Por que Joãozinho e Maria ensina mais que as fábulas de Esopo
Crianças entendem melhor a lição de moral por trás das histórias quando os personagens são humanos - e não animais com características humanas
A Raposa e as Uvas, A Cigarra e a Formiga, A Lebre e a Tartaruga… a lista de fábulas atribuídas a Esopo vai longe. Você, provavelmente, cresceu escutando essas e outras histórias, que se tornaram parte da literatura infantil no mundo todo. A estrutura da fábula, elaborada pelo escravo grego no século 6 a.C, obedece lógica bem simples: é só combinar, em poucas linhas, elementos fantásticos e uma lição de moral, que fale da importância de ser um bom menino. A imensa maioria das historinhas envolve animais que se comportam como humanos – com defeitos, virtudes e, principalmente, a habilidade de puxar um papo-cabeça.
O que um estudo da Universidade de Toronto, no Canadá, descobriu é que esse tipo de ficção não toca tanto os pequenos – pelo menos quando comparado a histórias estreladas por personagens humanos. Aprender que não se deve desobedecer os pais seria muito mais fácil para uma criança com a história de João e Maria, por exemplo, do que se a mesma ideia fosse contada por animais humanizados.
Segundo os pesquisadores, as crianças costumam se identificar mais com personagens de carne e osso. Afinal de contas, meninos de verdade parecem muito mais seduzíveis por uma casa de doces do que um guaxinim ou sapo vestido com uniforme de pré-escola. Isso faz as crianças terem mais facilidade em entender e aplicar as lições de ética no seu próprio dia a dia.
A fim de medir o quanto essa relação era verdadeira, os cientistas criaram um experimento com 96 crianças, com idade entre 4 e 6 anos. Os testes, como descrito no periódico Developmental Science, se dividiram em três etapas. Em um primeiro momento, as cobaias tinham de escolher os 10 adesivos que mais gostavam, de um total de 100 disponíveis. Depois, foram perguntadas se gostariam de dividir com um dos colegas.
O segundo momento foi a sessão de contação de histórias. Havia três obras disponíveis: uma história sobre egoísmo contada com a ajuda de personagens humanos; o mesmo livro, interpretado desta vez por animais antropomorfizados, e uma terceira obra, que falava sobre sementes – usada para checar o quanto as crianças dividiriam seus presentes, ainda que a história não falasse nada sobre a importância de se dividir.
Depois da leitura, os pequenos tiveram uma nova chance de distribuir seus adesivos. Aqueles que leram histórias em que os humanos estavam em cena, compartilharam mais com os amigos. Por outro lado, quando quem ensinava eram os animais de chapéu e gravata, a mensagem sobre a importância de se dividir as coisas impactava menos.
Por fim, os cientistas perguntaram o quanto as crianças achavam os bichos-humanizados parecidos com pessoas de verdade, como elas próprias. Quanto mais os personagens lhes pareciam ter cara de gente, mais eles convenciam – e mais abertas para dividir as crianças se mostraram. Moral da história: representatividade importa – mesmo quando quem ouve nem sabe o significado disso.