O gato do futuro
Eles parecem vira-latas, mas brilham no escuro. Eles têm pelos, mas não dão alergia. Eles parecem leopardos, mas são uns docinhos
Texto Gisela Blanco
À primeira vista, eles podem parecer gatinhos normais. Mas não à primeira fungada. Cerca de 5 anos atrás, a companhia americana Allerca partiu em busca daqueles que têm menor concentração de uma proteína chamada Fel d1, a responsável por causar alergias nos humanos. Ao contrário do que se possa imaginar, não são os pelos dos bichanos os maiores vilões dos alérgicos, mas essa proteína que se concentra na saliva, pele e urina dos bichos.
“O gene que altera a produção da Fel d1 é uma mutação natural, mas foram necessários muitos testes e alta tecnologia para selecionar os gatos certos”, diz Simon Brodie, fundador da Allerca. A cada 50 mil gatos, somente um tem essa proteína reduzida. E, para descobrir quais, só fazendo exames de sangue. Passada essa etapa, fica fácil. É só cruzá-los entre si e pronto: estão criados os bichanos antialérgicos.
A produção é pequena, já que é difícil encontrar os gatos-matriz. Mas a procura é enorme. Em menos de 5 anos, a Allerca produziu e entregou mais de 500 gatinhos, pelos quais os alérgicos amantes de gatos estavam dispostos a pagar um bom preço. Hoje são US$ 7 mil por um gato sem raça definida e US$ 23 mil por um ashera GD, um híbrido semelhante ao savannah.
Gato em pele de onça
As duas raças tão caras acima foram criadas com cruzamentos entre gatos domésticos e felinos selvagens, como o gato-leopardo-asiático, exemplo do bengal. Mais musculosos, corpulentos e ágeis do que os gatos normais, com pelagens que lembram pequenos leopardos. A raça surgiu em 1981, quando 8 gatos híbridos foram criados em laboratório para estudar o vírus da leucemia felina. Terminada a pesquisa, os animais precisavam de um lar. E uma criadora californiana viu neles não só a chance de adotar gatos diferentes mas também de inaugurar uma nova raça.
O que não é tarefa simples nem barata: para conseguir um gato com pelagem selvagem, mas que não vá atacar o dono, é necessário tempo e vários cruzamentos (veja no boxe da página ao lado como eles são criados).
Nos últimos anos, eles se popularizaram e chamaram a atenção de quem sonha em ter um animal selvagem dentro de casa. “Só não serão protagonistas dentre os animais domésticos do futuro porque ainda são produzidos em pequena escala”, diz Anneliese Hackmann, presidente da World Cat Federation, maior associação de criadores de gatos do mundo.
Ronronadas pela ciência
Os gatos também têm nos dado uma mãozinha – ou uma patinha – dentro dos laboratórios. “Eles hoje servem de modelo para muitos estudos avançados. De tentativas de salvar espécies selvagens ameaçadas de extinção a pesquisas de epidemiologia”, afirma o biólogo Eduardo Eizirik, especialista em biologia molecular de felinos, da PUC do Rio Grande do Sul.
Um campo de estudos que evoluiu muito com a ajuda dos gatos foi a genética. Em 2001, numa pesquisa milionária para tentar clonar um cachorro na Universidade do Texas (EUA), o resultado foi… o clone de um gato! Não foi uma tentativa de roubar a cena, mas os felinos simplesmente se mostraram mais fáceis de serem clonados ou geneticamente modificados. Assim nasceu a vira-lata Copy Cat, o primeiro animal doméstico clonado da história, que abriu caminho para um novo e controverso serviço: a clonagem comercial. Hoje os gatos já estão sendo “copiados” a pedido de donos saudosos de seus falecidos gatos originais. Exemplo de Little Nicky, uma maine coon clonada após a morte de uma gata de 17 anos. Fabricar uma gata com características físicas idênticas à “original” custou 50 mil dólares à sua dona. Prova de amor muito criticada por associações de proteção a gatos desabrigados, à espera de adoção.
Em outros laboratórios, os gatos ainda ajudam na procura pela cura de doenças. Recentemente, na Mayo Clinic, em Rochester (EUA), gatos foram geneticamente modificados para jogar luz sobre uma possível cura para o HIV felino – que tem semelhanças com a forma da doença que atinge humanos. Ganharam genes do macaco reso, capazes de resistir à doença. E da água-viva, recebram um gene que produz uma proteína fosforescente que lhes permite brilhar no escuro e serem monitorados.
Controvérsias à parte, muita gente gostou da ideia e adoraria levar um gato brilhante para casa. Nada é impossível: basta lembrar como a raça bengal foi criada. Mas para os bichanos brilhantes, por enquanto, suas ronronadas estão restritas às portas dos laboratórios.
Chausie
Origem: América do Norte, 1990
Serengeti Cat
Origem: Estados Unidos (Califórnia), 1994
Savannah
Origem: Estados Unidos (Califórnia), 1986
Bengal
Origem: Estados Unidos, 1983
A selva está fresquinha em seus genes: são uma mistura do feroz gato-leopardo-asiático com gatinhos domésticos. Inaugurou o comércio de híbridos e hoje é o mais popular do mundo. No Brasil, custam em média R$ 2 mil. Mas podem ser bem mais caros: em 1998, um bengal foi vendido em Londres pela quantia recorde de 25 mil libras, cerca de R$ 70 mil.
Gatos ilustres
Blackie o milionário
Em 1988, este gatinho britânico se tornou o mais rico do mundo. A fortuna veio da herança deixada por seu dono, um milionário recluso de Londres. O homem deixou para seu amigo preferido o equivalente a quase R$ 30 milhões, além de uma boa quantia em doações para abrigos de gatos de rua.
Snowball o dedo-duro
Ao matar a namorada, o canadense Douglas Beamish deixou um rastro na cena do crime: 27 pelos de seu gato Snowball. O material encontrado pelos policiais foi identificado por exames de DNA e serviu de prova da acusação. O caso, de 1994, foi o primeiro a usar exames de gatos para fins judiciais.
Como nascem os híbridos
Diferentemente do que aprendemos na escola, cruzamentos entre espécies distintas existem na natureza e nem sempre geram indivíduos estéreis
Procurando bem, é possível encontrar na selva ligres e tigreões (cruzamentos entre tigres e leões). “Nos gatos, esses cruzamentos são ainda mais simples, já que o gato doméstico não é uma espécie que evoluiu naturalmente, mas uma subespécie de um gato selvagem”, diz o biólogo Eduardo Eizirik. Para cruzar um gato-leopardo-asiático com um gato doméstico, é preciso primeiro escolher aqueles menos ariscos. Alguns dos primeiros filhotes podem nascer estéreis. Os férteis são acasalados novamente com gatos domésticos ou outros híbridos, e assim vão diluindo seus genes. Geralmente aqueles com pelagem que mais remete ao gato selvagem são os escolhidos para continuar a linhagem. Quanto mais próximo do cruzamento inicial, mais caro – e provavelmente mais arisco – é o gato.
Para saber mais