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Pilotando um tijolo com asas

Os astronautas o adoram, mas a verdade é que o ônibus espacial é a máquina de voar mais complexa - e perigosa - já criada até hoje

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 12 fev 2011, 22h00

Imagine a dificuldade de tentar pilotar um avião supersônico. Agora pense no esforço extra envolvido em pousá-lo. Em seguida, mentalize que essa aeronave pesa 80 toneladas. Depois, lembre-se de que ela não tem turbinas e vai fazer toda a descida com o motor desligado, como se fosse um planador. E termine o exercício pensando que essa aeronave vai descer de uma órbita ao redor da Terra, reduzindo gradualmente sua velocidade de 28 800 km/h até zero. Muito bem. Esse é o ônibus espacial.

Se você não se impressionou, saiba que os astronautas têm imensa admiração por esse veículo. “Eu sou fã assumido do ônibus espacial”, diz Marcos Cesar Pontes, astronauta brasileiro e engenheiro que treinou durante anos as operações dessa nave no Centro Espacial Johnson, em Houston (EUA). E esse entusiasmo não vem à toa. Muito mais confortável do que qualquer cápsula já usada no espaço, o space shuttle, como é chamado em inglês, é a máquina de voar mais complexa já projetada pelo ser humano.

E é exatamente por isso, por toda essa admirável complexidade, que a frota remanescente de ônibus espaciais (hoje existem 3: Discovery, Atlantis e Endeavour) deve ganhar uma aposentadoria o mais rápido possível. A ideia original era interromper seus voos ao final de 2010, mas já se discute a hipótese de estender o prazo até 2011. Para muito mais que isso, não tem por onde.

Por quê? Em poucas palavras, porque esses veículos são complicados demais. O raciocínio é simples: quanto mais complexa é uma máquina, mais coisas podem dar errado com ela. Foi o que demonstraram os acidentes com os ônibus espaciais Challenger (1986) e Columbia (2003), que mataram, juntos, 14 astronautas e mostraram a fragilidade do projeto.

Ironia das ironias, o ônibus espacial foi concebido nos anos 70 pela Nasa justamente com a premissa de tornar os voos espaciais mais baratos e simples. Daí a ideia de conceber um veículo capaz de retornar à Terra como um avião e ser rapidamente preparado para fazer uma nova viagem ao espaço. Até ali, todos os veículos espaciais voavam no topo de foguetes e não eram reaproveitados após o fim da missão. A Nasa imaginava que o custo de uma missão cairia enormemente se a mesma nave pudesse ser usada diversas vezes.

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Nem é preciso ser especialista para dizer que deu tudo errado.

 

A teoria

Quando o primeiro ônibus espacial totalmente funcional – o Columbia – foi apresentado, em 1981, a agência espacial americana esperava gradualmente aumentar o número de missões anuais. Com mais 3 veículos concluídos nos anos seguintes (Atlantis, Challenger e Discovery), a meta era chegar a 50 missões por ano – quase uma por semana. Para fazer o quê, lá em cima? A Nasa queria usar os ônibus como lançadores de satélites comerciais. Assim, eles esperavam também facilitar a vida da indústria de satélites; em vez de manter os níveis de exigência na linha de produção no ponto mais alto possível, a ideia era fornecer serviço de manutenção periódica em órbita, barateando o custo da infraestrutura espacial.

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Aos pouquinhos, eles estavam chegando lá. O recorde de voos em um ano só foi em 1985: 9. Mas aí, na 2ª missão de 1986, no fim de janeiro, o Challenger explodiu durante a decolagem. A falha técnica, somada à comoção, impediram que a agência continuasse naquele caminho.

 

Mudança de rumo

Após uma revisão completa do programa, algumas decisões importantes: um novo ônibus (Endeavour) seria construído para substituir o perdido; o governo americano proibiria os ônibus de lançar satélites comerciais, limitando-os apenas a atividades da própria Nasa; e surgiu a necessidade de um esquema ainda mais rigoroso para monitoramento da “saúde” dos veículos. Resultado: o projeto até ficou mais seguro, mas muito mais caro e bem menos útil. De fato, só restaram duas funções realmente importantes para ele: lançar e fazer manutenção periódica do telescópio espacial Hubble e ajudar na montagem de uma estação espacial americana, mais tarde convertida no projeto da Estação Espacial Internacional.

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Não bastasse isso, em 2003, um novo acidente fatal, desta vez com o Columbia, encareceu ainda mais o projeto. E o esquema atual está longe de ser 100% seguro. Há quase certeza de que, se os ônibus que sobraram continuarem voando, a qualquer momento pode ocorrer uma nova tragédia. Essa foi a conclusão da comissão responsável pela investigação da tragédia de 2003, relegando os ônibus espaciais ao status de eternos veículos experimentais.

Em 2009, foi conduzida a última viagem de reparo e atualização do Hubble, e no ano que vem a Estação Espacial Internacional deve ser oficialmente concluída. Aí o caminho estará livre para a aposentadoria das veneráveis, mas perigosas, espaçonaves reutilizáveis. Apesar dos percalços, das tragédias e do tamanho da conta, pelo menos a despedida será com um tom de missão cumprida.

 

 

 

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