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O mistério do teletransporte

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 Maio 2018, 13h19 - Publicado em 30 set 1998, 22h00

Flávio Dieguez, com Denis Russo Burgierman

No ano passado um físico austríaco conseguiu fazer um fóton conversar com outro a distância e comprovou que o teletransporte é possível. O truque foi usar um misterioso mecanismo – chamado de entrelaçamento – que liga partículas de luz. Entenda aqui esse enigma, que tira o sono dos cientistas.

O segredo das partículas entrelaçadas

Você com certeza já enfrentou uma espera interminável num aeroporto e sentiu vontade de sumir dali e reaparecer no lugar para onde pretende ir. É o que costuma acontecer em alguns filmes de ficção científica, especialmente na série de TV Jornada nas Estrelas, na qual, volta e meia, o capitão Kirk, protagonista da história, é desintegrado por um feixe de luz e, no momento seguinte, ressurge na superfície de algum planeta exótico.

Se você andava esperançoso com a experiência do físico Anton Zeilinger, pode tirar o cavalinho de baixo do raio laser: o teletransporte obtido por ele, e quase ao mesmo tempo pelo italiano Francesco de Martini, do Instituto Nacional de Física Nuclear, em Roma, é bem mais modesto. “Talvez, dentro de mais uns cinqüenta ou 100 anos, a ciência consiga teletransportar alguém”, diz ele. “As dificuldades práticas são imensas e com certeza não vão ser superadas tão cedo.”

Mas não desanime. O teletransporte já obtido por Zeilinger e Martini é uma assombrosa proeza. Em poucas palavras, o que eles conseguiram foi transferir a inclinação de um fóton, a partícula subatômica de luz, para outro situado a alguns metros do primeiro. Foi mais ou menos como transportar a rotação de um pião para outro pião no quarto ao lado sem que eles se tocassem.

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Fótons gêmeos

É estranho, mas não chega a ser complicado. Para começar, um fóton é produzido por uma lâmpada fraca (veja no infográfico ao lado). Em seguida, a partícula é jogada contra um cristal que a divide ao meio, criando dois fótons gêmeos. E aqui entra o mistério do entrelaçamento. Por terem sido criadas ao mesmo tempo, alguma força enigmática faz com que as partículas fiquem ligadas para sempre por uma lei inflexível: se uma deita para a esquerda, a outra no mesmo instante tomba para a direita e vice-versa.

A partir daí tudo fica fácil. Mesmo se as partículas estiverem separadas por milhares de quilômetros, quando se aplica certa energia a uma delas, esta se inclina em uma direção e a outra, automatica e instantaneamente, cai para o lado contrário. Quer dizer: a inclinação viaja, é teletransportada de um fóton para outro. Ninguém sabe explicar como isso acontece. Mas acontece. “De alguma forma, mexer em uma partícula perturba a outra”, afirma o físico experimental Paulo Henrique Souto Ribeiro, que pesquisa o assunto na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A questão agora é saber de que forma.”

Use a imaginação

Imagine que este cachorro é um fóton, um átomo de luz. Nesse caso, a experiência feita pelo pesquisador Anton Zeilinger, na Áustria, em 1997, consiste no seguinte: ele conseguiu transmitir a mancha branca da testa deste shar-pei para a testa do shar-pei que está na página 61. Com a diferença de que a mancha chega lá com a cor invertida.

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É inexplicável. Átomos de luz criados ao mesmo tempo comunicam-se de modo intrigante. Quando você mexe em um deles aqui, o irmão gêmeo responde lá longe. E ninguém sabe como isso acontece.

Eternamente ligados

Para conseguir teletransportar a mancha do cachorro-fóton da página anterior para o da página 61, Zeilinger precisou estabelecer certas condições. Em primeiro lugar, os shar-peis têm que ser gêmeos, para ficarem eternamente ligados. Em segundo lugar, eles não podem ter manchas ao nascer. Elas só vão aparecer quando o pesquisador mexer com um dos cachorros. Para realizar a experiência, Zeilinger fica com um cão e manda o outro para um canil distante.

O entrelaçamento entre as partículas de luz pode ser usado como um código para se enviar mensagens perfeitas. Ou, então, para melhorar o desempenho de novos tipos de computador.

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Ninguém entende, mas funciona

Mesmo não sendo entendido com toda clareza, o teletransporte deverá, nos próximos anos, tornar-se uma ferramenta de grande utilidade em diversas inovações que já estão sendo desenvolvidas em laboratórios do mundo todo. O motivo é que a rotação dos fótons – e outras propriedades, como a inclinação dessas partículas – pode ser usada como um código parecido com o que se emprega nos computadores atuais. Basta convencionar que, se um fóton gira para a direita (como os ponteiros do relógio) isso quer dizer sim. Se ele rodopia para a esquerda, significa não.

A partir daí, não é difícil imaginar que, com um grande número de fótons, dá para escrever mensagens de qualquer tipo. Então, é só teletransportar as rotações entre fótons distantes e estará criado um meio de comunicação de rapidez e precisão impressionantes. A grande vantagem desse sistema é que ele será imune a erros de transmissão porque, durante o teletransporte, as rotações não sofrem interferência, como as que ocorrem no rádio, na televisão e no telefone.

Computador quântico

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Outra tecnologia promissora são os computadores quânticos, nos quais os transístores vão se tornar quase tão pequenos quanto átomos (que são dez milhões de vezes menores que 1 milímetro). Máquinas desse tipo fazem cálculos a uma velocidade incrivelmente maior do que as existentes. Elas não surgiram ainda, mas já há protótipos experimentais sendo testados em vários universidades dos Estados Unidos e da Europa. Com a ajuda do teletransporte, esses aparelhos poderão tornar-se ainda mais eficientes, acredita o especialista Charles Bennet, da IBM, que, em 1992, lançou as bases teóricas da locomoção instantânea. “Assim, os dados devem circular com mais rapidez dentro dos computadores quânticos”, declarou ele à SUPER.

Manchas em conexão

Faça agora um esforço e suponha que os filhotes gêmeos tenham uma estranhíssima característica: se a mancha de um deles for preta, a do outro, obrigatoriamente, terá que ser branca, e vice-versa. Essa ligação entre as marcas da pele persiste mesmo que os animais estejam longe um do outro.

A viagem dos vírus quânticos

Como o austríaco Zeilinger, o americano Bennet não acredita que seu trabalho possa gerar uma nova forma de locomoção logo. Os cientistas explicam que o desafio é, pelo menos por enquanto, insuperável, do ponto de vista técnico. É que, para teletransportar qualquer objeto, seria preciso, primeiro, desmanchá-lo átomo a átomo, tomando o maior cuidado para não destruir informações importantes durante a desmontagem. Em seguida, as propriedades desses átomos, como a sua rotação, inclinação e energia, teriam que ser anotadas e codificadas. E, aí, sim, esse catálogo de informações poderia ser enviado para um lugar distante, onde serviria de instruções para que o objeto fosse recomposto com outros átomos, coletados no local de destino da viagem.

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Para encurtar a conversa, basta dizer que um passeio desse tipo exigiria conhecimentos que a Ciência ainda não tem. Especialmente sobre como desintegrar um objeto em todos os seus átomos, sem perder dados valiosos. Ou seja, sem os quais se tornaria impossível, mais tarde, reconstruir o viajante, seja ele o que for. Daí o veredicto de Charles Bennet, para quem só objetos bem pequenos poderiam ser teletransportados. “Nos próximos 100 anos nada que seja maior que uma bactéria poderá viajar dessa maneira”, diz ele.

Coleções de átomos

E algo menor ainda, como um vírus? Afinal, ele é minúsculo, quase do tamanho de uma proteína, que contém apenas algumas centenas de milhares de átomos. Será que seria mais fácil fazê-lo passear por aí instantaneamente, nos próximos anos? “Acho que essa é uma possibilidade muito interessante”, opina Richard Jozsa, da Universidade de Plymouth, na Inglaterra, que, junto com Bennett, fez parte da equipe que criou a teoria do teletransporte. “Talvez seja possível desenvolver a tecnologia necessária para tentar teletransportar um vírus”, diz Jozsa.

Claro que, até chegar a esse estágio, ainda será preciso vencer muitas etapas. Os físicos primeiro terão de aprender a teletransportar, pelo menos, um átomo. O que não será difícil, afirma Bennet, pois um átomo isolado não é muito diferente de um fóton. “Como no caso das partículas de luz, só é preciso prestar atenção numa propriedade do átomo, como a sua rotação. Acho que, em um ou dois anos, isso vai ser possível.” Depois, num desafio bem maior, virão as moléculas, que são coleções mais ou menos grandes de átomos. Presos uns aos outros por forças químicas, cada átomo dentro de uma molécula tem a sua própria rotação e inclinação. Ou seja, uma infinidade de informações para decodificar com o risco de, ao ler uma, alterar acidentalmente todas as outras. Como diz Josza, o progresso, nos próximos anos, vai depender muito da habilidade dos físicos experimentais. “E ela muitas vezes surpreende os teóricos como eu”, lembra ele. Pode não demorar tanto até que se consiga teletransportar um microorganismo. Quem sabe, até lá, uma parte dos enigmas que cercam o entrelaçamento de fótons esteja esclarecida. Enquanto isso, teremos que conviver com a dúvida. “Há muitos mistérios nas teorias da física ainda não resolvidos”, conclui Josza.

Para saber mais

A Mente Nova do Rei, Roger Penrose, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1991.

QED – A Estranha Teoria da Luz e da Matéria, Richard Feyman, Editora Gradiva, Lisboa, Portugal, 1992

Último episódio

Assim que o cachorrinho chega ao segundo canil, o dono do primeiro filhote cria nele uma mancha branca. Então, como as manchas estão conectadas, o segundo animal, instantaneamente, ganha a cor preta. No mundo subatômico, a rotação de uma partícula realmente pode ficar ligada à rotação de uma outra. Foi usando essa propriedade que os cientistas realizaram o teletransporte.

Passeio instantâneo

Veja como os físicos teletransportam a rotação de uma partícula.

Uma lâmpada fraca emite apenas um fóton, que é uma partícula de luz, de cada vez.

O fóton é partido em dois por um cristal especial, chamado de não-linear, e surgem assim duas partículas gêmeas.

Para fazer a experiência, o pesquisador manda um fóton para longe e mantém o outro por perto.

Assim que o cientista aplica energia sobre o fóton mais próximo, ele passa a girar num sentido e a rotação oposta voa para o fóton distante.

Os gêmeos, daqui para a frente, estão “entrelaçados”, isto é, se um gira para a esquerda, o outro roda para a direita e vice-versa.

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