O mapa da vida
O seqüenciamento do genoma humanocria a perspectiva de tratamento e prevençãode doenças importantes, como o câncer
Lia Hama
Em junho de 2000, dois grupos rivais, o consórcio público internacional Projeto Genoma Humano (PGH) e a empresa americana Celera, anunciaram conjuntamente que conseguiram, pela primeira vez na história da humanidade, mapear o genoma humano e estabelecer sua seqüência. Genoma é o conjunto de genes com as instruções para produzir um ser humano. O que os cientistas fizeram foi decifrar a seqüência exata dos 3,1 bilhões de bases químicas do DNA humano, que constituem cerca de 40 000 genes diferentes. A descoberta tem um impacto no conhecimento que já foi comparado à chegada do homem à Lua, em 1969, e à invenção do microprocessador, em 1970.
Com base nesses dados, em tese, no futuro será possível diagnosticar, tratar e prevenir doenças importantes como o câncer, a diabetes e o mal de Parkinson. O conhecimento sobre como os genes contribuem para a formação dessas enfermidades deverá mudar a prática médica: em vez de tratar o doente, cada vez mais será enfatizada a prevenção da doença. A identificação da ordem das “letras” (bases do DNA), no entanto, é apenas o primeiro passo. Os cientistas terão pela frente uma tarefa muito mais complicada, a de decifrar o significado de cada letra, a função delas e o que pode ser feito no caso de trazerem mensagens defeituosas, que resultam em doenças.
A Celera impressionou o mundo inteiro pela rapidez de seu projeto. Em apenas dois anos – um ano antes do que havia prometido –, a empresa conseguiu a decodificação do genoma humano e forçou seu rival, o consórcio público PGH, liderado pelos governos americano e britânico, a fazer o mesmo. Na época presidida pelo polêmico cientista Craig Venter, a Celera desenvolveu um método rápido de seqüenciamento do genoma inteiro (conhecido como shotgun), quebrando-o em pequenos pedaços e depois recompondo, em computador, a ordem das “letras” do código genético. Os pesquisadores do Projeto Genoma Humano, por sua vez, optaram por separar o material genético em segmentos maiores e conhecidos, facilitando assim a sua reorganização posterior, mas tornando a decodificação mais lenta.
O mapeamento do genoma humano, no entanto, envolve uma questão ética que deve ocupar o centro de debates nos próximos anos, à medida que as pesquisas forem avançando. Teme-se que, no futuro, pessoas com deficiências genéticas sejam discriminadas. Em tese, com a posse de dados genéticos, uma empresa de seguros poderia, por exemplo, negar serviços a um cliente que tivesse chances de desenvolver leucemia, uma mãe poderia interromper a gravidez de um filho ou empregadores poderiam recusar candidatos que tivessem uma probabilidade maior de desenvolver doenças.
O impacto da descoberta
O mapeamento do genoma humano marca uma nova era na medicina. Segundo as previsões, em algumas décadas, cientistas poderão entender em nível molecular como funciona cada processo biológico, os possíveis erros que resultam em doenças e as formas de corrigi-los
Bom negócio
O biólogo americanoCraig Venter roubou a cenae ficou milionário
A corrida pelo seqüenciamento do genoma humano foi liderada por um dos mais polêmicos cientistas da atualidade: o biólogo americano John Craig Venter, de 57 anos. Descrito por seus inimigos como um megalomaníaco ganancioso, Venter, fundador da Celera, colecionou um grande número de desafetos quando declarou sua intenção de seqüenciar todo o genoma humano em apenas três anos (no final, conseguiu em dois anos), e não em 15, como pretendiam cientistas do governo americano, e a um custo muito menor – 200 milhões de dólares, em vez dos estimados 3 bilhões de dólares.
Venter foi acusado de ter se apossado de informações sobre a seqüência genética publicadas no website de agências governamentais, de domínio público, e depois patentear as seqüências obtidas a partir desses dados, restringindo as informações que deveriam estar disponíveis para todos.
Em contraste com boa parte de seus colegas de profissão, Venter sempre se destacou por um aguçado faro para os negócios. Após deixar o cargo que ocupava em um instituto público de saúde, ele fundou a Celera, em 1998, e se tornou um milionário, dono de iates e carros esportivos. Hoje, preside o The Center for de Advancement of Genomics (TCAG), um instituto dedicado ao estudo de questões éticas e sociais relacionadas ao genoma.