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Não me toque, doutor

À medida que a medicina evolui, a tecnologia substitui exames e intervenções invasivas, incômodas e dolorosas - até a agulha da injeção tem seus dias contados

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 jul 2003, 22h00

Marina Motomura

Ninguém gosta de tomar injeções. Certos exames, como os ginecológicos e os de toque para diagnosticar problemas na próstata, são, além de constrangedores, muito incômodos. Alguns tratamentos são extremamente dolorosos. Por essas e por outras, há gente que foge de médicos como o diabo da cruz – o que prejudica todos os envolvidos na história. Por isso atualmente todos os esforços convergem para tornar os exames e operações menos dolorosos, menos invasivos, mais simples e mais acessíveis. Nessa tendência de paparicar o paciente há de tudo: do uso cada vez maior de ressonâncias e tomografias para o diagnóstico de enfermidades a injeções que dispensam a agulha. A busca pela satisfação do paciente ultrapassa até mesmo a distância. As telecirurgias aproximam pacientes de médicos especialistas quando há barreiras geográficas de difícil transposição.

O fim da tortura já beneficia aqueles que ainda não nasceram. Com os avanços na medicina fetal, já é possível monitorar a saúde do embrião nos primeiros meses após a concepção. “A principal preocupação da medicina fetal são as síndromes cromossômicas, como a síndrome de Down. O único jeito de diagnosticar essas síndromes é através das células do feto. E, para pegar as células do feto, era necessário invadir a mãe. Isso era assim nos anos 60”, diz Victor Bunduk, obstetra especialista em medicina fetal, chefe do setor no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

O problema, além da indesejável “invasão” do útero das mães com uma agulha, é o risco de aborto, que ocorre em cerca de 1% dos casos – taxa considerada alta. “Mas se descobriu que algumas células do feto circulam no sangue da mãe e foram estudadas maneiras de separar células de mãe e filho com alguns truques laboratoriais”, afirma Bunduk. Assim, com a coleta do sangue da mãe, já é possível, por exemplo, determinar com certeza o sexo do feto: cromossomos XX para feminino e XY para masculino. Para o futuro, espera-se que, com esse procedimento, as síndromes cromossômicas também possam ser descobertas – hoje, há apenas 75% de certeza na detecção dessas síndromes.

Nos casos de fertilização in vitro, em que o espermatozóide do pai é inserido no óvulo da mãe em laboratório, mais uma novidade: quando o embrião tem quatro ou oito células, ainda antes de ser implantado no útero materno, já é possível estudá-lo e selecioná-lo, para que somente os embriões “aprovados” sejam implantados.

O FIM DA PICADA

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Os avanços tecnológicos não beneficiam somente mulheres e fetos. Atingem também um grupo que provavelmente se aproxima dos 100% da população mundial: aqueles que não gostam de injeção. No Brasil, já está nas prateleiras da farmácia um “patch” de 10 centímetros quadrados que provoca na área da pele em que foi colado o mesmo efeito de uma anestesia local – com a vantagem de não ter a picada da agulha. Ele é indicado para pequenos procedimentos, como a inserção de seringas no local – mas, com a anestesia, o paciente não vai sentir dor alguma.

A empresa inglesa Oxford BioSciences desenvolveu uma seringa que injeta drogas sem a necessidade de uma agulha. A seringa transdermal Powderject funciona com ar comprimido, que empurra o medicamento através da pele do paciente. Não há dor. Até a questão dos exames de sangue poderá ser resolvida sem furos, graças a uma invenção do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos Estados Unidos. Os cientistas do MIT acreditam que a primeira aplicação do equipamento será para os diabéticos, que assim podem monitorar a taxa com menos dor e sofrimento.

A nova técnica foi adaptada do tradicional ultra-som. Como a camada superficial da pele humana é composta de células mortas e camadas de gordura, o ultra-som desorganiza as camadas de gordura, criando caminhos para as moléculas atravessarem a pele. Aplica-se o ultra-som e em seguida um aspirador que recolhe o fluido que circula entre as células. O fluido, apesar de não ser sangue, apresenta a mesma concentração de glicose que o sangue.

Para quem sempre quis se vacinar contra a gripe, mas prefere evitar a injeção, outra boa nova: uma empresa americana lançou um spray nasal que age da mesma forma que a vacina injetável contra a gripe. O produto foi aprovado em junho pela Agência Federal para Alimentos e Drogas (FDA) dos Estados Unidos.

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Os diabéticos também podem se animar com o lançamento de um inalador que pode substituir as injeções freqüentes de insulina. O paciente precisará apenas inalar a insulina três vezes por dia e tomar uma injeção antes de dormir.

MELHOR QUE REMEDIAR

Além da dor de uma picada de agulha, outro problema que afugenta os pacientes dos consultórios são os exames incômodos, invasivos e dolorosos. Na angiografia, por exemplo, quando o médico precisava estudar uma artéria ou veia do paciente, era necessário cateterizá-la, idéia que causava arrepios a qualquer paciente. Com a angiografia digital, o procedimento tornou-se um pouco menos dolorido: com a injeção de um contraste (substância que, inserida no organismo, aumenta a definição das imagens dos tecidos estudados) em uma veia periférica, a substância circula pelo corpo inteiro e, na ressonância magnética, revela informações dos vasos. “A tendência para os próximos anos é o desenvolvimento de contrastes com especificidade para um determinado órgão. O tecido normal teria afinidade com o contraste, captando-o na ressonância magnética. Se uma parte no tecido não captar, isso mostraria que ele está doente”, afirma Giuseppe D’Ippolito, médico especialista em diagnóstico por imagem.

Tornar o diagnóstico de doenças mais precoce é preocupação constante na medicina. Nesse sentido, a espectroscopia por ressonância magnética pode agilizar esse procedimento. A idéia dos pesquisadores é estudar a composição química de uma determinada região do organismo humano. Conhecendo-se essa distribuição, é possível enxergar, com a ressonância magnética, se algum tecido teve sua composição alterada ou não. A alteração, nesse caso, indicaria que algo de errado está acontecendo. “Hoje, o diagnóstico por imagem é baseado em alterações na forma de um órgão, nas lesões e no seu comportamento vascular. Com a espectroscopia, os médicos descobririam, com a alteração no padrão normal de composição química de um órgão, se há algum problema. Não seria preciso esperar o tecido mudar de forma para detectar uma alteração”, diz D’Ippolito.

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Os equipamentos de diagnóstico também evoluíram. Os raios X agora dividem espaço nos laboratórios com aparelhos de tomografia computadorizada, em que o corpo inteiro do paciente é escaneado. O resultado: imagens de diferentes ângulos e em alta resolução. O paciente, deitado na maca, não sente dor alguma.

Mais modernas ainda são as máquinas PET (sigla em inglês para Tomografia por Emissão de Pósitrons). Nesses aparelhos, os pósitrons – partículas subatômicas produzidas com material radioativo – se chocam com elétrons, e a colisão tem como produto raios gama. No PET, os raios gama atingem um anel de detectores que gravam essa movimentação. A tela do computador mostra a região em que a atividade dos raios gama tiver sido mais intensa – e que, portanto, revela a presença de células cancerosas. A nova tecnologia dispensa o uso de exames invasivos, como biópsias, e distingue tumores malignos de benignos, tudo isso com maior precisão no resultado final. O InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP) inaugurou, no último mês de junho, o primeiro centro de diagnósticos PET do Brasil.

ROBÔS-CIRURGIÕES

As cirurgias médicas estão seguindo a mesma tendência dos exames, tornando-se menos invasivas e menos dolorosas. A ablação de tumores, por exemplo, é uma técnica que usa uma agulha que emite calor (laser e microondas) para queimar nódulos. O procedimento – que em alguns casos, como tumores no fígado e nos rins, pode substituir uma complicada operação – dura pouco mais de uma hora e o paciente sai da mesa de operações direto para casa.

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As cirurgias laparoscópicas seguem a mesma tendência. São operações em que é feito um pequeno corte no abdômen do paciente e, por meio de duas pequenas pinças acopladas a canos, o cirurgião realiza os movimentos necessários com a ajuda de um visor – também inserido no abdômen. “A vantagem é que o corte é muito menor, mas só é possível em alguns casos. Não serve para uma cesárea, mas serve para uma operação na vesícula”, diz Chao Lung Wen, médico e professor de Telemedicina na Faculdade de Medicina da USP. Com a difusão das cirurgias laparoscópicas, a idéia ambiciosa de realizar operações à distância, com o cirurgião em um lugar e o paciente em outro, tornou-se realidade. “Na cirurgia laparoscópica, o movimento de pinças do cirurgião é restrito, então pode ser feito por uma máquina”, afirma Wen.

E isso já aconteceu. Em setembro de 2001, dois médicos em Nova York operaram a vesícula biliar de uma paciente que estava em Estrasburgo, na França. Aqui mesmo no Brasil, no último dia 25 de junho, um leitão foi a cobaia da primeira telecirurgia da América Latina, que aconteceu na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Na bem-sucedida cirurgia experimental, que retirou um rim do animal, o médico e o cirurgião estavam no mesmo prédio, mas em salas diferentes. O nome do robô que obedece aos comandos do cirurgião é Zeus, que custa cerca de 1 milhão de dólares.

A idéia por trás da telecirurgia não é substituir médicos humanos por robôs, mas facilitar o acesso de pacientes de regiões isoladas a cirurgiões especialistas que não possam se deslocar até esses rincões. “Na guerra, não será preciso mandar muitos médicos para a frente de batalha”, afirma Wen. A infra-estrutura exigida para uma telecirurgia é cara: são necessários aparelhos de videoconferência, um controle (espécie de joystick) que será manipulado pelo cirurgião, quilômetros de cabos de fibra óptica (de acordo com a distância entre o médico e o paciente) e, é claro, o robô.

Mas o desenvolvimento acelerado desse ramo da medicina impressiona. Na década de 1960, em plena corrida espacial, havia quem não acreditasse que o homem poderia pisar na Lua. Hoje, a idéia de que um robô faça uma cirurgia parece igualmente assustadora. As duas idéias têm em comum o fato de terem surgido por causa da exploração espacial. O objetivo da telemedicina, no início, era prestar assistência médica aos astronautas, monitorados por médicos na Terra. Logo se percebeu que essa tecnologia poderia ser aplicada para cuidar de pacientes que moram em áreas isoladas e não têm acesso a médicos especializados.

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Outras funções para a telemedicina foram sendo agregadas ao longo do tempo. Um clínico geral com dúvidas sobre seu paciente pode pedir uma segunda opinião a um especialista que está distante, mas que pode analisar o caso através de videoconferências. A transmissão das imagens também pode ser útil no ensino da medicina em faculdades, para o treinamento dos futuros cirurgiões, e na prevenção de doenças, com médico e paciente trocando informações online.

As previsões da telecirurgia para o futuro, porém, são mais ousadas. O atual joystick pode dar lugar a luvas de realidade virtual, que, junto com óculos de três dimensões, podem simular a presença do médico na sala de operações.

Nesse panorama futurista da medicina, não é demais lembrar que, por mais que os robôs se tornem comuns, eles ainda são meras ferramentas que dependem da habilidade do médico que comanda, de longe, cada um de seus movimentos.

 

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