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Negar os números do Inpe é terraplanismo ambiental

Os dados sobre desmatamento gerados pelo sistema Deter-B têm 83% de correspondência com o dado oficial. Fingir que estão errados é ignorar a realidade.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 ago 2019, 11h13 - Publicado em 4 ago 2019, 11h11

O Inpe não publicou um relatório sobre a alta no desmatamento na Amazônia no 2º bimestre de 2018. Nenhum documento foi redigido especificamente para alfinetar a retórica do governo federal. 

Esses dados já são atualizados diariamente no site TerraBrasilis (link); qualquer cidadão, inclua aí  jornalistas, pode acessar o site, ver os mapas e gráficos, gerar planilhas de Excel e divulgá-las – o que está dentro dos padrões de transparência e acesso à informação esperados de um órgão público. Em bom português: há um placar do desmatamento atualizado ao vivo na internet. 

Nele, há dois tipos de dado: os gerados pelo sistema Deter-B, que fazem alertas de curto prazo (do tipo “olha, alguém queimou uma área de tantos quilômetros quadrados no Tocantins”) e os gerados pelo Prodes (esses são os gráficos de longo prazo, que mostram o avanço ou recuo do desmatamento ao longo dos anos). 

O Prodes usa um satélite norte-americano chamado Landsat 8 com resolução de 20 metros, extremamente preciso. É por isso que, todos os anos, é o Prodes que gera o dado oficial, que compreende o período entre agosto do ano anterior e julho do ano atual. Esse dado é processado entre outubro e novembro e então levado para conferências da ONU e outras reuniões internacionais.  Já o Deter-B usa um satélite indiano chamado IRS com resolução menor, de cerca de 60 metros, que trabalha bem mais rápido. 

Apesar disso, a correspondência entre os dados do Deter-B e do Prodes é de 83%. É óbvio: ambos são máquinas em órbita, fazendo fotografias da superfície da Terra. Eles tendem a concordar. E ambos concordam que desde 2012 (quando Bolsonaro ainda não era presidente) o desmatamento aumentou.

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“Os alertas são produzidos seguindo metodologia amplamente divulgada e consistentemente aplicada desde 2004. É amplamente sabido que ela contribuiu para a redução do desmatamento na região amazônica, quando utilizada em conjunto com ações de fiscalização”, diz nota divulgada pelo Inpe na quinta-feira (1º), o trecho acima está na Folha de S. Paulo. As tais “ações de fiscalização” são responsabilidade do Ibama, o órgão age de acordo com os gráficos e mapas do Deter-B, cuja sigla significa DEtecção de desmaTamentos em Tempo Real.

De janeiro até abril de 2019, a área desmatada em cada mês de acordo com o Deter-B subiu de 136 km2 para 237 km2. Não foi um dado digno de nota: os gráficos de 2018 tiveram um comportamento similar – na verdade, ligeiramente pior –, começando com 182 km2 e alcançado 489 km2 em abril. O problema veio depois: de 738 km2 em maio para 1864 km2 em julho, um número mais de três vezes maior que o verificado no mesmo mês do ano anterior (aumento de 68%). É o dado final? Não. Mas a correspondência entre o Deter-B e o dado final do Prodes, vale repetir, é de 83%, de maneira que isso serve no mínimo como um alerta.

Esse dado chamou a atenção da imprensa e desencadeou a bola de neve que gerou a exoneração do físico Ricardo Galvão. 

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O governo federal está certo quando diz que o objetivo do Deter-B é fazer fiscalização de curto prazo e informar o Ibama dos focos de desmatamento – e que o que vale, no fim das contas, é o dado do Prodes. (“Tem um gato aí, alguma coisa aconteceu. E a desconfiança nossa é que os dados são alertas de desmatamento. E alerta não é desmatamento”, disse Bolsonaro.) É possível, claro, que o Deter-B tenha detectado em julho focos de desmatamento que datam de outros meses – sua função é dar os alertas o mais rápido possível, e sempre há o risco de algo tenha passado batido nos meses de junho ou maio.  

O que não faz sentido é dizer que o Inpe divulgou esse dado com o intuito de queimar o filme do Brasil na arena diplomática internacional. O Inpe simplesmente divulga os dados, e esses dados têm qualidade reconhecida por toda a comunidade científica. O Deter-B é extremamente válido como número preliminar, e o aumento deveria deixar as autoridades de cabelo em pé – não gerar uma onda de negação dos fatos. 

Também não faz sentido a declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que o País deve adotar um novo método para monitorar o desmatamento (o novo sistema, do qual não se sabe o nome, utilizaria imagens de satélite em alta resolução feitas em tempo real e sem o suposto “lapso temporal” do Deter-B). Tudo que esse sistema ainda fictício faria seria detectar com ainda mais precisão que o desmatamento aumentou. É gastar dinheiro dando um tiro no próprio pé.

Se o governo Bolsonaro quer que os números de desmatamento do Brasil não nos façam passar vergonha diante de outros países, só há um jeito: parar de desmatar. A tática presidencial de maquiar os números e acusar cientistas idôneos de má-fé não é exatamente nova, diga-se. É a mesma utilizada pelo Grande Irmão, da obra 1984, de George Orwell. Um livro escrito justamente para criticar o totalitarismo soviético.

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