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Quanto pesa a alma humana? Em 1917, um médico mediu: 21 gramas

Conheça a história de um experimento realizado com seis cadáveres frescos – e porque, embora furada, ela diz muito sobre a história do método científico.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 set 2023, 15h40 - Publicado em 10 jun 2019, 17h44

No terceiro episódio da série Breaking Bad, há um flashback. Um Walter White jovem, universitário, de cabelo bonito e barba aparada, está de pé em uma sala de aula vazia anotando números na lousa. Hidrogênio: 63%. Oxigênio: 26%. Carbono: 9%. Nitrogênio: 1,25% etc. É a parcela de cada elemento da tabela periódica que perfaz o corpo humano.

Uma moça – Gretchen, também estudante de química – está com ele, de caderno na mão. É ela que dita as porcentagens, uma por uma, em voz alta. Ao final da lista, Walt faz uma conta rápida de cabeça e diz: “Some tudo isso e você chega em… 99,888042%. Faltam 0,111958%. Parece que falta alguma coisa. Um ser humano tem que ser algo além disso.”

“E a alma?”, sugere Gretchen.

“Não há nada além de química aqui”, responde Walt.

Em 1907, um médico do estado americano de Massachusetts chamado Duncan MacDougall concluiu, como Gretchen, que se alma existisse, ela deveria pesar alguma coisa. Ele deitou seis pacientes moribundos em uma cama equipada com um sofisticado conjunto de balanças, e esperou eles baterem as botas. A ideia era que alma, ao sair do corpo, faria o peso do cadáver diminuir ligeiramente. A liberação de gases e fluidos corporais foi levada em consideração para evitar falsos positivos. 

Dos seis mortos, só um registrou alguma diferença: 21 gramas. Foi o suficiente para uma grande comoção. MacDougall ganhou uma chamada no New York Times em 11 de março de 1907: “Alma tem peso, pensa médico. Dr. McDougall de Haverhill conta de seus experimentos com a morte. PERDA NO CORPO REGISTRADA. Balança mostra 21 gramas a menos em um caso.”

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Veja na imagem abaixo:

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BOSTON, 10 de março. – Que a alma humana tem um peso definido, que pode ser determinado quando ela sai do corpo, é a crença do Dr. Duncan MacDougall, um médico de boa reputação de Haverhill. Ele lidera uma Sociedade de Pesquisa que há seis anos faz experimentos nesta área. Consigo, afirma ele, há outros quatro médicos. (Soul has Weight, Physician Thinks. The New York Times. March 11, 1907./Wikimedia Commons)

Há uma lista de motivos pelos quais o estudo não é confiável. Em primeiro lugar, uma amostra de seis voluntários não é suficiente para tirar conclusões com qualquer significado estatístico.

Em segundo lugar: mesmo que seis pessoas fossem uma amostra de tamanho razoável, a única conclusão honesta seria a de que as observações foram inconclusivas. Afinal, de acordo com o próprio MacDougall, dos seis corpos analisados, só um perdeu 21 gramas. Os dois primeiros foram excluídos da análise por “problemas técnicos”; o terceiro perdeu momentaneamente as tais 21 gramas, mas as recuperou rapidamente; e o quarto e o quinto registraram duas quedas de peso consecutivas cada um – será que a alma destes escapou em parcelas?

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Em terceiro lugar, há o problema (ainda não resolvido) de determinar o instante exato da morte. O que conta? O momento em que o coração para de bater? A interrupção da atividade eletroquímica no cérebro? Essas são questões ainda pendentes, e essenciais para o debate sobre eutanásia, por exemplo. Se não somo capazes respondê-las com a tecnologia atual, MacDougall certamente não era capaz de determinar o momento exato da morte – e da perda de consciência, ou da “alma” – de alguém em 1907.

O anúncio sensacionalista não parece improvável só do ponto de vista contemporâneo: ele também causou estranhamento em médicos céticos da época. Augustus P. Clarke apontou, em um artigo de opinião, que no momento em que o coração para de bombear sangue, o líquido não é mais resfriado pelo ar exterior em sua passagem pelos pulmões – o que faz a temperatura interna aumentar e um pouco de água evaporar, justificando as 21 gramas a menos. Não é lá uma hipótese muito convincente, de maneira que MacDougall retrucou em um artigo subsequente e a discussão se estendeu por meses. 

É evidente que a existência da alma, sendo uma questão de fé, não depende de uma determinação técnica de sua massa. Nada a impede de consistir em alguma energia desconhecida, eternamente fora do alcance da ciência.

Só tem problema nisso: matéria e energia são só faces da mesma moeda. Dois anos antes do experimento de MacDougall, em 1905, Einstein havia publicado sua Teoria da Relatividade. Uma de suas conclusões foi que a quantidade de energia contida em um objeto é igual à sua massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado. É a famosa fórmula E = mc2. Os 90 kg de matéria deste repórter, por exemplo, equivalem a 2,2 trilhões de quilowatts hora (KWh), ou o suficiente para abastecer o Brasil por quatro anos.

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Mesmo que a alma fosse energia, portanto, ela ainda teria uma massa mensurável, ainda que pequena. Ponto para MacDougall – embora não haja nenhuma evidência escrita (cartas etc.) de que ele estivesse antenado com a vanguarda da física de sua época.

A conversa não acaba aqui, porém. Dá para dar um passo além no argumento e dizer que a alma – novamente, sendo uma questão de fé – não precisa ser composta nem de matéria nem de energia. Ela pode ser feita de uma substância completamente distinta, além do alcance de detecção dos nossos instrumentos e da imaginação dos cientistas. A essa proposta, os filósofos dão o nome de dualismo.

Só que aí emerge um problema: uma coisa que não é feita nem de matéria nem de energia – essa almamente ou consciência imaterial – não teria como fazer um corpo de carne e osso se deslocar do ponto A ao ponto B, porque o corpo é feito justamente de… matéria e energia. Algo sem energia não pode alterar o estado de algo com energia, pois isso desrespeitaria a lei de conservação de energia. 

“Um princípio fundamental da física é que qualquer mudança na trajetória de uma entidade física é uma aceleração que requer gasto de energia. De onde vem essa energia?”, questiona o filósofo Daniel Dennett no livro Consciousness Explained.

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Outro filósofo, Owen Flanagan, faz eco: “Se é verdade que uma mente não física pode fazer com que um corpo se mova – por exemplo, quando vamos a um show – então o corpo precisa de energia, pois nós nos levantamos e vamos ao show. Porém, para que a energia aumente em qualquer sistema, ela precisa ser fornecida por outro sistema. Se a mente não for um sistema físico, ela não tem energia para transferir. Portanto, a mente não poderia explicar o fato de que nosso corpo acabou no show.”

Ou seja: nada leva a crer que a alma existe. Mas se ela existisse, é mais provável que pese alguma coisa, mesmo – ainda que bem pouquinho.

 

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