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Parentesco com as aves: A nova face dos dinossauros

Nem todos eram grandalhões, pesados, devoradores de toneladas de ervas. Apesar de terem desaparecido quase num passe de mágica, novas descobertas sugerem que deixaram vasta descendência ¿ onde estão incluídas até mesmo as aves.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 30 jun 1993, 22h00

Maria Inês Zanchetta, Vera Franco

Por Maria Inês Zanchetta, com Vera Franco, de Nova York

Uma vez por ano o paleontólogo americano Mark Norell troca o conforto do Museu de História Natural de Nova York, com sua privilegiada vista do Central Park, por uma temporada de dois meses no hostil Deserto de Gobi, na Mongólia. Ali, com a ajuda de pesquisadores da Academia de Ciências da Mongólia, ele procura, desde 1990, fósseis de dinossauros, sua grande paixão e principal atração do museu onde trabalha, e de outros animais igualmente antigos. O sacrifício valeu a pena: em abril passado, Norell apresentou ao mundo o resultado desse trabalho, um quase completo exemplar de um pequeno dinossauro, ainda desconhecido, que na pia batismal recebeu o nome grego de Mononychus, devido a uma singular característica: a garra única dos membros anteriores.

O Mononychus integra o grupo dos celurossauros, tem 75 milhões de anos e sua descoberta causou alvoroço muito além das fronteiras da província científica — a revista Time, por exemplo, dedicou-lhe nada menos que o artigo de capa da edição de 26 de abril. Não poderia ser de outra forma: bípede, pedacinhos afiados de dentes, pescoço e cauda compridos, longas pernas boas para correr, muito a propósito do tamanho de um peru, a descoberta reaqueceu o debate em torno de uma velha — e jamais decidida — questão da Paleontologia: seriam as aves modernas descendentes dos dinossauros? Somado a outras evidências que se acumulam sobretudo a partir da década passada, o achado de Norell aponta para uma conclusão: anatomicamente, as aves pertencem à árvore genealógica dos dinossauros.

É claro que o Mononychus não foi encontrado assim inteirinho pela equipe de pesquisadores. Foi preciso juntar peças descobertas em 1992, 1987 e no longínquo 1923, naquele mesmo local do deserto, para montar esse exemplar que reforça a tese do parentesco entre aves e dinossauros. Mas, a partir daí, outras questões se colocam: será o Mononychus um dinossauro legíti-mo? Ou apenas um parente do arqueoptérix, considerado por muitos ornitólogos a ave mais primitiva que se conhece? Ou uma mistura das duas coisas? Muitos especialistas ficam com a terceira alternativa, bem em cima do muro, portanto.

O Mononychus não tinha asas nem evidências de penas, ao contrário do arqueoptérix — que, no entanto, não se pode garantir tenha sido um animal voador. Porém, possui outras características pouco tradicionais para um dinossauro e muito próximas das aves modernas, tais como a quilha no osso esterno, isto é, uma estrutura muito reforçada nesse osso, que serve de apoio aos músculos peitorais (os que auxiliam no vôo) e ossos pélvicos muito unidos e alongados. “Os celurossauros, como chamamos esses pequenos dinossauros, foram os principais predadores da Era Mesozóica, que engloba o Triássico, o Jurássico e o Cretáceo, e eram ágeis e rápidos. Como um deles, o Mononychus não poderia ter fugido à regra. Em vista de seu reduzido tamanho provavelmente caçava em bandos, atacando sempre os mais velhos e os mais jovens”, explica o paleontólogo Reinaldo Bertini, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Rio Claro, no Estado de São Paulo. Ele estuda mais especificamente os répteis do Cretáceo, e não esconde seu encanto pelos dinossauros.

“As aves modernas são tipos de dinossauros e a descoberta do Mononychus veio confirmar isso”, disse Mark Norell a SUPERINTERESSANTE, em Nova York. “Há uma série de características comuns entre um outro celurossauro, o Deinonychus, e as aves, que não foram encontradas em nenhum dinossauro”, afirma ele. O Deinonychus ou “unha terrível” foi assim chamado por possuir uma garra especialmente longa num dos dedos do pé. Além disso, tinha pescoço e cauda compridos. Mas só isso não é suficiente para estabelecer comparações. O que conta mesmo são os ossos, a forma tradicional de estudar os dinossauros. “As estruturas ósseas que encontramos no Deinonychus e nas aves modernas são quase idênticas”, garante Norell.

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Ao mencionar a comparação entre o Deinonychus e as aves, Norell se refere ao trabalho do paleontólogo John Ostrom da Universidade Yale, nos Estados Unidos. Foi ele quem, no início da década de 70, comparou um exemplar de arqueoptérix (existem seis em todo o mundo) com um Deinonychus. Ele próprio havia encontrado um pé desse animal em 1964, na região de Montana, noroeste dos Estados Unidos. Esse celurossauro provavelmente saltava como quase todos os de sua espécie, o que pode ser comprovado por traços anatômicos como a cauda com ossos interligados e a disposição da bacia que lhe davam equilíbrio. A partir da constatação dessas e de outras características muito similares, Ostrom garantiu: as aves são descendentes dos dinossauros e o arqueoptérix é seu antepassado mais antigo.

Na verdade, essa é uma das correntes que tentam explicar a evolução das aves. A outra, alternativa mas não oposta, sustenta que dinossauros e aves têm um ancestral comum — o tecodonte, um réptil muito variável, às vezes bípede, outras vezes quadrúpede. Para essa corrente, muitas semelhanças aproximam as aves dos celurossauros, levando à suposição de que ambos evoluíram paralelamente. Tais teorias não chegam a ser exatamente uma novidade, estão na pauta dos especialistas desde o século XIX, e são reavivadas a cada nova evidência que aparece. O Mononychus parece ser a mais importante dos últimos tempos.

O zoólogo inglês Thomas Henry Huxley (1825-1895) já havia levantado a hipótese do parentesco entre aves e dinossauros em 1860, com base nas teorias do naturalista inglês Charles Darwin. Um ano antes, Darwin publicara seu polêmico livro A origem das espécies. Nele, havia uma complicada questão para a época: as espécies animais mutavam no tempo. Por sua teoria evolucionista, Darwin foi atacado e criticado especialmente pela Igreja. Coincidentemente, naquele mesmo ano de 1860, o paleontólogo Hermann von Meyer fez uma descoberta importante na vila de Solnhofen, na Baviera, Alemanha, só divulgada no ano seguinte. Tratava-se exatamente do fóssil completo do arqueoptérix, um bicho emplumado, de 35 centímetros de comprimento. Caiu como uma luva no meio desse debate e acabou sendo considerado o elo perdido entre aves e répteis. Ou, como ainda afirmam alguns cientistas, a mais antiga ave que se conhece.

Encontrado em sedimentos de rochas calcárias num local que tinha sido uma laguna marinha do período Jurássico, o arqueoptérix, datado de 147 milhões de anos, permanece motivo de discórdia entre paleontólogos e ornitólogos: réptil emplumado ou ave? Seja o que for, esse precioso exemplar está guardado a sete chaves no Museu Britânico, em Londres. Persistente como todo paleontólogo, John Ostrom trouxe o arqueoptérix de novo à baila, em 1980. Durante uma conferência internacional sobre o tema, ele parecia ter ganho a parada. É que a maioria dos pesquisadores presentes ao evento concordou que o animal emplumado tinha relação direta com os dinossauros. Porém, o fato de possuir o osso esterno para apoiar os músculos peitorais suscitou dúvidas no próprio Ostrom. Ele poderia voar, ou quem sabe fosse apenas um animal que saltava para apanhar insetos no alto das árvores? A dúvida de Ostrom permanece. Até hoje, os cientistas não têm certeza se o arqueoptérix ficava nas árvores ou conseguia fazer vôos curtos. Nem mesmo aqueles que defendem com unhas e dentes sua condição de ave. É o caso do ornitólogo Alan Feduccia, da Universidade da Carolina do Norte.

Em sua opinião, as garras indicam que o arqueoptérix vivia em árvores e era inquestionavelmente uma ave. Para apoiar essa afirmação, Feduccia teve a imensa paciência de medir minuciosamente a curvatura das garras dos pés dos três maiores exemplares de arqueoptérix que existem nos museus de todo o mundo e a comparou com 500 espécies de aves modernas. E concluiu: a curvatura virada para dentro do primeiro dedo do pé daqueles fósseis seria um tremendo obstáculo para correrem. E mais: as garras eram extremamente semelhantes às das aves modernas que sobem em árvores. A tese de Feduccia, entretanto, parece não sensibilizar a maioria dos paleontólogos, que reconhecem a importância de seu trabalho mas discordam de seus indicadores.

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Paul Sereno, paleontólogo da Universidade de Chicago, que tem se notabilizado por suas descobertas no vale do Ischigualasto, no noroeste da Argentina — entre elas o Herrerassaurus e o Eoraptor, dinossauros de cerca de 225 milhões de anos —, questiona se é possível descrever o comportamento de um animal usando apenas as garras. “Penso também que as garras dos membros inferiores são particularmente irrelevantes porque Feduccia não fez comparações com os dinossauros. E, de fato, as garras do arqueoptérix são muito similares às de muitos celurossauros”, disse ele à revista Science.

Opinião parecida tem o professor Reinaldo Bertini da UNESP. “Garras não são elemento-diagnóstico para classificar aves ou répteis. Da mesma forma que só as penas não são indicadores suficientes para afirmar que o arqueoptérix é uma ave, até porque existe um exemplar dele que se preservou sem penas. Ocorre que, depois de analisados os ossos do arqueoptérix, verificou-se que eles tinham o mesmo aspecto dos ossos de dinossauros. O que se usa mais comumente nessas classificações são o crânio, as vértebras, ou os ossos dos membros para se tirar conclusões.” Curiosamente, o Mononychus, mesmo sem asas ou penas, reforça a teoria de parentesco entre aves e dinossauros. Isso porque ele tem alguns traços semelhantes aos das aves modernas que o arqueoptérix não tinha. Por exemplo, a quilha do osso esterno (o arqueoptérix tinha o esterno, mas não a quilha), os ossos fundidos no que seria o pulso de suas mãos finalizadas numa única garra, indicando uma adaptação para o vôo, longas pernas e o crânio que lembra o de uma ave, como o de um pato.

A discussão em torno do Mononychus e do arqueoptérix reflete as disputas que se travam quanto ao rumo da evolução das aves. Que elas se originaram dos répteis ninguém duvida. Mas, para os ornitólogos, a transição ocorreu a partir de uma linha de répteis que se separou em determinado momento muito antes do aparecimento dos dinossauros, e assim, as aves primitivas teriam surgido antes deles. De outro lado, estão os que afirmam com segurança que as aves vieram depois dos dinossauros. Entre estes, está o paleontólogo baiano Diógenes de Almeida Campos, responsável pelo setor de Paleontologia do Departamento Nacional de Produção Mineral, no Rio de Janeiro. Para ele, os primeiros fósseis de dinossauros são datados de 100 milhões de anos antes das aves, do Triássico. Elas surgem depois, no Jurássico. “O Mononychus é mais uma evidência de que o arqueoptérix era, de fato, um dinossauro, de onde, provavelmente as aves se originaram. Foi só no Cretáceo que elas adquiriram as características de aves como as conhecemos hoje: sangue quente, ausência de dentes e corpo coberto de penas”, diz ele, com a autoridade de quem há 25 anos se dedica a estudar ossos e dentes de répteis fósseis e orienta es-tudantes de pós-graduação em Paleontologia, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“A investigação está apenas começando”, lembra o paleontólogo Bertini. “Desde 1976, pesquisadores russos e poloneses também vêm encontrando na Mongólia exemplares de celurossauros com fortes traços de aves. Talvez por ter sido o local onde esses animais evoluíram e ocorreram em maior quantidade. Vamos esperar que essas descobertas sejam noticiadas.” Mark Norell, de sua parte, realiza este mês sua última expedição ao Deserto de Gobi. Daqui para a frente vai caçar fósseis de dinossauros no Chile, na África, Argentina e ainda na Ásia.

1.Esses répteis esquisitos com jeito de mamíferos

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Os primeiros répteis mamiferóides, assim chamados por apresentarem características de mamíferos — como dentes divididos em incisivos, caninos e molares e duas protuberâncias na base do crânio onde se encaixa a primeira vértebra —, apareceram no final do período Carbonífero e início do período Permiano, cerca de 300 milhões de anos atrás. Ou seja, bem antes do aparecimento dos primeiros dinossauros — o mais antigo que se conhece, o Eoraptor, data de cerca de 225 milhões de anos. Esses estranhos animais, que deram origem aos mamíferos, surgiram entre os pelicossauros, ramo dos répteis perfeitamente adaptado à vida fora da água. Ao que tudo indica, eles eram capazes de manter a temperatura do corpo usando o próprio metabolismo ou, no caso de alguns deles, utilizando placas membranosas em forma de velas que tinham nas costas — supõe-se que tais placas fossem dissipadoras e também receptoras de calor. À medida que os dinossauros foram ocupando todos os nichos ecológicos (à exceção da água e do ar), a partir do Triássico, os répteis mamiferóides praticamente desapareceram e os que sobraram ficaram bem escondidos. Entretanto, durante o Jurássico, os verdadeiros mamíferos começaram, aos poucos, a concorrer com os dinossauros e só depois da extinção do Cretáceo é que se desenvolveram e aí, sim, ocuparam todos os espaços.

Entre os pelicossauros, destacavam-se os ofiacodontes, carnívoros de até 3,6 metros. Outros pelicossauros, no entanto, evoluíram até se tornarem terápsidos — os legítimos avós de todos os mamíferos.

Ophiacodon

(Permiano)

Exemplo típico de pelicossauro, com quase 4 metros de comprimento e prováveis 50 quilos, esse animal passava a maior parte do tempo na água, caçando os peixes e anfíbios.

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Procynosuchus

(fim do Permiano)

Cinodonte significa dentes de cão. Da família dos terápsidos, são eles que darão origem aos mamíferos modernos. O Procynosuchus, com 60 centímetros de comprimento, tinha cauda longa e pata com membranas e pode ter sido o ancestral dos cinodontes. Bisavô dos mamíferos, portanto.

Cynognathus

(começo do Triássico)

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Com terríveis mandíbulas armadas de dentes especializados, 1,5 metro de comprimento, o Cynognathus (que significa cara de cão) é o modelo acabado do réptil mamiferóide: a boca cheia de dentes de tamanhos e aspectos diversos, o cotovelo para trás e o joelho para a frente, traços típicos dos mamíferos, convivem com uma estrutura óssea característica dos répteis.

Para saber mais:

A charada dos dinossauros (SUPER número 3, ano 1)

A volta dos dinossauros

(SUPER número 12, ano 3)

Incríveis dinossauros das neves

(SUPER número 2, ano 8)

A catástrofe veio mesmo do céu

(SUPER número 1, ano 9)

A volta de Frankenstein

Fazer sucesso com dinossauros não é surpresa. Os fantásticos seres que sumiram da face da Terra há 65 milhões de anos têm fãs de sobra para lotar todas as salas escuras do mundo. Mas quando esse tema traz a assinatura de Steven Spielberg e 52 milhões de dólares de investimento, tem tudo para ser um sucesso irretocável. E é esse o adjetivo para o recém-lançado Jurassic Park — Parque dos Dinossauros, o melhor filme já rodado sobre os animais pré-históricos. De lambuja, com uma história não menos fascinante.

Cientistas descobrem, na barriga de um mosquito fossilizado, restos de sangue com DNA de dinossauros picados pelo inseto e resolvem ressuscitar os bichos a partir de seus códigos genéticos. Uma missão aparentemente impossível, não fossem os estudiosos funcionários de um excêntrico empresário do ramo de engenharia genética. O milionário patrão não só banca a empreitada, como aproveita para lucrar um pouco com ela e funda um parque turístico lotado de seres pré-históricos vivos. Como não podia deixar de ser, os gigantes acabam escapando ao controle dos criadores e aí, tome emoções.

Só que, para alguns seletos integrantes da platéia que têm abarrotado os cinemas, o assustador não está no realismo das maquetes em tamanho natural e dos efeitos especiais spielberguianos. O que dá medo mesmo é a mensagem anticientífica da película. “Se posso reviver um dinossauro, fico pensando quais serão os outros demônios que vão me acusar de trazer ao mundo?”, escreveu recentemente Russell Higuchi, um respeitado geneticista americano. Higuchi e seus colegas temem que Michael Crichton, autor do best-seller Jurassic Park, que inspirou Spielberg, esteja reeditando a síndrome de Frankenstein, o velho mito da ciência amoral liberando forças da natureza que depois não consegue controlar.

Mas a verdade é que, por maior que seja a grita, Crichton não tirou a história do nada. Ele seguiu os rastros de outro cientista dos Estados Unidos, o patologista George O. Poinar Jr, que em 1962 encontrou, num fóssil de âmbar com 40 milhões de anos, os restos cromossômicos de um fungo. Desde então, já se descobriram vários tipos de resíduos genéticos antigos, inclusive de insetos e até mesmo mamutes. Resumo da ópera: Crichton acha, e Spielberg endossa, que berçário de frankensteins chama-se laboratório e que, ao contrário do livro e do filme, eles sempre nascem longe da opinião pública.

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