O paradoxo da noite escura num campo de girassóis
Eles mostram por que incontáveis estrelas não tornam o céu claro como o dia
Poucos adultos acreditariam que a noite poderia ser tão brilhante quanto o Sol. E achariam banal se seus filhos perguntassem por que ela é escura. Responderiam que sempre há um lado da Terra que não é iluminado pelo Sol e por isso permanece na sombra. Mas essa resposta está errada: não é por esse motivo que o fundo do céu é negro e sem luz. De fato, aquela pergunta tem perto de quatro séculos e só recebeu uma resposta adequada cerca de seis anos atrás. O primeiro a suspeitar que a escuridão da noite era um problema foi o matemático e astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630), depois de ler o livro do sábio italiano Galileu Galilei (1564-1642), o Mensageiro das Estrelas.
Nele, Galileu argumentava que as estrelas não estavam confinadas a uma fina esfera de cristal, a uma distância fixa da Terra, como pensavam os gregos da Antigüidade. Em vez disso, povoariam toda a infinita vastidão do espaço, idéia que aterrorizou Kepler. Tanto que enviou imediatamente uma carta a Galileu para convencê-lo da monstruosidade que havia concebido. Se o espaço fosse infinito, o céu noturno deveria ser completamente claro, bem ao contrário do que vemos. O raciocínio é simples e pode ser compreendido por meio de uma analogia que não tem nada a ver com o céu. Imagine-se, por exemplo, uma pessoa olhando um campo de girassóis.
Logo à frente ela vê algumas flores relativamente espaçadas entre si, mas, ao longe, as flores parecem bem menos separadas. Até que, bem distante, elas se tornam tão próximas que fecham o campo de visão: os girassóis se confundem numa única massa amarela. Nessa analogia, as plantas seriam as estrelas, e os espaços entre elas, as regiões escuras, ou seja, a noite propriamente dita. A difusa massa amarela, no fundo da paisagem, seria o brilho de todo o céu e mostra o que aconteceria se o Universo fosse tão vasto quanto queria Galileu: além de certo ponto, a luz das estrelas se fundiria e a noite brilharia como a superfície do Sol.
Não é fácil aceitar essa idéia, mas o argumento de Kepler é irrefutável e genial:o simples fato de haver dias claros e noites escuras o levou a uma conclusão básica sobre o tamanho do Universo. Apesar disso, seus argumentos não duraram muito. Pela simples razão de que logo surgiria forte evidência de que o Universo era realmente infinito: a lê da gravidade, descoberta pelo inglês Isaac Newton (1643-1727). O problema é que, se fosse finito, o Cosmo teria uma beirada, além da qual não haveria mais matéria. E então a gravidade atrairia os astros periféricos para o centro do mundo, num monumental desmoronamento cósmico.
Algo bem diferente se passa num Universo infinito, no qual não há beirada: além de qualquer astro sempre há outros, numa sucessão sem fim. Por isso, qualquer corpo é atraído por igual em todas as direções: infinitos corpos o atraem de um lado, mas há infinitos outros do lado oposto, fazendo com que a atração total seja nula. Tal é o mecanismo que mantém o Universo em equilíbrio, na concepção newtoniana. Em conseqüência disso, volta-se ao ponto de partida: a noite escura indicava que o mundo era limitado, mas a gravidade exigia que ele não tivesse fim. O curioso é que Newton nunca disse uma única palavra sobre esse assunto.
Um gênio de sua estatura deve ter pensado muitas vezes sobre ele. Mas tudo o que fez foi calar-se diante de uma formidável gafe, cometida em 1720 por seu competente amigo, o astrônomo Edmond Halley, descobridor do cometa de mesmo nome. Halley partiu da premissa correta de que a luz fica mais fraca à distância. Por isso, concluiu que as estrelas muito distantes deveriam desaparecer, explicando a escuridão da noite. Obviamente não é assim, pois embora a luz enfraqueça, o número de estrelas aumenta com a distância: há menos estrelas numa região pequena, nas vizinhanças da Terra, do que numa região maior, que englobe a primeira.
No final, o número de astros compensa o amortecimento de luz, e o paradoxo continua de pé. Newton estava presente à reunião em que Halley defendeu esse equívoco monumental. Não apontou a gafe, talvez, porque já era bem velho e devia estar cochilando. Nas décadas seguintes, alguns astrônomos tentaram salvar a situação imaginando algum tipo de gás cósmico capaz de absorver a luz das estrelas remotas. Mas um gás não absorve luz impunemente: depois de acumular certa quantidade de energia, ele passaria a irradia-la, como deduziu o inglês John Herschell em 1848. Chegou-se assim ao século XX sem que a ciência resolvesse o persistente mistério da noite.
De nada adiantou a descoberta, nesse período, de que as estrelas se agrupavam em galáxias: os mesmos raciocínios que se aplicavam às estrelas também valiam para as galáxias. Mas finalmente surgiu uma pista promissora: o fato de que o Cosmo está em expansão, como provou o americano Edwin Hubble em 1928. Em poucas palavras, isso significa que a luz das galáxias longínquas é relativamente mais fraca: não só porque estão distantes, mas também porque estão se afastando umas das outras. Ainda hoje muitos astrônomos acreditam que essa é a solução para o enigma. Mas não é.
Basta supor que a expansão cósmica não existisse: a quantidade de luz aumentaria, mas numa proporção muito pequena. Ela seria apenas o dobro do que efetivamente é, e a noite continuaria negra como o breu. Dito tudo isso, parece incrível que os brilhantes cientistas do século XX não tenham percebido há mais tempo como é simples a solução. Basta notar que o Universo pode ser infinito no espaço, mas não existe há um tempo infinito. Pelo menos desde a época de Hubble se sabe que ele tem, no máximo, 20 bilhões de anos. Portanto, a luz de muitas e muitas estrelas simplesmente não tiveram tempo de chegar à Terra: 20 bilhões de anos é muito pouco para cobrir a imensa distância em que se encontram.
Por incrível que pareça, é somente por esse motivo que a noite não é clara como o dia. E é divertido voltar a analogia com o campo de girassóis mas de tal modo que suas flores distantes jamais pudessem ser vistas. Primeiro, esse campo teria que ser rarefeito, com as flores espalhadas como as árvores de uma caatinga. Desse modo, elas só se confundiriam além de uma grande distância, de 1000 metros. Em segundo lugar, o campo teria que ser relativamente jovem, com 100 anos de idade. Enfim, pode-se imaginar que a luz caminhasse só 1 metro por ano (e não 300.000 quilômetros por segundo, sua velocidade real). Uma conta rápida, então, mostra que a luz avançaria somente 100 metros, 1 metro para cada ano de existência dos girassóis.
Outra conclusão imediata: uma pessoa no campo veria somente as flores que estivessem,l no máximo, 100 metros à sua volta. Não poderia ver mais longe porque para isso é preciso luz, que ainda não teria chegado a seus olhos. É certo também que aquela pessoa não veria a massa amarela dos girassóis misturados, pois teria que enxergar a 1000 metros, uma proeza fora de seu alcance. No Universo real, estima-se que a luz das estrelas só se confundiria além dos 100 bilhões de trilhões de anos-luz (1 ano-luz mede 9,5 trilhões de quilômetros).
Mas cuidado: embora seja verdade que mais e mais estrelas se tornam visíveis, à medida que o Universo envelhece, é uma armadilha pensar que o céu do futuro será claro. É que as estrelas não são eternas. Vivem, em média, 10 bilhões de anos e depois se apagam, cancelando a nova luz que chega das fronteiras do espaço-tempo. A noite, assim, continuará escura. E as crianças dormirão sob as estrelas, fazendo perguntas banais que os sábios levam séculos para responder.