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Peixe-boi, Com todo cuidado

Dócil, desajeitado e, ainda por cima, saboroso, o peixe-boi parece uma espécie fadada à extinção em meio à destruição do seu hábitat. Mas um grupo de pesquisadores ligados ao Ibama se recusa a aceitar esse destino

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h37 - Publicado em 31 Maio 2002, 22h00

Denis Russo Burgierman, de Barra do Mamanguape, PB

Tem cada profissão neste mundo. A de Cícero de Oliveira e de José Carlos Leôncio, tenho certeza, você nem sabia que existia. Os dois ganham a vida seguindo peixe-boi. Não qualquer peixe-boi. Geralmente é um específico: Xuxu, 13 anos, o peso de um Fusca. Cícero e Carlinhos passam os dias em alguma praia maravilhosa do Nordeste, como a de Carne de Vaca, em Pernambuco, onde fui encontrá-los. Binóculos em punho, antena de rádio na mão para captar o bip-bip do transmissor no rabo do animal, ficam com o olhar atento no mamífero marinho para evitar que a multidão que ele costuma atrair se aproxime. Enquanto isso, Xuxu, impávido colosso, passa os dias a dormir e a comer plantas, especialmente o capim-agulha das margens.

Parece um trabalho mole. Mas não é. Um dia, sem aviso, Xuxu se manda da praia e inicia mais uma de suas longas viagens – Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte. E lá vão Carlinhos e Cícero apressados atrás do bichão. De vez em quando, Xuxu se aventura por um rio, atrás de comida. Às vezes, é um rio imundo. Agora mesmo, quando fui conhecê-los, Cícero e Carlinhos estavam se coçando das micoses provocadas por uma dessas incursões de Xuxu ao esgoto. “Uma vez ele foi parar num rio que cruzava uma favela perigosíssima”, diz Cícero. Naquele dia, Cícero terminou com um revólver na cabeça, tentando explicar o que um fiscal do Ibama fazia naquele lugar de madrugada. Cícero, de 33 anos, segue peixe-boi há sete. Carlinhos está no emprego há 14 dos seus 36 anos. “Só falta assinar o papel: ‘casamento de Xuxu com Carlinhos’”, diz.

Tanto cuidado se justifica. Xuxu é um dos 400 peixes-bois que sobraram na costa do Nordeste – um passinho para a extinção. Não é à toa que cada um é protegido dia e noite. Também dá para entender por que os filhotes que encalham precisam ser resgatados numa complicada operação que envolve um caminhão adaptado com um piscina. E mais: os peixes-bois resgatados são levados para uma base do projeto, onde recebem cuidados diários de veterinários e, acredite, são alimentados com mamadeira (bebem um “leite” feito para parecer o da mãe, que leva como ingredientes coco e ovo com casca).

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O peixe-boi é um animal dócil, sua agilidade não é lá essas coisas e ainda tem o azar de possuir uma carne ótima. E o pior, ele não consegue se reproduzir, graças à cultura da cana e à conseqüente derrubada das matas. É que o desmatamento desbarrancou os rios do Nordeste e a foz de cada um deles foi sendo assoreada. Com isso, as fêmeas ficaram impedidas de chegar nas áreas de água salobra – os manguezais – para parir. Eles ficaram rasos demais. Resultado: o parto acontece em alto-mar, desajeitadamente, entre ondas, e o filhote acaba abandonado e encalha na areia. Até há alguns anos, os encalhados morriam ressecados ou, mais freqüentemente, eram abatidos por pescadores.

Em resumo, caçada à exaustão e sem conseguir deixar descendentes, a espécie estava com os dias contados. Foi esse o cenário que o oceanógrafo gaúcho José Catuetê Albuquerque encontrou em 1980, quando percorreu a costa brasileira a mando do Ibama. Catuetê fundou o Projeto Peixe-Boi naquele ano, na linda praia paraibana de Barra do Mamanguape. Em 1985, morreu tragicamente num acidente de carro. O projeto quase morreu junto.

Mas, em 1987, ele foi retomado. Na época, a espécie era tão desconhecida que não havia sequer uma foto do bicho no país para fazer os cartazes das primeiras campanhas. Em 1989, um peixe-boi foi encontrado morto – com marcas de pauladas e enrolado numa rede. Os pesquisadores conheciam tão pouco sobre a espécie que não sabiam por onde começar a dissecação. Desses tempos de ignorância para cá, muita coisa mudou. O bem-sucedido trabalho de educação ambiental do projeto acabou completamente com a matança intencional. A pesquisa científica sobre a espécie difundiu-se. E nove peixes-bois foram reintroduzidos.

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As reintroduções acontecem depois que o animal passa dos 200 quilos, peso suficiente para que ele se desvencilhe de redes de pescadores. Até lá, eles ficam em um cercado no manguezal da Barra de Mamanguape ou em tanques na base da ilha de Itamaracá, em Pernambuco, onde podem ser visitados por turistas. (Há lá também um cinema construído em forma de peixe-boi e está sendo planejado um parque temático sobre o animal. Tudo isso é um esforço para gerar dinheiro e tornar o projeto auto-suficiente. Hoje ele depende do patrocínio da Petrobras.)

Se o peixe-boi vai ser salvo? “De 1500 a 1980, não houve nenhum esforço de preservação – só caça”, diz Régis Pinto de Lima, o atual coordenador do projeto. “Nos últimos 22 anos, pelo menos começou a haver algum movimento no outro sentido. É pouco tempo ainda, mas surgiu uma esperança.”

Os finalistas

A disputa entre ONGs na categoria Fauna foi uma das mais acirradas do Prêmio Super Ecologia. Por pouco, a honra não fica com o criativo Projeto Arara Azul, que também está perto de livrar uma espécie da extinção – a bela arara-azul do Pantanal. Outro projeto muito bem avaliado foi o realizado pela ONG Sea Shepherd, responsável por um programa de treinamento de voluntários para salvar animais marinhos em derrames de óleo. Graças a eles, na próxima vez que acontecer um vazamento, haverá uma rede de ambientalistas preparados para agir rápido e salvar aves, peixes e mamíferos. Sem falar que muitos projetos excelentes tiveram que ser eliminados antes de chegar à final.

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