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Nas mãos erradas

Em um cenário futurista, as mesmas técnicas capazes de produzir alimentos mais nutritivos podem gerar vírus mortais que se proliferariam com a facilidade de um resfriado.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 28 fev 2002, 22h00

Rafael Kenski

Um problema ético pode ser o maior obstáculo ao desenvolvimento de tecnologias na próxima década. Agora que a engenharia genética está aprendendo a receita para fazer clones e a nanotecnologia produz cada vez mais minúsculos circuitos de computador, cientistas começam a se perguntar que usos maléficos esse conhecimento pode ter em mãos erradas. Em um cenário futurista, as mesmas técnicas capazes de produzir alimentos mais nutritivos podem gerar vírus mortais que se proliferariam com a facilidade de um resfriado. Pequenos chips poderiam ser usados tanto para curar doenças quanto para causar tragédias. Para piorar, ao contrário da energia nuclear – que produz eletricidade mas também tem potencial para destruir países inteiros –, as novas tecnologias não se limitam a governos ou exércitos: elas podem ser desenvolvidas por qualquer grupo ou empresa. Vale a pena pesquisar tecnologias tão perigosas?

Essa preocupação fez o governo americano reforçar a segurança de seus principais laboratórios no final do ano passado. Ele temia que os esporos de anthrax usados nos ataques por carta tivessem escapado das mãos de seus próprios cientistas. Uma senadora propôs até tornar obrigatório o registro dos cientistas capazes de lidar com bacilos perigosos e dos materiais envolvidos na produção de armas biológicas. Apesar da boa intenção, as medidas esbarraram na enorme quantidade de organismos cultivados nos laboratórios e na impossibilidade de catalogar todos os frascos, tubos de ensaio e microscópios que passam pelos laboratórios.

A dificuldade de controlar as pesquisas é ainda maior nos meios eletrônicos – o tão elogiado caráter democrático da internet a torna vulnerável a grupos mal intencionados. Durante a década de 90, as agências de inteligência americanas tentaram, sem sucesso, controlar o desenvolvimento da criptografia – a ciência de codificar mensagens –, que poderia ser utilizada por terroristas para planejar ações em total sigilo. Elas inclusive chegaram a defender a idéia de implantar em todos os computadores um chip que lhes permitisse quebrar códigos e bisbilhotar arquivos pessoais. Depois de mais de uma década de protestos de cientistas e de associações pelos direitos civis, chegou-se à decisão de que a criptografia poderia seguir seu caminho sem amarras.

A única forma definitiva de impedir que os cientistas inventem armas perigosas seria abandonar de vez as pesquisas que envolvessem eventuais riscos. Essa idéia chegou a ser defendida por Bill Joy, cientista-chefe da Sun Microssystems, justamente um dos pesquisadores que estão trabalhando na ponta das novas tecnologias. Mas, para muitos, isso seria uma tragédia ainda pior. “Não só perderíamos os benefícios das novas tecnologias como deixaríamos de entender o que elas significam. Como nos defenderíamos, então, de alguém que as desenvolvesse?”, disse Ralph Merkle, da companhia de nanotecnologia Zyvex, ao The New York Times. Enquanto não se chega a uma solução, os cientistas continuam suas pesquisas, torcendo para que os antídotos apareçam antes das tragédias.

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