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No tempo das aves do terror e a descendente seriema

Carnívoras, elas chegavam a 3 metros de altura. Dominaram completamente os pampas argentinos e parte do Brasil. Extintas a 2,5 milhões de anos, deixaram uma descendente: a seriema.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 31 Maio 1994, 22h00

Pouca gente se lembra das aves quando o assunto são animais assustadores, pequenos ou grandes. Daí o sucesso do filme Os pássaros, do inglês Alfred Hitchcok: ele fez as pessoas terem medo de simples gaivotas, normalmente simpáticas e inofensivas. Mas, há 2,5 milhões de anos, quando o Panamá ainda estava no fundo do mar e a América do Sul era um continente isolado, as aves aterrorizavam de verdade. Os reis da fauna brasileira e argentina, então, eram rainhas. Tinham penas, embora não voassem. E não precisavam: saíam do mato de surpresa e em segundos estavam sobre a vítima, correndo a 70 quilômetros por hora.

As aves do terror — como foram apelidadas pelos paleontólogos — derrubavam a caça a pontapés, prendiam-na com o bico, à maneira de uma tenaz, e espancavam-na contra o solo, até ficar inconsciente. Estava pronta para ser engolida por inteiro. “Foi o mais espetacular e formidável grupo de aves carnívoras já existentes”, conta o americano Larry Marshall, do Instituto das Origens Humanas, em Berkeley, Califórnia. “Elas eram, em terra, o que os tubarões são, hoje, no mar: máquinas de destruição.” Estudioso da evolução da fauna sul-americana, Marshall já fez 22 expedições científicas à região, especialmente ao Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia.

Foram alguns dos lugares onde aqueles monstros emplumados teriam vivido por longo tempo, até 2,5 milhões de anos atrás. A partir daí, perderam a primazia — ou o papel de maiores predadoras — para os jaguares, cachorros-do-mato e felinos de dentes-de-sabre, vindos da América do Norte, pela primeira vez. Pelo menos, foi nesse período que nasceu grande parte do que é hoje o Panamá, resultado da ascensão de massas monumentais das profundezas do Oceano Pacífico e do Mar do Caribe. Marshall supõe que há uma relação entre esses três fatos: a união das Américas pelo Panamá, o sumiço das grandes aves e o aparecimento de felinos e cachorros no sul.

Mas não se pense que os antigos predadores desapareceram por completo, embora seus parentes vivos já não assustem mais ninguém. O mais próximo, relata Marshall, é a conhecida seriema, que às vezes se vê entre porcos, galinhas e patos, em alguns quintais do interior de Goiás ou de Minas Gerais. Com 70 centímetros de altura, pouco mais alta que um peru, ela guarda diversas lembranças anatômicas de suas terríveis primas-avós, como as pernas longas e a velocidade, as asas subdesenvolvidas e o vôo raro e curto, ao qual recorre apenas quando não há outra saída, durante uma fuga necessária.

Mas é no comportamento de caçadora e na dieta de carne que ela mais denota os laços com o passado. Desde que saem do ninho, seus filhotes caçam na vegetação rasteira. Agarram com os pés, imobilizam com o bico, batem a presa no chão e engolem-na de uma vez. Do mesmo modo agem outros parentes não extintos das aves gigantes, como o norte-americano road-runner, celebrizado como Papa-léguas — aquele mesmo, o herói do desenho animado. Outra ave moderna com hábitos parecidos é o chamado secretário, que vive na África. A variada dieta dessas espécies inclui insetos, pequenos mamíferos (do tamanho de ratos), além de outras aves. “Em condições favoráveis, não hesitam em atacar presas maiores”, acrescenta Marshall.

Diz o povo que a seriema pode bicar até crianças, atraída pelo brilho dos olhos infantis, uma ameaça pouco provável e sem confirmação científica. Mas não há dúvida de que o esqueleto das seriemas repete, nas linhas básicas, a ossatura das aves do terror, ou phorusrhacoides, no jargão paleontológico. E se há semelhança entre os corpos, é razoável supor que a estratégia de caça também seja parecida, no passado como no presente. Tanto que, no início, se imaginou que os descendentes dos phorusrhacoides fossem as águias e os gaviões, de bico poderoso. Mas estes atacam mergulhando sobre as vítimas em pleno vôo, algo improvável no caso das aves antigas.

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Hoje se sabe que esse grupo de animais reunia pelo menos 25 aves diferentes, ou 25 espécies, cujo porte variava de 1,80 a 3,5 metros de altura. Sua história começou justamente com a extinção dos dinossauros, há 67 milhões de anos. Ao que parece, as aves tomaram dos répteis o posto de predador, que, na América do Sul, cabia aos celurossauros. Eram dinossauros relativamente pequenos, que caminhavam sobre duas pernas. Tinham curtos membros frontais, pernas e pescoço compridos, cabeça grande e braços curtos. Ou seja, não eram muito diferentes das aves do terror.

Portanto, não é impossível que também atacassem as presas basicamente com as pernas e com a boca. Uma diferença menor é que, em seu galope, os dinossauros se equilibrariam com ajuda de uma extensa cauda, enquanto as aves usavam as pequenas asas para essa função. Mas os pontos comuns põem fogo na imaginação: seriam antepassados da seriema dinossauros emplumados? Impossível dizer. Sabe-se pouco sobre a curiosa suspeita de que as aves seriam dinossauros modificados — uma espécie de continuação da linhagem extinta.

Espalhados ao longo de milhões de anos, os fósseis mostram uma pequena fração da fauna do passado, sugerindo, somente, as possíveis relações entre os animais daqueles tempos. Portanto, não é fácil dizer com segurança como se deu a transição entre dinossauros e aves: exatamente que tipo de réptil teria sofrido as mudanças-chaves nessa evolução. Quanto aos phorusrhacoides, os paleontólogos têm pela frente o fascinante trabalho de descobrir o verdadeiro parentesco entre as diversas espécies já identificadas. Nesse meio tempo, deve tornar-se mais clara a ligação entre os monstros do passado e a quase doméstica seriema.

De acordo com Marshall, o mais antigo fóssil na linhagem da seriema, encontrado no Brasil, pertenceu a uma ave batizada Paleopsilopterus e tem espantosos 62 milhões de anos. Em contraposição às suas parentas, já não era grande. Tinha por volta de 1 metro, três vezes menos que os fósseis encontrados, por exemplo, no período de 30 milhões de anos atrás. Foi o máximo tamanho que alcançaram, embora um representante do grupo, por volta dos 2,5 milhões de anos, tenha se aproximado dos 4 metros. Recebeu o nome de Titanis e foi o único phorusrhacoide a viver na América do Norte.

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Não se sabe como teria enfrentado a concorrência evolutiva dos caninos e felinos pré-históricos — que no sul teriam levado as aves à extinção, seja porque tinham coragem e força para atacar seus ovos e filhotes, seja porque roubavam suas presas. Sabe-se também que as aves do terror viveram em outros continentes, como a Europa, mas neste caso não há ainda uma hipótese clara sobre o motivo de seu desaparecimento. Estas são algumas das muitas questões sem resposta sobre a história da vida no planeta. E se há uma lição deixada pela descoberta das surpreendentes aves gigantes é que não se devem esperar respostas simples e óbvias para aquele tipo de indagação.

Para saber mais

A volta dos dinossauros

(SUPER número 12, ano 3)

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A nova face dos dinossauros

(SUPER número 7, ano 7)

Ataque em cinco etapas

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Uma técnica fulminante, calcada na velocidade

A cabeça baixa vira-se várias ve-zes de lado, em movimentos rá-pidos: só assim pode medir a distância, pois não tem os dois olhos voltados para a frente. Ao ver que a presa está perto (menos de 50 metros), a ave eriça as penas e inicia a corrida fatal.

1 – Em segundos, está correndo a 70 km/h

2 – Um coice bem dado derruba a vítima

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3 – O bico serve para prender e espancar

4 – Inconsciente, a presa é engolida de uma só vez

5 – Sem predadores naturais, a ave digere com calma

Veloz celurossauro

Antes das aves, há mais de 60 milhões de anos, o rei da fauna na América do Sul era o celurossauro. Esse pequeno réptil, pouco maior que um gato, caçava como as aves do terror — e seu corpo lembrava o delas

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