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Qual é a maior tragédia?

A empatia é uma das mais incríveis capacidades do cérebro humano - é ela que nos permite nos colocar no lugar do outro. Mas ninguém consegue sentir todas as dores do mundo.

Por Denis Russo Burgierman
Atualizado em 31 out 2016, 19h01 - Publicado em 16 nov 2015, 13h30

Todos os dias, no caminho do trabalho, paro num cruzamento onde está permanentemente estacionada uma bicicleta toda branca. E todos os dias, quando vejo essa bicicleta, é inevitável para mim lembrar por que ela está lá: para homenager uma moça que fazia o mesmo caminho que eu, até que, num dia igual a qualquer outro, um ônibus passou por cima dela e ela morreu. É uma entre as tantas ghost bikes que existem em São Paulo, colocada lá para que nos recordássemos. Para mim, que gosto de andar de bicicleta, e pedalo com minha filhinha, é inevitável pensar, todos os dias, que podia ter sido eu, que podia ter sido ela. E aí sinto algo físico no peito, uma pressão, como se o peso do ônibus estivesse sobre mim. E dói.

Esse sentimento é uma das mais maravilhosas habilidades cognitivas que existem: chama-se empatia e faz parte do repertório cognitivo de várias espécies de cérebro grande, como os primatas, as baleias, os golfinhos, os elefantes, os cães (mais), os gatos (menos), os corvos, os ratos e os humanos. Empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, é um dos mais fantásticos truques do cérebro. Nossa mente realmente finge que ela é a mente de outro, e por uma fração de segundo somos capazes de ver o que o outro vê, de sentir a dor dele.

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Empatia é uma grande vantagem evolutiva. Graças a ela, nós humanos temos a habilidade quase mágica de aprender com as experiências alheias – eu, por exemplo, fico imediatamente mais cuidadoso no trânsito depois que passo pela ghost bike. Por causa da empatia, somos uma espécie que, desde sempre, compartilha histórias – ao redor da fogueira, em blocos de argila, em rolos de papel, em livros encadernados, pelo rádio, pela tv, nas redes sociais. Dessa maneira, todos nós podemos aprender com as experiências de todos os outros – é como se todos nós vivêssemos aquelas histórias. E isso é ótimo.

Mas somos muito melhores em ter empatia por aqueles que são parecidos conosco, ou que vivem problemas próximos dos nossos. Faz sentido evolutivo. Os riscos que corremos na vida dependem do tipo de vida que levamos, então é útil que seja mais fácil se identificar com alguém que leva uma vida parecida com a nossa. É quase impossível não ter empatia pelos nossos parentes, pelos amigos mais próximos, pelas pessoas que encontramos todo dia. Quando ouvimos uma história que se passa num lugar que conhecemos, a empatia é maior. Quando uma história horrível acontece com alguém muito diferente de nós – culturalmente, etnicamente, geograficamente – é mais difícil a empatia vir. Mas vem também: somos seres muito empáticos. Quando a tragédia é realmente grande, desenvolvemos empatia por qualquer um, até mesmo por outras espécies.

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Nos últimos dias, as redes sociais entraram numa bizarra competição de empatias. As pessoas chocadas com a catástrofe em Mariana se encontraram com as pessoas chocadas com o massacre em Paris. E também com quem está chocado com as múltiplas tragédias que se sucedem ampliadas pelas mudanças climáticas – as secas, as mortes, os surtos de doenças como a zica, que está gerando centenas de crianças com sérios problemas neurológicos. E com quem está traumatizado com a violência brutal nas periferias brasileiras, cometida por grupos criminosos, mas também, o que é ainda mais cruel, pelo próprio Estado, via policiais que chacinam e políticos que acobertam esses homicídios. Cada uma dessas tragédias é maior que o mundo, e é compreensível que alguém sofrendo com uma tragédia dessas acabe perdendo a empatia por alguém que esteja sofrendo com qualquer outra coisa. Diante de uma tragédia que nos toca, todo o resto fica parecendo banal – inclusive as tragédias dos outros.

E logo umas pessoas chocadas passaram a agredir outras pessoas chocadas, como se umas dores fossem mais legítimas que outras. E esquecemos uma regra de educação tão básica que até mesmo elefantes, golfinhos, chimpanzés e corvos conhecem: não se zomba da dor alheia. Não se xinga alguém num velório – e hoje, com o mundo todo conectado pelas redes sociais, sempre haverá um velório acontecendo em algum lugar perto de nós.

Uma das consequências de estarmos todos em rede vivendo tempos tão terríveis quanto os nossos, de crise ambiental, com todas as turbulências que isso gera, é que por muito tempo não faltarão tragédias à nossa volta. Precisamos aprender com elas – usar a empatia para sentir a dor do outro e, dessa maneira, mudar coisas na maneira como vivemos e assim evitar outras tragédias no futuro. Mas também precisamos aprender a respeitar o fato de que nem todo mundo sente a mesma dor que nós sentimos – até porque não é mesmo possível sentir todas as dores do mundo sem enlouquecer.

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