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Personalidades transtornadas

Sem algumas manias, seríamos previsíveis e chatos. Mas certos padrões de comportamento podem devastar vidas. São os transtornos de personalidade - o capítulo da psiquiatria em que a fronteira entre normal e anormal é mais incerta

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 19 Maio 2012, 22h00

Willian Vieira

O que há em comum entre a exibida Scarlet O’Hara, o paranoico Stálin e o gênio violento Caravaggio? Eles formam o exército de pessoas com transtornos de personalidade.

Não, não é que o funcionamento da cabeça deles esteja prejudicado, como na esquizofrenia e na depressão. O problema aqui é seu padrão de comportamento. Para a psiquiatria, por exemplo, não é normal pensar só em si, fazer de tudo para chamar a atenção ou desrespeitar toda norma social. Embora o paciente possa até não achar nenhum problema em seu jeitão de ser, seus atos podem prejudicar muito as pessoas à sua volta.

Mas é preciso ir com calma. Não vá sair por aí bancando o psiquiatra. Seu chefe pode ser um pouco metido sem que seja diagnosticado como narcisista. Você pode ser tímido ou um grande animador de baladas sem ser esquivo ou histriônico. E, mesmo que seja bem estourado, vai provavelmente estar estar muito longe de ser um psicopata sanguinolento. O que define o comportamento como doença é que ele acarrete problemas concretos para si e para os outros – como no caso das pessoas e dos personagens que mostraremos nas páginas seguintes.

 

 

Caravaggio o psicopata

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Infância briguenta, ficha policial gorda, assassinatos, dívidas, fama, título de nobreza e morte misteriosa. Sob a máscara de gênio da pintura barroca italiana e queridinho da Igreja, vivia um violento crápula, que, como 3% da população em geral, se encaixava no perfil de um psicopata.

Caravaggio é tido como um dos maiores pintores italianos, reconhecido por introduzir uma nova estética naturalista e barroca, dominada por excessos e contrastes. Ótimo. Só que na época em que viveu, nos idos do século 16, ele era mais conhecido por ignorar completamente a vida alheia. Segundo suas biografias, o gênio da pintura tinha todos os traços do transtorno de personalidade antissocial – a famosa psicopatia.

Arrogantes, mentirosos e irresistíveis. O que define o psicopata é a incapacidade de sentir emoções, de se colocar no lugar dos outros e internalizar regras sociais – uma mistura desastrosa que começa desde a infância e até hoje não tem tratamento. Sem sentimentos para distraí-los, psicopatas caem facilmente no tédio e, para combater isso, procuram viver impulsivamente grandes aventuras à custa dos outros – do seu dinheiro, do seu sexo ou mesmo da sua vida.

Para eles, o remorso é apenas uma curiosa fraqueza alheia que serve de ferramenta para suas manipulações. Não é de surpreender que 20% da população carcerária seja psicopata. Mas apenas a minoria dessas pessoas sem consciência são os famosos matadores em série. Mais comuns são os canalhas do dia a dia – falsários, amantes canalhas, amigos parasitários ou escroques tão malvados quanto talentosos, como Caravaggio.

Psicopatas não têm ansiedade nem medo e, por isso, conseguem mentir sem tremer nas pontas. Analisam as pessoas até descobrir quais são os seus pontos fracos. Assim, sempre conseguem jogar uma boa lábia e, como camaleões sociais, parecer a pessoa ideal, seja na hora de conquistar uma rapariga (ou um moçoilo), seja para tornar-se pintor papal. Depois de dar o bote, vivem como parasitas ou como predadores. Compromisso, só com o seu próprio prazer.

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De que o pintor era um prodígio, ninguém duvida. O gênio começou a trabalhar com apenas 13 anos, como aprendiz de um pintor em Milão. Adolescente, tinha já perdido pai e mãe, mas não foi exatamente de tristeza que sofreu. Caravaggio era tão briguento que logo vendeu os bens da família para pagar fianças. Na bancarrota aos 18 anos, decidiu tentar a sorte em Roma. E, para ser visto como um menino prodígio, não economizou na mentira. Dizia ter dois anos a menos. Logo isso atraiu um mecenas, que o sustentou para pintar quadros provocantes (com insinuantes meninos seminus). Aos 25, se deu bem de novo: começou a pintar para a Igreja e logo se tornaria o artista mais conhecido de Roma – nada mal para psicopatas, caracterizados pelo ego inflado e pela necessidade de status.

Só que outra característica desse transtorno é o vício em perigo. Mesmo em seus quadros religiosos, Caravaggio usava meretrizes para representar a virgem Maria e ladrões para os santos. Imagine sua satisfação ao saber que a corte papal estava recebendo a pintura de uma prostituta para ser adorada como santa. Caravaggio não se casou nem teve filhos – um escândalo para a época. Atrasava a entrega dos quadros e recebia multas. Mas era esperto: sempre que se metia em briga, tinha contatos para sair da prisão.

Certa vez, alguém denunciou que suas obras para a Igreja eram impuras. Caravaggio desferiu um golpe de adaga no infeliz. Quase matou outro por ter dormido com a sua prostituta preferida. Num jantar, o garçom não lhe deu suficiente atenção e ele lhe jogou um prato de alcachofras fervente na cara. E as coisas pioraram. Um dia quebrou a cabeça de um sargento. Mas jurou no julgamento que “uma pedra caíra de um telhado”. Não demorou muito tempo na prisão: subornou os guardiões e fugiu com a ajuda de um cardeal. Até que assassinou um homem a punhaladas numa briga.

Foi condenado à pena capital, mas fugiu para Malta, onde, para pôr a cereja em sua carreira psicopática, foi condecorado com o título de cavaleiro da Sagrada Ordem dos Hospitalários. Claro, se envolveu numa briga, foi preso, fugiu… até que, aos 39 anos, apareceu morto numa praia. Sua biografia já alcançara o estrelato. Para o bem e para o mal.

 

 

O ANTISCIAL

• Não consegue seguir normas sociais e acaba cometendo crimes.

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• Engana os outros para tirar vantagem pessoal ou prazer.

• Não consegue trabalhar com planos de longo prazo.

• É estourado e parte facilmente para a agressão física.

• Despreza a sua segurança e a das outras pessoas.

• Não tem responsabilidade para manter um emprego nem honrar pagamentos.

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• Não sente remorso, mesmo quando fere, maltrata ou rouba alguém.

• Necessariamente teve transtorno de conduta antes dos 15 anos.

O que ele pensa: Os outros estão aí para ser explorados.

 

 

Mão o grandioso
Culto pessoal, bajuladores de plantão e uma teimosia que causou pelo menos 30 milhões de mortes. Saiba como o Grande Timoneiro levou a China a tremer diante da sua imagem.

Era uma vez na mitologia grega um belo homem chamado Narciso, que passara a vida e a morte admirando sua imagem num espelho d’água. É daí que vem o nome do transtorno de personalidade narcisista. Mas, longe dessa suposta paz, o narcisista não suspira. Age ativamente para que seja considerado o melhor em tudo, sempre. Mesmo que, para construir a imagem de Deus na terra, sacrifique milhões de pessoas de fome. Seu nome deve ficar na história – como fulgura o mausoléu de Mao Tsé-Tung em Pequim, no coração da Praça da Paz Celestial.

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“A estrutura psíquica de Mao era produto de sua inabilidade em manter o equilíbrio narcisista regulando sua autoestima”, escreve o historiador Michael Sheng. Isso é típico de narcisistas, que representam 1% da população. Eles acreditam ser seres superiores e, para comprovar essa crença, buscam reconhecimento, por sua influência, sua inteligência, sua grana ou sua beleza. Por isso, usam os outros como objeto de distinção. Gente comum é automaticamente descartada – mas terão bastante valor aquelas que puderem servi-lo ou admirá-lo. Não surpreende que Mao promovesse bajuladores. Na primeira vez que voou de avião, seu piloto passou a viagem tecendo-lhe elogios. Depois, foi alçado ao topo da aviação militar chinesa.

O poder é essencial para o narcisista. E, para demonstrar seu cacife, altera limites, toma decisões por conta própria, controla os outros e cria exceções para regras. Ele está acima das leis, mesmo as da natureza. Afinal, quem se julga tão especial acha que riscos são coisa pequena – desde ultrapassar o limite até conduzir um país a uma catástrofe.

Foi o que Mao fez ao promover o Grande Salto Adiante, uma polêmica reforma agrícola que, entre 1958 e 1960, matou ao menos 30 milhões de pessoas de fome. Ainda que soubesse das pessoas caindo feito moscas no campo, Mao nutria a fantasia de uma China feita por suas mãos. Estava tão inebriado pelo sucesso de sua imagem que todo o resto era detalhe – inclusive as mortes em massa. “E as pessoas mantinham seu culto justamente por estarem necessitadas de um ideal pelo qual viverem”, diz Sheng.

Mao dominou com mão de ferro mais de um quinto da população do planeta entre 1949 e 1976. Foi o idealizador da Revolução Cultural, que expurgou “inimigos” do regime aos milhares e levou o país ao caos. Mas a China sobreviveu e ficou mais forte após sua morte. Aos poucos, a nação deixou de ser seu espelho.

 

 

O narcisista

• Exagera sua importância e espera ser reconhecido à altura.

• Vive fantasias de sucesso, poder e inteligência sem limite, ou amor ideal.

• Acha que é especial e único, e que só pode se associar a pessoas tão ou mais especiais.

• Exige que o admirem.

• Espera irracionalmente ser tratado de forma favorável ou obedecido automaticamente.

• Tira vantagem dos outros para atingir seus objetivos.

• Reluta em se identificar com sentimentos e necessidades alheios.

• Vive com inveja dos outros ou acredita ser alvo da inveja alheia.

• Tem comportamentos e atitudes arrogantes e insolentes.

O que ele pensa: Eu sou especial.

 

 

Stálin o desconfiado
Um ditador mata muitos inimigos. Mas um ditador paranoico mata também os amigos – como Stálin, que executou um terço dos 3 milhões de membros do Partido Comunista.

Que atire a primeira pedra quem nunca desconfiou de alguém sem razão alguma. Agora imagine se essa sensação durasse o tempo todo, na mente de um ditador sanguinário com armas atômicas e um exército de milhões de soldados. Josef Vissarionovich Dzhugashvili – ou Stálin, para os 3 milhões de pessoas assassinadas por causa dele – era de fato mais que desconfiado. Segundo a psicóloga política Rose McDermott, o que ele tinha era transtorno de personalidade paranoide.

O paranoico suspeita sempre que alguém o engana. Por achar que tudo pode ser usado contra si, ele testa sempre a lealdade dos colegas e parceiros e luta para não deixar decisão alguma na mão deles. É o que explica que o líder comunista expurgasse todo o seu gabinete sempre que suspeitasse que alguém pensasse em traí-lo. Afinal, que melhor maneira de matar a dúvida que eliminá-la pela raiz?

De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, de 0,5 a 2,5% das pessoas são paranoides. Seu transtorno pode manifestar-se na infância, mas as coisas ficam sérias no começo da idade adulta. É a história do jovem excêntrico, crítico, frio, que prefere ficar sozinho. Não é que ele odeie as pessoas à sua volta: apenas as culpa por tudo e não confia em ninguém. Por fim, torna-se autossuficiente e usa o poder para que ninguém possa atacá-lo.

Toda a vida de Stálin serviu para que ele galgasse e mantivesse mais poder. Pena de quem cruzasse seu caminho: sua única incerteza era: “Prender ou executar?” É claro que não era nada pessoal. A explicação de Stálin para mandar milhares de pessoas para campos de trabalho forçado na Sibéria, onde muitos morriam de frio, fome e esgotamento, eram sempre questões “políticas” – não importava se a desconfiança viesse de uma denúncia, de um sonho, de um estalo.

Afinal, o paranoico vê ameaças ocultas em acontecimentos cotidianos. É um rancoroso implacável: qualquer insulto, qualquer deslize fica amarzenado na memória como prova de um ataque. E tudo acaba sendo voltado à sua pessoa: um comentário pode ganhar uma dimensão de ataque grave, e o paranoico acabará reagindo com outro, geralmente rápido, impulsivo e desproporcional.

Apesar de o paranoico não ser nenhuma flor de pessoa, seu poder frequentemente atrai um grupo a seu redor. Stálin era pródigo em cercar-se de assassinos fiéis, que não hesitavam em torturar sua própria família. Ganhou notoriedade por mandar matar até esposas de seus colaboradores. Assim se tornou o líder de um culto paranoico, misto de adoração e medo, que durou 3 décadas e custou a vida de milhões, até que morresse, em 1953, de infarto. Estava no auge de seu transtorno, louquinho da Silva.

 

 

O paranoide

• Acha que é explorado, maltratado ou enganado, mesmo sem provas.

• Vive preocupado com a lealdade de amigos ou colegas.

• Reluta em confiar nos outros, pois acha que o que diz vai ser usado contra si.

• Vê ameaças ocultas mesmo em elogios ou acontecimentos bons.

• Guarda rancores persistentes.

• Vê ataques a si onde não tem, e contra-ataca rapidamente.

• Suspeita recorrentemente da fidelidade do parceiro sexual.

O que ele pensa: As pessoas são perigosas.

 

 

Scarlett O’hara a exibida
Nos tempos das cavernas, uns seduziam os outros para reproduzir-se ou conseguir favorzinhos. Mas, quando alguém traz essa estratégia primitiva para o mundo de hoje, o resultado é um dramalhão sem fim.


Quem nunca ouviu falar de Scarlett O’Hara, a heroína mais egoísta da história do cinema, que, em …E o Vento Levou, enfrentou uma guerra civil só para chamar a atenção do homem que queria? Scarlett tem as características do transtorno de personalidade histriônica, que ocorre entre 2 e 3% da população. A pessoa vive para ser o centro das atenções. Sempre que isso não acontece, sente-se preterida e corre atrás do prejuízo – mesmo que tenha de fazer uma cena. Geralmente animada, divertida, sagaz, pode ser muito sedutora. Na verdade, tenta seduzir todo mundo. Como Scarlett.

Menina mimada de família rica, adorada por todos na sua cidadezinha natal, no sul dos EUA, Scarlett nasceu na época da Guerra da Secessão (1861-1865). Mas sua guerra é outra: conquistar o único homem que não a amava. Scarlett tem duas irmãs, cuja beleza fica esquecida perto da sua. Seu vestido é mais bonito, sua voz é mais alta, seu olhar, mais feminino. Sua presença conquista mulheres pela falsa simpatia e os homens pela beleza. Minutos depois, lá está Scarlett, cercada por mancebos, que deixam as esposas para falar com ela. É essa a atenção que ela busca, não importa o resto.

Daí o transtorno ser atribuído mais frequentemente a mulheres: são características como a sensualidade exacerbada – menos aceita em mulheres nas sociedades conservadoras -, as mais visíveis num histriônico. Sempre que não consegue algo, Scarlett parte para a sedução. Um homem que faz isso é o “machão”. Já uma mulher… Por outro lado, é mais comum a sociedade aceitar mulheres dramáticas que homens – e a teatralidade é um dos quesitos-chave do transtorno. Scarlett, se chora, não hesita em soluçar, mas olhando de soslaio para garantir o efeito da cena.

Altamente influenciáveis, os histriônicos acreditam em falsas realidades se elas forem ao encontro do que desejam. Não à toa, Scarlett, ao longo do filme, acaba se convencendo de que seus esforços finalmente conseguem seduzir o amado Ashley Wilkes. E o mais importante: o histriônico consegue sempre seu espaço – mesmo que seja no coração dos românticos, que ignoram todas as maldades e atropelos de Scarlett. Afinal, quem não gosta de Scarlett O’Hara, a menina que, após ser enfermeira na guerra, promete nunca mais passar fome?

 

 

O HISTRIÂNICO

• Fica incomodado quando não é o centro das atenções.

• Interage com os outros de forma sedutora.

• Expressa mudanças rápidas e superficiais nas emoções.

• Usa o tempo todo a aparência física para chamar a atenção.

• Fala de forma muito impressionista e carente de detalhes.

• É teatral demais.

• É facilmente influenciado pelos outros ou pelas circunstâncias.

• Acha que seus relacionamentos são mais íntimos do que de fato são.

O que ele pensa: Preciso impressionar.

 

 

Darth Vader o instável
O vingador intergalático era desajustado em tudo: relacionamentos, autoimagem, afeto, comportamento. E teve o mesmo fim que 10% dos com transtorno borderline – o suicídio.

Há muito tempo, numa galáxia muito distante, um borderline foi responsável por uma saga sem precedentes, que mexeu com repúblicas e impérios e concretizou a maior das profecias: acabar com a raça dos siths. Um artigo publicado na revista Psychiatry Research afirma: Anakin Skywalker, o herói-vilão de Guerra nas Estrelas, atende a 6 dos 9 critérios para o transtorno de personalidade borderline (“limítrofe”, em inglês). E o artigo vai além: o fato de o distúrbio ser mais comum entre adolescentes ajudaria a explicar o sucesso da saga.

O paciente oscila rapidamente entre ver tudo preto e tudo branco: ora adora, ora detesta alguém; ora está muito satisfeito, ora entra em desespero e é tomado pela raiva. Embora seja fácil fazer confusão, isso é bastante diferente do transtorno bipolar, marcado por um episódio de depressão aqui e outro de euforia ali, intercalado por períodos normais.

O borderline exige que as pessoas estejam sempre lá para lhe darem atenção. Uma hora está carente. Depois, vira um vingador inveterado. Para completar, pode ter um sentimento crônico de vazio, ficar terrivelmente entediado e querer morrer. Isso exaure parentes, amigos e colegas, bloqueia talentos e, por fim, leva 10% ao suicídio.

Nem mesmo a Força – a energia existente em todas as coisas vivas e que tão bem aceitou Anakin na sua transformação de garotinho difícil no mais poderoso cavaleiro jedi de todos os tempos – conseguiu controlar sua instabilidade. Desde a infância, garoto lá pelas bandas desérticas de Tatooine, Anakin era um impulsivo inveterado e tinha grande dificuldade para controlar sua raiva, alternando constantemente sentimentos de idealização e depreciação. Quando algo que queria era ameaçado, ou ferido, sai de perto. Tanto que, logo após a morte de sua mãe, Anakin teve de exterminar toda uma tribo de tuskans.

Só que, mais do que impulsividade e instabilidade, o que marca o borderline é a crise de identidade. O tempo todo Anakin se questionava sobre quem realmente era. E, ao longo da saga, isso fica mais grave. Anakin migra para as forças do mal, vira Darth Vader e só deixa de encarnar o perfil de maior vilão das galáxias ao ver o filho agonizar na sua frente. É quando novamente troca as trevas pela luz e decide morrer como bom moço. Quer mais crise de personalidade?

 

 

O borderline

• Esforça-se freneticamente para não ser abandonado.

• Ora idealiza as pessoas, ora as desvaloriza.

• Tem imagem de si muito instável.

• Comporta-se impulsivamente: gasta sem parar, abusa de substâncias, dirige imprudentemente…

• Faz ameaças ou gestos suicidas ou automutilantes.

• É afetivamente instável.

• Sente-se sempre vazio.

• Não consegue controlar a raiva.

• Tem ideias paranoicas.

 

 

Melvin o perfeccionista
Rabugento, moralista, cabeça-dura e workaholic. O personagem de Jack Nicholson em Melhor Impossível tornou-se sinônimo de personalidade compulsiva – presente em 1% das pessoas.


Melvin Udall está concentrado, escrevendo em sua máquina um trecho de mais um livro, enquanto repete em voz alta, quase com carinho, cada nova sentença.

“E finalmente ela conseguiu definir amor. O amor era”… mas eis que alguém bate na porta. Udall ignora. O trabalho é tudo o que importa. “O amor era…” – e lá vêm novas batidas. Ele se levanta, xingando, e escurraça o pobre Simon. “Eu trabalho em casa. E estou sempre trabalhando. Então nunca, nunca me interrompa, ok? Nem se houver fogo!”

Há uma explicação para o comportamento do escritor rabugento de Melhor Impossível: transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva, ou TPOC. Udall é tão preocupado com sua sagrada rotina que esquece o porquê do que faz. Não que ele sofra com isso: o que o deixa ansioso é a possibilidade remota de ter de mudar um milímetro na série de regras que constroem seu cotidiano.

O que faz sua mania virar um transtorno? Bem, as consequências. Seu perfeccionismo interfere no resultado de suas tarefas. Ele perde amigos, relacionamentos amorosos degringolam, já que sua sacrossanta rotina acaba sendo mais importante que a mulher por quem se apaixonou. No controle de tudo, Udall fica tirânico, desagradável, insuportável. O indivíduo com personalidade obsessivo-compulsiva é tão apegado a regras que vira um moralista dos costumes, intolerante com as diferenças. Udall tem tantos preconceitos que vira uma caricatura.

Mas aí vale uma resalva. O TPOC é diferente do Transtorno Obsessivo-Compulsivo – o famoso TOC. As obsessões do TOC causam sofrimento para a pessoa – como quem toma vários banhos por dia e ainda assim não consegue sentir-se limpo ou verifica inúmeras vezes a torneira. Quem tem TOC pode ficar paralisado pela mania, sofrer com suas causas, entrar em desespero. Já no TPOC, segue suas regras por puro perfeccionismo. Quem tem que mudar são as pessoas ao seu redor.

Claro, muitas vezes o TPOC e TOC acontecem ao mesmo tempo. É o caso de Udall, incapaz de usar o mesmo sabonete duas vezes. Como boa parte dos transtornos de personalidade, o TPOC é tratado com psicoterapia e, às vezes, antidepressivos. A pessoa não se cura, mas consegue diminuir a rigidez de seu comportamento. Como Udall fez, ao aceitar as determinações do psiquiatra e tomar remédios. Claro, toda concessão é um troféu. “Isso é um elogio a você”, diz ele a Carol, por quem está interessado. “Você me faz querer ser um homem melhor.”

 

 

O obsessivo-compulsivo

• Preocupa-se com tantos detalhes, regras, listas, ordens e organização que perde o propósito do que faz.

• Deixa de concluir tarefas por causa do perfeccionismo.

• Devota-se demais ao trabalho e deixa o lazer e as amizades de lado.

• É inflexível em questões morais.

• Não consegue se desfazer de objetos inúteis, mesmo sem valor sentimental.

• Reluta em delegar tarefas aos outros, a não ser que se submetam a suas regras.

• É pão-duro.

• É rígido e teimoso.

O que ele pensa: Não posso errar.

 

 

Zelig o tímido
Entre a possibilidade de ser rejeitado e a solidão, não há dúvida: o paciente com transtorno de personalidade esquiva prefere ficar sozinho, mesmo que isso signifique ainda mais tristeza e ansiedade.


Ele era um cara tão tímido, mas tão tímido e ansiava tanto, mas tanto pela aprovação das pessoas que acabava se transformando nelas. Era um camaleão humano, como ficou conhecido entre os fãs do cineasta americano Woody Allen, que criou o personagem mais tímido de todos os tempos: Zelig. Segundo o manual de psicologia de Michel Hersen, professor da Universidade do Pacífico, EUA, Zelig teria transtorno de personalidade esquiva – se não fosse uma ficção.

No filme, Zelig acaba conhecendo uma psiquiatra, que tenta ajudá-lo. Durante sessões de terapia com ajuda de hipnose, a doutora Fletcher descobre que Zelig tem a autoestima tão baixa e sente uma necessidade tão brutal de ser aceito e de não ser criticado por ser quem realmente é que acaba moldando seu corpo e personalidade de acordo com quem o cerca. Numa mesma festa, Zelig conversa com aristocratas numa roda e assume seu sotaque, suas roupas, suas opiniões, para logo, na cozinha, estar entre os empregados, falando mal dos aristocratas, num sotaque diferente. Na presença de obesos, Zelig fica obeso também. E mesmo entre nazistas, Zelig, personagem judeu interpretado pelo judeu Woody Allen, acaba parecendo com um discípulo de Hitler. Claro, é uma premissa fantástica e irreal, que brinca com o realismo para criar humor, mas que serve de paródia para um transtorno sério, que atinge entre 0,5 e 1% das pessoas em geral.

Quer ver um esquivo sair correndo? Peça então para ele assumir um papel em público, para liderar um projeto, para fazer um discurso. Ele é um tímido incondicional, um cara que sofre de uma verdadeira fobia social. Assim acabará evitando atividades, mesmo empregos, em que tenha de ter muito contato interpessoal. Ainda que receba uma promoção com um salário bem maior, ele preferirá posições abaixo de suas capacidades para não se expor à desaprovação alheia.

O esquivo parece o cara desinteressado nos outros, que dificilmente faz novos amigos. Isso porque ele só se envolve com quem já conhece e, mesmo com amigos, nunca se abre. As críticas são seu verdadeiro calvário. Sente-se inadequado em eventos sociais, já que vê a si mesmo como um desengonçado, um indivíduo sem atrativos pessoais, um perdedor. É o cara que sempre pula fora de novos projetos só para não passar vergonha. Acabam “desaparecendo”. Daí a grande sacada de Woody Allen. Zelig resolve inconscientemente sua intensa fobia social tornando-se invisível, ao assumir a personsalidade das outras pessoas.

 

O ESQUIVO

• Foge de trabalhos que exijam o contato com pessoas.

• Só se envolve se tiver certeza que a outra pessoa gosta dele.

• É reservado nos relacionamentos íntimos por medo de passar vergonha.

• Preocupa-se com críticas e rejeições em situações sociais.

• Sente-se inadequado em ambientes novos.

• Vê a si mesmo como socialmente inepto, sem atrativos pessoais.

• É extraordinariamente reticente em assumir riscos pessoais ou envolver-se em quaisquer novas atividades.

O que ele pensa: Eu posso me machucar.

 

 

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