Pela criação de lembranças falsas
Alterando nossa memória, médicos poderiam ajudar pacientes a lidar com doenças e distúrbios
Elizabeth Loftus*
Durante a campanha para a Presidência dos EUA, em 2008, Hillary Clinton contou em um discurso que havia feito uma viagem assustadora à Bósnia 12 anos antes. “O helicóptero pousou em meio a tiros… Tivemos de correr com a cabeça abaixada para os veículos que nos esperavam.” Algo errado surgiu quando a imprensa procurou imagens daquele dia. Elas mostravam um pouso pacífico, e Hillary e sua filha sendo recepcionadas por estudantes. Nada do que a candidata falou havia acontecido. Hillary teria mentido descaradamente?
Talvez não. Ela pode simplesmente ter caído em um truque da memória. Não é difícil fazer pessoas se lembrar de coisas que nunca aconteceram. Memórias falsas podem surgir quando alguém nos conta uma versão incorreta do passado. Ou quando somos questionados de forma direcionada. Claro, isso é ruim porque distorce o passado. Mas acredito que podemos usar as memórias falsas para nos fazer bem – ajudando a superar doenças e distúrbios.
É uma linha que tenho estudado com alguns colegas. Em uma pesquisa, nosso objetivo foi tentar convencer voluntários de que eles haviam se perdido em um shopping center quando crianças. Para isso, usamos informações coletadas com os pais dos participantes, criando um cenário baseado em histórias reais. Um quarto dos participantes disse ter se lembrado do momento em que teriam se perdido. Estudos de outros cientistas tiveram resultado semelhante. Voluntários se lembraram de ter se afogado ou ter sido atacados por um animal quando criança, o que nunca tinha acontecido.
Isso nos fez ver que é possível usar lembranças falsas para influenciar o comportamento de alguém. Em outro estudo, fizemos voluntários se lembrar que tinham ficado doentes quando criança depois de comer ovos cozidos. Era uma lembrança falsa. Mas, mais tarde, os participantes disseram ter menos vontade de comer ovos por causa da “recordação”. Repetimos o estudo com alimentos calóricos, como sorvete de morango. O resultado foi igual.
Criar memórias como essas poderia ser uma forma de tratar obesidade e diabetes, por exemplo. Os pacientes ficariam sugestionados a comer menos alimentos prejudiciais a sua saúde. Ainda há um problema ético: um médico não poderia avisar ao paciente que iria implantar uma lembrança em sua memória, porque o dado falso não teria efeito. Seria preciso mentir. Ou encontrar uma forma de levar a informação nova à memória sem esconder nada do paciente. Ainda temos de encontrar a maneira de médicos usarem essa abordagem, mas não há nada que impeça que pais tentem isso com seus filhos. Já recebi críticas por sugerir que pais mintam para seus filhos, mas eles têm feito isso há muito tempo – basta lembrar do Papai Noel.
De qualquer maneira, ainda é preciso pesquisar mais. Se permitirmos que as pessoas sejam enganadas para que consigam uma vida saudável, o que virá depois? Temos o desafio de definir quem terá o comando sobre essa engenharia mental, para evitar que ela escape do controle.
* Elizabeth Loftus é professora de psicologia da Universidade da Califórnia, campus de Irvine. Os artigos aqui publicados não representam necessariamente a opinião da SUPER.