duas ou três espécies o macho divida a tarefa com a fêmea, mas não se sabe ao certo”, esclarece o especialista alemão Rolf Grantsau, autor do livro Os beija-flores do Brasil. Há trinta anos pesquisando essa família de aves no Brasil, ele aposentou-se e desligou-se da vida universitária, mas continua ativo como naturalista. Até onde se sabe, a fêmea põe o primeiro ovo ao término da construção, ainda antes dos últimos retoques. Há beija-flores que decoram o fundo e as bordas do ninho com líquens vermelhos, para que essa cor, aos poucos, passe para os ovos. Brancos, levemente rosados, estes acabam camuflados pela tinta dos líquens.

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O segundo e derradeiro ovo é posto um ou dois dias depois do primeiro e ambos se quebram após quinze dias, em média. Os filhotes são desprovidos de penas e têm as pálpebras cerradas até o oitavo dia, quando a mãe, finalmente, deixa de sentar-se sobre eles. Dependendo da espécie, os pássaros adultos podem ter de 6 a 20 centímetros, e pesar de 1,5 a 20 gramas. Em liberdade, vivem uma média de oito anos, e até quinze anos em cativeiro. Sua habilidade mais conhecida é o vôo. Os beija-flores não somente batem as asas em alta velocidade — 80 vezes por segundo, no caso extremo —, como também conseguem fazê-las girar à volta do corpo, descrevendo a forma de um “oito” no ar. Como resultado, a ave consegue parar, mover-se lentamente, ou dar marcha à ré em pleno ar.

É claro que tais acrobacias dependem de adaptações anatômicas e fisiológicas cruciais, comparadas ao padrão das aves. Antes de mais nada, o beija-flor possui músculos peitorais privilegiados. “Ele é quase todo peito”, diz Grantsau. Os músculos que fazem mover as asas têm 20% do peso total do corpo. Como absorvem grande quantidade de energia, criam um com-portamento singular — uma espécie de suspensão da vida normal, à noite. O motivo é que o vôo rápido exige elevada taxa de bombeamento de sangue pelo coração. Assim, é preciso compensar o esforço, no final do dia, com uma drás-tica redução na atividade metabólica.

Exemplos extremos são espécies mexicanas em que o batimento cardíaco despenca de 1 260 por minuto, em alta atividade diurna, para apenas 36 por minuto, durante o letárgico sono noturno. É uma variação absurda, para um animal em que a pulsação, em repouso, gira em torno de 480 por minuto. Essa “parada geral” no final do dia é essencial: só assim a ave consegue viver com a quantidade relativamente pequena de néctar que colhe ao longo do dia. Esse fenômeno não é a mesma coisa que hibernação, mas se assemelha a ela — e o beija-flor, de fato, é uma das poucas aves capazes de hibernar. Nas noites de inverno, ele reduz a temperatura do corpo dos 42°C, normais, para 24°C.

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Mas, ao contrário de outros animais, o beija-flor não mantém essa marca por muitos dias. Às vezes, hiberna uma única noite, voltando à normalidade pela manhã, e em certos casos faz isso uma única noite, em toda a semana. Infelizmente, a despeito de todas as habilidades, das camuflagens e dos cuidados maternos com a prole, parte importante desta última sempre se perde devido à ação de predadores. Além do próprio homem, que derruba ninhos com ou sem intenção, cobras, lagartixas e outras aves estão entre os mais freqüentes atacantes, tanto de ovos como de filhotes. É uma pena, porque os beija-flores têm um importante papel na natureza. Muitas plantas, por exemplo, só podem ser fecundadas e gerar rebentos com seu auxílio, explica a professora Elizabeth Höfling, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universida- de de São Paulo. “Os beija-flores se cobrem de pólen ao tocar os órgãos genitais das plantas, e assim o transferem para outras plantas, propiciando a fecundação”.

Eles também contribuem para a saúde pública, porque se alimentam de insetos, muitos dos quais transmissores de doenças. E vêm fazendo isso há muito tempo: um fóssil de beija-flor, descoberto em Minas Gerais, indica que a família tem pelo menos 20 000 anos de idade. Aves típicas da América, sua origem parece situar-se em países da faixa equatorial, como a Colômbia, onde se encontra a grande maioria das espécies, e o Equador. O Brasil vem logo a seguir, com 86 espécies e 145 subespécies. Catalogaram-se 738 formas diversas, muitas delas simples variações de uma mesma ave. Ao fim das contas, todas as variantes agrupam-se em 110 gêneros e 317 espécies.

Para saber mais:

Os verdadeiros segredos do sexo

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(SUPER número3, ano 4)

No rumo das aves migratórias

(SUPER número 4, ano 5)

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