Assine SUPER por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O doutor não estava aqui

Como é comum na medicina, os avanços tecnológicos já estão despertando dilemas éticos, afirma Anuar

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 dez 2000, 22h00

Fábio Peixoto

Naquele domingo, o médico americano Louis Kavoussi, do Johns Hopkins Hospital, em Baltimore, Estados Unidos, acordou mais cedo. Pouco antes das 7 horas, ele se dirigiu à biblioteca de sua casa. Vestia camisa xadrez e levava um copo com chá. Lá, se reuniu com uma equipe de colegas brasileiros, prestes a realizar uma cirurgia em um paciente de 17 anos, no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. O jovem Rodrigo (nome fictício) tinha varicocele – varizes nos vasos sangüíneos ligados aos testículos. Poderia ficar infértil se não fosse tratado a tempo.

Louis estava encarregado de comandar o grupo. De início, indicou aos colegas onde, no abdome do paciente, deveriam ser inseridos os instrumentos cirúrgicos. Para coordenar a operação, usou um laparoscópio: uma pequena objetiva com câmera acoplada, para ver detalhes do interior do corpo. O equipamento, controlado pelo braço de Louis desde Baltimore, foi introduzido no umbigo de Rodrigo, que estava sobre uma mesa cirúrgica a milhares de quilômetros de distância.

Anuar Mitre, professor de Urologia da Universidade de São Paulo, foi quem executou os procedimentos cirúrgicos. Sob a orientação de Louis, Anuar localizou, cortou e cauterizou as veias obstruídas do paciente. Para garantir a precisão da operação, a intensidade do bisturi elétrico – que serve tanto para cortar quanto para cauterizar – era regulada por Louis. Em 20 minutos estava tudo acabado. Tranqüilo, o médico americano sorveu mais um gole do seu chá, antes de tomar o desjejum com sua família. O paciente recebeu alta no dia seguinte.

Continua após a publicidade

Estava terminada a terceira telecirurgia da história, feita no dia 17 de setembro de 2000. A operação, muito simples, poderia ter acontecido sem a orientação de Louis. Mas ela serviu para demonstrar o impacto impressionante da tecnologia na medicina. “A idéia foi apenas mostrar como as coisas funcionam”, afirma Raul Cutait, médico do Sírio Libanês e professor de cirurgia da USP. “Mas a orientação de Louis poderia ter sido fundamental se por acaso os profissionais brasileiros não soubessem usar os aparelhos.”

No caso, o exercício constituiu o que se chama de uma telemonitoração, que se situa entre a teleconferência, na qual os médicos apenas discutem procedimentos, e a telemanipulação, em que um robô executa a cirurgia guiado por um profissional à distância. Em São Paulo, empregou-se um braço mecânico para operar o laparoscópio – ele era controlado por Louis via telefone (e não pela internet, como se noticiou à época). O americano usou linhas de alta velocidade, normalmente utilizadas nas teleconferências. E que ainda não são tão rápidas assim quanto deviam: em cirurgias mais complicadas do que a de Rodrigo, a velocidade teria que ser maior para garantir que o tempo decorrido entre o comando do médico, lá longe, e o movimento do bisturi empunhado pelo robô não supere 200 milésimos de segundo. Além desse limite, o corte pode ser feito no lugar errado. Até hoje, essa presteza só pode ser atingida em distâncias menores que 300 quilômetros, e, ainda assim, se a transmissão for feita por cabo; via satélite os dados viajam duas vezes mais lentamente que o necessário. “Apesar disso, um paciente brasileiro já poderia pedir a um médico em Nova York para acompanhar a sua cirurgia, feita aqui”, diz Raul. “Seria uma espécie de segunda opinião em tempo real.”

Como é comum na medicina, os avanços tecnológicos já estão despertando dilemas éticos, afirma Anuar. “Se ocorrer algum acidente, de quem é a responsabilidade? Do médico que está na sala, do médico que está à distância, ou do fabricante do robô? O Conselho Regional de Medicina permitiria que um médico do exterior operasse um doente aqui?” Assim como os robôs-cirurgiões, as respostas a essas perguntas ainda pertencem ao futuro.

Continua após a publicidade

Controle remoto

A primeira telecirurgia do Hemisfério Sul, realizada em São Paulo, foi controlada por um norte-americano. Lá dos Estados Unidos

Em Pessoa

A cirurgia foi feita por Anuar Mitre, no Hospital Sírio Libanês. Com a sua mão esquerda ele segurava uma pinça, e com a direita um bisturi elétrico, regulado remotamente por Louis

Good Morning, Brazil

Continua após a publicidade

De Baltimore, Estados Unidos, o médico Louis Kavoussi se comunicava com os colegas brasileiros por meio do monitor do computador – ele nunca os havia visto pessoalmente

Clique-clique

Com um mouse comum, Louis controlava os movimentos de um braço-robô , equipado com uma microcâmera e uma fonte de luz para filmar o paciente por dentro

Continua após a publicidade

Na telinha

Na própria tela do computador, Louis fez um esboço do abdome do paciente, indicando aos colegas onde deveriam ser inseridos os instrumentos cirúrgicos

Uma mãozinha

Continua após a publicidade

O braço-robô precisou ser introduzido manualmente no corpo do paciente. Mas depois disso movimentou-se apenas sob o comando do americano

Corta e queima

Louis controlava a intensidade do bisturi elétrico, manipulado aqui pelo cirurgião Anuar Mitre. O aparelho podia ser ajustado para cortar ou cauterizar

Final feliz

Em 20 minutos, o problema foi resolvido. As veias cortadas e cauterizadas foram seladas com clipes de metal para evitar vazamento de sangue

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.