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O Sol com o coração aberto

Ele parece brilhar com toda a saúde. Mas os astrofísicos que examinam seu núcleo estão confusos com o que vêem.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 21 jul 2009, 22h00

Augusto Daminell Neto

Imagine que uma pessoa sentindo-se perfeitamente bem resolva fazer um check-up de rotina e descubra que tem um problema grave no coração. É uma situação parecida com a do Sol, atualmente. Na aparência, ele brilha com a maior saúde. Mas um novo tipo de exame científico indica que há algo errado com o seu núcleo – a sua parte central, onde ocorrem as reações nucleares geradoras de energia.

0 novo teste tem um encanto especial, pois funciona como um eletrocardiograma: permite checar diretamente o que ocorre no reator solar. É possível, por exemplo, medir sua temperatura interna sem ter que pôr um termômetro dentro do Sol – o que seria impossível, claro. O resultado indica que o coração do Sol é um pouco mais frio do que deveria ser: ele teria 14,25 bilhões de graus, em lugar dos esperados 15 bilhões.

Normalmente, os astrofísicos analisam o Sol de maneira indireta. Primeiro, pelo movimento da Terra, calculam a força da gravidade solar e daí deduzem a sua massa. Quanto maior a força, maior a massa. Depois, utilizam apenas quatro equações da Física, que nem são muito complicadas. Resolvidas numa simples máquina de calcular, elas fornecem o diagnóstico clássico sobre o Sol. Seu tamanho, brilho e cor, por exemplo, podem ser deduzidos, com base na massa solar, e também podem ser obervados diretamente. A comparação mostra que as equações dão certo. Por meio delas se confirma que o Sol tem um raio de 696 000 quilômetros e emite 390 quintilhões de megawatts de energia luminosa.

0 diagnóstico clássico, portanto, funciona muito bem, não só para o Sol, como também para outras estrelas. E, de acordo com esse diagnóstico, a temperatura central do Sol tem de ser 15 bilhões de graus. Admitir o valor de 14,25 bilhões seria forçar os astrônomos a aceitarem que tudo o que eles vêem no Sol está errado: seu tamanho teria de ser menor, o brilho, reduzido e a cor, mais avermelhada, entre outras coisas.

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Esse fato fez ferverem as discussões nos meios científicos. O que estaria errado: o diagnóstico clássico ou os novos exames? Estes são feitos com ajuda dos neutrinos, partículas subatômicas descobertas na década de 30 pelos físicos Enrico Fermi, italiano, e Wolfgang Pauli, austríaco. Os neutrinos são diferentes da maioria das partículas porque não têm carga elétrica e aparentemente não possuem massa, também. Por isso interagem muito pouco com a matéria – podem atravessar o Sol como se ele fosse o vácuo.

Como a luz, os neutrinos são criados no reator nuclear central. Mas em menos de 3 segundos passam ilesos por todas as camadas gasosas do Sol e saem para o espaço. Compare com os raios luminosos: estes se chocam constantemente com os átomos de gás e podem levar 2 milhões de anos para sair (veja o infográfico). Ou seja: o Sol, como as outras estrelas, é opaco à luz. Por isso, as informações que ela traz do reator central – 696 000 quilômetros abaixo da superfície – chegam a nós de maneira indireta. Para os neutrinos, no entanto, o Sol é transparente como o vidro para a luz. Assim, mostram diretamente a usina de energia solar.

0 desafio é capturar essas partículas escorregadias. É preciso montar arapucas fantásticas. A primeira delas foi construída por Raymond Davis e John Bahcall, do Instituto de Estudos Avançados, de Princeton, nos Estados Unidos. Desde 1968, ela está em operação no fundo de uma mina de ouro abandonada, 1 500 metros abaixo da superfície, na cidade americana de Homestake. Lá dentro, há um tanque com 400 000 litros de cloro – é o detector dos neutrinos (veja na página 38 como eles funcionam). No subsolo, o tanque não é perturbado por outras partículas que caem do espaço, os chamados raios cósmicos. Eles são detidos pelas camadas de rocha sobre a mina, que os neutrinos atravessam facilmente.

Há mais de 20 anos, esse detector coleta três vezes menos neutrinos do que deveria, de acordo com as equações dos astrofísicos. A taxa de captura prevista pela teoria era de 2 neutrinos por dia, mas a piscina tem registrado apenas um a cada dois dias (essa taxa significa que em cada centímetro quadrado da piscina passam 17 bilhões de neutrinos por segundo). O mesmo deficit de neutrinos tem sido registrado por detectores mais recentes: o Kamiokande II japonês e o Gallex, de vários países europeus.

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Os astrofísicos, portanto, estão numa sinuca de bico. Se aceitam as medidas de neutrinos, põem em dúvida os excelentes resultados da Física. Se aceitam os resultados clássicos, não podem confiar nos detectores de neutrinos. Mas a saída que estão encontrando é fantástica. Parece que o problema não está nem no Sol, nem nas equações. Está nos próprios neutrinos. É possível que essas partículas não sejam estáveis e mudem de personalidade em algum ponto da viagem entre o centro do Sol e a Terra.

0 fato é que existem três tipos de neutrinos: chamados neutrino-elétron, neutrino-múon e neutrino-tau. Mas apenas os neutrinos-elétron são criados pelo Sol e capturados na Terra. Imagine, então, que três deles saem do Sol e, no caminho, só um permanece como neutrino-elétron. Os outros dois viram um neutrino-múon e um neutrino-tau, que os instrumentos não pegam. Claro: vai parecer, aqui na Terra, que o Sol está produzindo menos neutrinos do que deveria.

Se essa idéia funcionar, terá implicações profundas para as teorias sobre a evolução do Universo. O motivo é que, se os neutrinos mudam de cara é porque têm uma pequena massa. Mas eles são tantos, circulam em número tão vasto pelo espaço, que sua massa total poderia facilmente superar a de todas as galáxias. A gravidade do Universo, logicamente, seria bem maior do que imaginamos e poderia frear a sua expansão muito antes do que se prevê atualmente.

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